sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Quanto por pose ou Quem é a retratista?


Hoje, uma cliente estava a consultar meus preços para fazer seus retratos em fotografia e veio a baila mais uma vez uma questão de "mercado". Conheci, especialmente no início das câmeras DSRL, muita gente que comprava uma 5D e uma 60D, tripé e algumas lentes e saía distribuindo cartões como se a câmera fizesse o fotógrafo, apesar de ainda vazios, sem alguma referência, sem se perguntar: O que é fotografia? Quem são os fotógrafos que mais aprecio? Como tudo isso começou? Porque escolhi tais câmeras, porque li em um blog que elas são o bicho e a fotografia digital é uma facilidade que me dará muitos dinheiros?

A minha cliente me repetiu uma pergunta que muitos me fazem sobre "número de poses".
- O máximo é 4 poses né?
- Oi?
- Ah, é que andei pesquisando e tem um número máximo.
- Olha, não sei nada sobre isso!!

Sempre discutirei a serventia desses pactos comerciais renegando-os solenemente. Apenas isto. Fotografia, vídeo, cinema.. Enfim, isso da relação com a lente e com o que-quem está diante dela é de uma complexidade tão fantástica, rica. É como sexo. Eu prefiro tântrico. Tanto que faço a analogia da prostituição quando alguém vende poses e minutos.

Ontem, no almoço de natal, olhávamos retratos de família e pensei nisto, inclusive. 

Quem era o invisível retratista que nossos avós convidavam a passar o dia na estância para registrar a história de uma família. Com qual sensação se produzia aquele momento sublime onde um cara que a gente não conhece a cara ficou incumbido de eternizar a alma daquelas pessoas como clã e como indivíduos para que nós não nascidos, quase cem anos depois possamos mergulhar e nos comunicarmos.
Eles gastavam filmes e filmes e partiam para a pós produção com o poder de quem leva o tempo dentro de uma mágica caixa escura. A verdadeira e única máquina do tempo.

Há um silêncio dentro do fotógrafo, há dois silêncios dentro do retratista e mesmo que o laboratório de hoje seja o photoshop, a caixa mágica ainda é.
E no futuro, não haverá reza forte que consiga tornar eterno o que for superficial. 
Um retrato não é uma pose, um filme não é um ponteiro de relógio. Muitas vezes a gente precisa repetir a cena mas o olhar que se perdeu, nunca mais. 

Em tempos de selfie - ler Isto não é um mamilo -, fotógrafos apressados e consumidores de aparências, discutirmos a complexidade de um retrato é praticamente impossível. Mas eu garanto que você pode cobrar pra fazer uma sessão emocionante sem pensar em "tantos pilas por tantos cliques-tantos dinheiros por tantos minutos". Basta você esquecer que o cliente é um cliente, porque ele não é, mesmo pagando. Quando se escreve uma micro história, quem paga e quem recebe é o que menos importa. Se a fotografia se mantiver viva por muitos anos, tal evento será muito maior que os bolsos.

Acredito em mergulhar no processo pré-produção-pós como se fosse o único. Tirar o máximo e cobrar por tal produção a partir da experiência e não a partir de normas que "todo mundo faz assim", Você não sendo apenas um consumidor dos lançamentos e grenais Canon x Nikon, poderá fazer orçamentos honestos, boas previsões, sem precisar se preocupar com número de poses que o pobre cliente terá que fazer diante da sua lente enquanto você posa de fotógrafo. Aliás, não pose! Fotógrafo é invisível quando está fotografando.

Quero dizer, não padronizar o que o cliente recebe e sim padronizar processos técnicos e de produção vão te liberar pra ser um fotógrafo genuíno.
Alguém me dirá que se eu me dedicar à publicidade não terei tais dramas. Mas sei lá, terei outros. A imagem e a auto-imagem estão em crise, certo? O espelho está fosco. 

De resto, gosto de fotografar natureza, bichos, gente normal, nuvens, insetos, gotas de chuva e ondas do mar. E acho interessante e enriquecedora profissionalmente esta esquizofrenia de fazer fotografia, vídeo e cinema porque um ensina o outro. Você pode misturar tudo no mosaico da livre expressão e não será menos profissional, pelo contrário.

Tenho a sensação de que perder o foco é o caminho se quisermos eternizar momentos que estão muito acima de 4 poses. Inclusive, nos perdendo talvez consigamos nos distinguir. Quem já não viu um instante divino escorrer pelos cílios enquanto perdia tempo trocando a lente? Pois é, uma foto depende de uma relação, conexão. Entre cliente e fotógrafo, quem é o retratista?

biAh weRTher



quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

olho mágico

olho dentro de mim. me procuro... há um quarto, um coração, um rim. olho dentro de mim e me chamo. veias e tripas. me encontro no final, embaixo de uma cama, conversando com células, tentando convence-las de algo que não sei.


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Por que sou feminista.

Eu sou feminista porque não ando desvairada em busca de um homem que me carregue. Meu objetivo é olhar pra dentro de mim com a maior paz possível a buscar uma mulher que seja eu mesma, que seja forte e livre, eu em minha mais pura essência, sem maledicência, sem competições, sem interferências. Pra eu me conhecer e poder sentir amor livremente. Pois amor sim, amor é o contrário do poder.
E por isto é que o feminismo não é o contrário do machismo. 
Pois o machismo é a doença social que contamina parte dos homens e mulheres, levando-os a acreditar que há alguém lá fora que deverá me controlar enquanto eu choro por dentro. Que poderá sentir-se no comando do meu corpo e dos meus sentimentos.
Já o feminismo é a cura para a desigualdade que o mundo ao redor impõe a homens e mulheres desprevenidos.
A mulher que há em mim, diferente do machismo, não pretende dominar ninguém, mentir, arrastar pelos cabelos ou fazer jogos de poder ou cometer abusos com quem a cerca. A mulher que há em mim é feminista porque luta pela simples e óbvia meta de apenas ser livre e não ser agredida e excluída por isto. A mulher que há em mim não quer rolar no chão com ódio de outras mulheres a disputar o nada de um triste fim a serviço de um senhor.
Eu sou feminista porque eu não preciso de um homem que me aponte os caminhos, eu preciso apenas de mim, do meu espelho e da consciência de que cada um é um, independente do gênero. 
Eu sou feminista porque não procuro um homem, procuro a mim.

Não passaremos.

Os dias estão lindos e floridos. Ontem o céu era um vasto azul, limpinho, nenhuminha manchinha do algodão das nuvens.
Calor, é verdade. Mas vida. A força da natureza.
Uma pena tanta gente sem educação, alienadinhos, lavando calçada de mangueira como se encontrar água fosse fácil como encontrar egoístas.
Tá, mas eu quero falar de coisas legais que sinto quando tá calor e dá pra sair meio pelada pra rua. Eu sinto, de repente, que a natureza vai vencer esse jogo, sabe... Porque pra ela não existe um jogo, só oxigênio e ciclos.

Por exemplo, há uma pracinha que é como o quintal do meu prédio, fica logo atrás. Era pomar também, mas agora estão matando as árvores frutíferas.
Muito da matança das árvores por ali, segundo dizem vizinhos que acompanham mais de perto, era obra de um comerciante que via as árvores como culpadas pelo pouco movimento em seu comércio. As árvores atrapalhavam a vista da sua placa à distância, as árvores poderiam ocultar até maus elementos, as árvores eram o problema de sua vida de empresário sem lucro. Assim, ele cortava a facão, a mão, a serra, com força do pensamento. Tudo valia, até ligar todo o tempo para a SMAN e pedir em nome de todos nós, vizinhos, para que tirassem todo aquele verde dali, pois estaríamos com medo de seres do mal ocultos pelas árvores.
Diante de tanta insistência, veio a SMAN uma, duas, três vezes. Assim, ficou meio sem sombra, está mais calor, menos namorados às tardes, menos piqueniques, menos pássaros.
Bem, a matança não gerou mais negócio pro empresário, óbvio. Ao contrário, caiu mais o movimento e ele passou o comércio adiante antes que fosse tarde. Dizem que o novo dono quer fazer as pazes com o parque. Tomara.

E as árvores? Assim, uma figueira para "quem" já tínhamos feito até tristes despedidas, parece começar a ressuscitar do nada, qual fênix. Um sinalzinho de vida, um milagre!!
Um pé de acerola, mortinho da silva, decepado a facão, um nadinha no meio de um canteirinho seco, começa a mostrar um pequenino galho verde com 3 ou 4 folhas, ressurgindo... 
Nem todas, claro, irão renascer dos cinzentos momentos de fúria do homem. Entretanto, algumas estão mostrando a força que tem a natureza. 

O que eu quero dizer com isto? 
Quero dizer que, pra mim, apaixonada que sou por terra, chuva, cheiros, bichos, mato... Eu acho que nós, idiotas infantis metidos a donos do brinquedo, quando nos dermos conta que a vida não é brinquedo e muito menos estamos no controle dela, estaremos num fim fedorento, comendo cimento. 
Nós morreremos, estaremos fodidos, pequenos, sem ar e sem água. Sobre nossos cadáveres sequinhos, após o último suspirosinho, ressurgirão as árvores e corredeiras e danças de asas, mares e orixás. Uma festa digna, um sambinha legal!
E nós, extintos sob nossos entulhos, engolidos pelo tempo, com moedas nos bolsos poeirentos e latas enferrujadas iremos sumindo, sumindo até nunca mais, ninguém, nenhum ser do futuro lembrar que existiu uma gentinha pequena, sem pelo, que nem pelada andava e que achou que conseguiria matar tudo o que via pela frente e reinar sozinhos, mastigando cinzas, brindando com chuva ácida. 

Minha previsão feliz é que nós, imbecis, cairemos. Nós não passaremos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Tudo é uma questão de ambiente.

Cada ser é um mundo.  Ambiente. Clima. Curvas. Ângulos. Veias e órgãos. Mente.
As máquinas também são assim. No meu trabalho, ando com várias máquinas. As mais constantes são os notebooks e as câmeras. Os projetores são românticos e diretos, as multifuncionais tem um certo ar de eu me basto e, com isso, não fazem muita amizade, ficando ali impávidas em seu altar, fingindo frieza mas preparando alguma surpresa.
As câmeras são sexuais, tanto ou até mais que os instrumentos musicais (sendo que esses não são máquinas, os citei sei lá porque).

Câmeras... Durma com elas e não acredite em frescuras e manuais a respeito dessa relação. Só é preciso ser muito íntima e inseparável até que ela adivinhe o que você sente e vice versa.
Os projetores não se importam de viver em armários e saletas obscuras. As câmeras não. Elas competem com tudo e todos, namorados, filhos e com a hora do almoço.
As máquinas de costura são um pouco assim também, mas elas são menos possessivas. Ao menos no meu caso, elas são românticas como os projetores. São lânguidas, entende?

Para conviver bem com máquinas a estratégia é oposta ao modo como se faz para conviver bem com pessoas.
Pra ter bom relacionamento com gente você só precisa dar e receber espaço. Manter uma certa distância, não dizer tudo, não falar sempre, não amar totalmente, não querer demais, misturar só um pouco e ter cautela. Gente teme.
Mas com as máquinas é absolutamente diferente, basta se tornar íntimo. Tudo é uma questão de ambiente.

Por exemplo, eu uso um note só pra edições de vídeo, outro só pra projeções, outro pra todo o resto.
Assim, o note de todo o resto é como um órgão do meu corpo. Nos conhecemos, dedos, gestos, idiotices, vícios e manias. Nunca brigamos. Se fosse gente, bah!, já seríamos inimigos. Ninguém convive tanto e se conhece tanto sem declarar inimizade cedo ou tarde.
Mas os outros notes, se me demoro dias pra retomar um trabalho, a relação esfria e preciso me inspirar pra reacender a relação. Olho para eles ali fechados na bancada. Eles, talvez magoados não olham pra mim. Levo enorme tempo pra me sentir a vontade no ambiente deles, atraso trabalhos.

Minha fixação por inventar coisas me faz ter uma boa relação com furadeiras e serras elétricas e nunca tive muita intimidade com os secadores de cabelo, acho eles meio burros. Não me dou nada bem com as máquinas de lavar e aprendi que cafeteiras não pensam. E isso é sério, as cafeteiras são as únicas máquinas que não tem vontade própria.

Não falei em carros porque são apenas crianças que não sabem tomar banho sozinhas.
E os celulares? Acho eles muito sem personalidade.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Síndrome de Estocolmo

Cada país vê história a seu modo. No nosso, preferimos pensar que é só uma matéria chata dos tempos de colégio. De certo modo, pelo jeitinho decoreba como grande parte dos métodos a apresenta e "ensina". E será que história é pra aprender ou apenas pra conhecer, interpretar?
Seja história, matemática, a língua, o modo como passamos a vê-la na escola, especialmente com as reformas criadas para e pelo regime militar, tudo fica parecendo só acúmulo, um porre, um tijolo  que a gente fica louco que nos joguem logo na cabeça e os meses corram e chegue logo o final do ano quando, graças a Deus, nunca mais precisaremos pensar nisso.

Conheci poucos professores de qualquer matéria que apresentassem seu assunto como algo pra vida, mas posso dizer que sempre que um professor esquece conteúdo no primeiro dia de aula e prefere contar sua história e a história da sua história muito mais alunos, sentindo o amor dele, ficam contaminados.

Uma vez, na sétima série, eu tinha uma professora apaixonada por história. Naquele ano eu fiquei viciada em pesquisar a Segunda Guerra Mundial e fiz um trabalho totalmente desnecessário de umas 40 laudas sobre o assunto. Acho que tá lá nos guardados da minha mãe até hoje. Era pra fazer algo simples, 5 páginas ou nem isso. Por culpa do modo como a professora de história gostava de abordar história, eu passei noites acordada fazendo aquilo, lendo, pedindo livros pro meu pai...

De verdade, história não é algo que aconteceu no passado, mas algo que vai acontecer adiante dependendo de como estamos escrevendo a história de hoje.
Por exemplo, esse fenômeno do ódio e da intolerância. Erramos, andamos em círculos. erramos de novo, muitos já esquecidos de tragédias recentes como a ditadura militar por toda a América do Sul. Isso tudo tem a ver com o desconhecimento de que a história é o presente e se você se distanciar como se não fosse com você, vai apenas ficar na mesma. Por outro lado, ao brincar de prever o futuro, verá que não é uma matéria de currículo, mas o preço da passagem, o lixo no chão, os desejos, manias, vícios, o gosto das coisa, aquele cheiro que a gente sente quando passa na rua e puxamos pela memória pra saber de qual pedaço da infância saiu tal perfume.

Certa feita, convidei uma amiga pra ir à praia passar um final de semana conosco. Na época eu andava viciada em Dalva de Oliveira e ao saber que ela nunca ouvira falar nessa cantora, não pude disfarçar minha surpresa e decepção. Então ela argumentou:
- Mas como eu iria conhecê-la, se tenho apenas 28 anos? Eu ainda nem tinha nascido!

Quase tive um faniquito tepeêmicos, mas no final, até agradeci. A garota, na verdade, me deu um dos exemplos concretos, dentre os muitos do dia a dia, que me convencem do que eu falei no início, sobre como nós brasileiros nos relacionamos com o passado infantilmente. Tão infantilmente, que não sabemos que ele é presente e é futuro, pois sendo crianças o mundo nos parece só aquele onde alcança a nossa tangente, ali na porta do quarto.

Vejo pessoas bem vestidas levantando plaquinhas com dizeres sobre mudar o país mas, diferente dos dizeres dos seus cartazes, suas vozes pedem mais distancia e menos igualdade social e isso não é mudar, é retroceder, é voltar ao círculo viciado.  É como quem muda até um ponto, mas esquecido dos motivos, no meio do caminho sente medo e regressa ao ponto do qual tanto quis sair.
Então, me lembro sempre de fatos. Não de cartazes, mas acontecimentos, como esse fenômeno do ódio que tanto anda acontecendo no nosso país. Isso é história. Passado, presente e futuro que servirá pra alguém que lembra de tudo muito bem e manipula o desconhecimento da maioria.

História é agora.
E a história será a mesma de sempre, como um joão bobo, um bumerangue, se continuarmos votando em coronéis, valorizando o consumo, nos separando em classes pela única e vazia insegurança, nosso medo de sair um dia a rua e percebermos uma mudança inadmissível, uma nova, dura realidade onde ninguém estará a apostos pra fazer uma reverência à nossa passagem e, pior, não teremos que reverenciar ninguém por ter mais coisas. Isso sim é uma prisão. A prisão do puxar sacos e tapetes é princípio e valor, é uma calosidade grossa.

E assim, não sabendo de nada, ouvindo dizer, repetindo resumos e orelhas nós estamos sempre apaixonados por algum senhor que mastiga, coça a barriga, dá ordens, bebe vinhos caros e vive em algum palácio enorme onde só os puxa-sacos privilegiados e os serviçais podem penetrar. Não importa se somos de terra ou de cimento, o que nós queríamos, queremos e quereremos pra poder tocar a vida, é algum coronel dono de jornal, de canal de tv, proprietário de homens e de mulheres que nos diga qual é a história. Ela apontará um caminho que dá confortavelmente sempre no mesmo lugar, e nós agradecidos o amaremos e respeitaremos seus filhos e netos pra todo o sempre amém.

E a guria que não conhecia a Dalva de Oliveira porque ainda nem tinha nascido? Bá, cortei relações. 

sábado, 27 de setembro de 2014

A senhora e as senhoras.

Descia eu pelo elevador de serviço num dia desses em que se aproximava um temporal. Como sempre com roupa confortavelmente suja de tintas e colas, de quem está trabalhando no ateliê.
Uma senhora de uns 65 anos, ar de cansaço, entrou comigo. Comecei a conversar com ela e antes do térreo já descobrira que mora em Cachoeirinha, pega dois ônibus e ainda tinha que cuidar dos netos, pois a filha é mãe solteira e ela tem que cuidar da casa da patroa, no meu prédio, pra sustentar sua família. Foi muito legal a conversa e eu senti vontade de dar um abraço nela. Já no térreo, conversamos mais um pouquinho e ela me perguntou sorrindo: - Tu também trabalha aqui?
Respondi que, de certo modo sim, pois meu local de trabalho é na minha casa mesmo. Ela ficou constrangida e pediu desculpas. Daí não me contive e a abracei dando risada, explicando que, na verdade, me senti lisonjeada.
Já nos afastando ela me disse: - É que tu sabe, né minha filha, o pessoal aqui não é de dar trela pra gente!
E lá, se foi ela, com medo de ser pega pela chuva, enquanto eu gritei de longe:
- Em quem a senhora vai votar?!
- Na Dilma, claro! disse ela com olhar de criança marota.

Essa senhora povoou meus sonhos por dias, mas nunca mais a vi, horários diferentes e tal. Me apaixonei por ela imensamente.

Lembrei disso hoje, após ler posts de umas senhoras, talvez mães, creio que uma ou outra até avó, comentando que as pessoas que votam na Dilma são "pobres coitadas", gente que não sabe nem escrever direito. Havia  na conversa uma plaquinha dessas de deboches que circulam com letras arial em cores primárias e o artista gráfico não assina (acho que ninguém assinaria essas artes toscas e mal redigidas, certo?) e os comentários debochavam das pessoas pobres que não sabem escrever, falam errado...

Diria que é contraditório odiarem as ações que tem levado os pobres para as escolas e universidade, já que tanto reclamam que pobres não tem escolaridade.
E diria ainda que ser pobre e não saber escrever é compreensível, mas uma classe média exibidora de títulos não saber escrever é imperdoável. E isso é o que mais se vê quando desandam a arrotar status e xingar os menos privilegiados que limpam seus pínicos.
Além do mais, a língua falada é livre e o caráter de uma mulher brasileira não se forja nessa ou naquela classe social, muito pelo contrário.
E complementaria que uma mãe de família, avó, tia, qualquer mulher adulta que se considera bem educada, elegante, de bom gosto, com poder de consumo de coisas e mais coisas, deveria envergonhar-se de falar mal de gente mais pobre, quando não teriam nem suas calcinhas bejes para vestir, não fossem esses seres inferiores, muitas vezes em condição de trabalho escravo.

Mais que tudo, se eu quisesse uma amiga pra conviver, tomar chá na cozinha, contar sobre a vida e trocar receitas e mudas de plantas, seria aquela senhorinha que já idosa ainda trabalha numa casa de família de classe média pra sustentar seus netos, enquanto as patroas se metem na internet, escrevendo mal e porcamente ofensas e maldades contra os que lhes servem.
Essa gente que odeia pobres e acha que sabe votar melhor porque fez curso "superior" precisa é voLtar pro útero e nascer de novo, reaprender sobre a vida, respeito, igualdade e sobre amor.

Voto com os pobres coitados, com as mães que tem direito ao bolsa família e com os estudantes que conseguem chegar aos cursos universitários graças às cotas.

Beijinho no Ombro ;)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Eu faço cinema.

Estréia dia 30 de novembro de 2014 


No final de 2013 meu negócio era uma exposição de várias séries de fotografias. Neste, meu negócio será imagem em movimento. 16 mm, só pra começar 

Aranha e o coliseu das moscas

Quando eramos pequenos, os livros de história da escola falavam sobre a escravidão no Brasil como um dado, um momento econômico, uma situação quase natural, "cultura" que teve um fim (teve?) porque uma princesinha boazinha assim o quis, um ponto para decorar e tentar ir bem na prova. Sobre as tragédias que viveram nossos índios, era também assim.
Nem as aulas de literatura resolviam muito a desinformação e um despertar de senso crítico, porque já estava na moda essa mania de achar a leitura um saco.
Sempre fui muito esquecida, mas não lembro de uma escola voltada para a sensibilização das crianças a respeito das vergonhas que nossos entes consideravam normais e necessárias (como é que os latifundiários farrapos iriam manter seus honestos negócios se acontecesse a libertação dos escravos?), as dores de nossos outros entes, idênticas as que hoje vivem ainda tantos indivíduos humanos e não humanos. Não precisa ler tantos jornais pra saber que há famílias, mulheres, crianças e animais escravos nas grandes cidades e em zonas rurais.
Ok, ainda há quem pense que os livros de escola são textos acadêmicos e precisam ser frios. Tal pensamento tradicional pode operar desastres.
Por tudo isso, para uma criança crescer vendo a vida real por dentro, sem artifícios, desculpas, perfumes e mentiras, dependíamos de pais inteligentes e outros modelos e informações menos genéricas.
Quando tínhamos sorte de ter pais curiosos, responsáveis, corajosos e atentos, tínhamos informação ao nosso redor. Livros, filmes ficcionais e até documentários (coisa rara uma família que assiste documentários, mas acontece).
A televisão até tentava ser boazinha e, pra quem era muiiito preguiçoso, as novelas eram um bom jeito de talvez até perceber que a escravidão não foi, ela é e será até que a sociedade repense seus conceitos velados. O problema é que, na mesma tv que falava mal da escravidão e assegurava o seu fim graças à tal princesa e blábláblá, os atores negros eram sempre os empregados.
O que quero dizer é que agora que nós crescemos, muitos de nós se tornaram pessoas com falha de caráter, com um vazio que a falta de informação e a educação covarde e frágil lhes deixou como marca indelével. Falta-lhes empatia, senso de justiça, compreensão sobre coletividade e verdade.
A escravidão não acabou, apenas aprimorou-se. Já se sabe que não há animais humanos livres e, por nossas escolhas, já não há tampouco animais não humanos livres. Engana-se o branco debochado que se considera superior, pois é mais prisioneiro que os prisioneiros que o servem. Mas bem, isso todo mundo já sabe, certo?
A respeito da história e detalhes de como viviam os escravos e da traição que sofreram, por exemplo, os Lanceiros Negros aqui no RS, onde vivo e entendo como o lugar mais assumida e orgulhosamente racista do país, era raro algum professor aprofundar-se. Até porque talvez nem eles soubessem mais do que a leitura fria dos tópicos e resumos. Porém, tanto a ficção quanto os relatos reais, documentais, orais dão conta de que alguns escravos, seres humanos com personalidade própria e não ferramentas, optavam por trabalhar na casa grande, dedurar outros negros, curvar-se, puxar o saco. Atenção, não vejo sentido em culpá-los. Inclusive, pelo tipo de gente que nos tornamos, acho que grande parte da minha geração faria o mesmo. Passos miúdos medrosos, reverência, engolindo sapo, traindo irmãos para garantir uma roupa limpa.
Quero dizer com isso, que não me surpreendo quando alguns conterrâneos se atrevem a alegar que o Pelé é um bom exemplo de bom negro, já que ele diz que está errado revoltar-se.
Bem, não preciso dizer mais nada aos racistas e escravistas, a não ser que vocês são ignorantes, cretinos e psicopatas.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Meu trabalho está no Vídeotipos

Ganhei um panorama bem legal, com nada menos que 6 trabalhos meus (um Vídeo Retrato, um filme e 4 vídeos arte) na Videotipos, dentro do SALVE, Jundiaí - SP. No final de semana a gente vai postar na fanpage Clandestina os links dos trabalhos que apresentarei por lá  Na divulga abaixo tem um pouco da minha bio e isto me lembrou que meus filmes, vídeos e fotos já estiveram em um monte de países e tomara que seja sempre assim ebaeba :)




Programação da Mostra Videotipos, que rola dias 20 e 21 de setembro, paralela às outras atividades do SALVE! Dois jundiaienses, dois artistas convidados e homenagem à Bill Viola!
Panorama BILL VIOLA
Videoartista estadunidense, começou sua carreira na década de 1970 com trabalhos no Everson Museun em Syracuse, Nova York. Foi influenciado por artistas como Nam June Paik, Joseph Beuys, Wolf Vostell, Bruce Nauman e Peter Campus. Seu trabalhos em vídeo consistem em instalações, vídeos e performances, sendo marcados por um uso transparente do aparato videográfico, um controle e entendimento complexo do tempo, e por um inventivo uso do som.
Panorama Jundiaí
Lyara Oliveira
Nascida em Jundiaí, Lyara Oliveira é artista audiovisual, pesquisadora e professora e atua profissionalmente há 16 anos no campo da produção audiovisual. Graduada em Rádio e TV pela UNESP, é também Mestra em Artes Visuais pela Faculdade Santa Marcelina, com bolsa da FAPESP. Além de lecionar no curso de Rádio, TV e Vídeo da FMU-SP, edita um Blog de discussão sobre audiovisual e arte contemporânea, o Linhas de Varredura. Dedica-se à produção e pesquisa artísticas, investigando processos de criação e experimentação com meios audiovisuais. Participa de exposições coletivas e festivais de vídeo desde 1999 e realizou sua primeira exposição individual em 2012, intitulada AO VIVO/GRAVADO, na Galeria de Arte Fernanda Perracini Milani em Jundiaí/SP.

SEGREDO (DV - 5' - 2009)
Uma mulher recebe um bilhete que lhe causa intensa comoção e angústia.
Com Jennicer Perez.
AO VIVO/GRAVADO+GRAVADO (DV - 10' - 2010)
Proibido fotografar ou gravar sem a prévia autorização. Exercício conceitual sobre apropriação, montagem, direito de uso de imagem e som e procedimentos audiovisuais. As imagens foram captadas no show da cantora Cat Power realizado no teatro Polytheama em 2010. Como era proibido fotografar ou gravar o show, foram gravadas imagens precárias da plateia interagindo com o espetáculo. O resultado visual é uma poética movimentação de luzes e sombras, o som também precário capta a reação do público.
23-24 (HDV - 3' - 2011)
As imagens surgem da aproximação de uma lembrança, remoída durante anos, de uma madrugada de terror. O título está ligado a essa data, a madrugada do dia 23 para o dia 24. A idéia era expiar aquela experiência vivida intensamente e que, apesar de ter sido uma experiência particular, se configurava em uma situação facilmente reconhecível: a de receber um telefonema com uma notícia desconcertante no meio da madrugada.

AGORA É DOMINGO (HDV - 4' - 2011)
Observação dos limites entre o espaço urbano público e o privado, da intimidade, ao mesmo tempo em que trata da questão do instante/acontecimento. Numa modorrenta tarde de domingo, um acontecimento compartilhado suscita o questionamento proposto. Num instante a situação muda, apenas por um instante. A imagem nada revela, é o som que conduz a percepção de algo está acontecendo.
PASSANTE (HDV - 5' - 2011)
Observação, em espaço público e urbano, sobre as relações humanas que se estabelecem entre os indivíduos na rua; flagrantes situacionais. O que está no vídeo é resultante da gravação de um incidente urbano comum. A manipulação e a projeção da imagem reiteram a ação dos passantes, no vídeo e no espaço expográfico.
LESO.VÍDEO.FILMES
A LesoVídeoFilmes nasceu em 2002 e desde então vem realizando trabalhos em documentário e filmes experimentais, além de materiais ligados à história oral e de registro. Atualmente desenvolve o projeto VIDE-O-RAIS, que busca estabelecer uma relação entre os documentos orais e visuais, a partir do acervo áudio-videográfico da produtora.
SACÔ? (VHS - 6' - 2002)
Um evento sonoro e outro visual se completam perfeitamente, sem que tenham sido feitos um para o outo. O filme é o marco zero da LesoVídeoFilmes.
CATACLISMA (VHS - 15' - 2002/10)
Livremente baseado numa mulher de Clarice Lispector. Com edição realizada entre a câmera e um videocassete, o vídeo tenta estetizar os elementos do estilo literário da escitora, principalmente aqueles ligados às suas "mulheres": a repetição e o esvazimaneto das ações.
ESTREIA! (RE)PAIK (MiniDV - 15' - 2006/14)
Documentário observacional gravado durante uma retrospectiva do videoartista Nan June Paik, no então Centro Cultural Telemar, atual Oi Futuro, no Rio de Janeiro.
Panorama Convidados
biAh weRTher
Cineasta, VJ, diretora de arte, fotógrafa, designer, artista gráfica e escrevedora de Moscas Volantes, um livro que voa. Em audiovisual atua como Roteirista, Diretora, Produtora, Montadora, Diretora de Arte e Trilheira. Como vídeo-artista e VJ, costuma se servir de artes integradas, misturando novas e antigas tecnologias e fazendo edições in loco e mapping. Em design se dedica às artes gráficas, figurinos, objetos, pontos de luz, tridimensionais. Realizou vídeo instalações e ocupações em vários espaços de arte e espaços públicos em todo o país, em projetos coletivos e individuais ou ministrando oficinas de cinema desconstrução em Universidades, Sescs, Bibliotecas e outros.
Entre os filmes, estão trabalhos em todos os suportes: super8, 16 e 35 mm, MiniDV, HDV e mídias móveis. Premiada em vários festivais e editais, já exibiu filmes e participou de ocupações em muitos países, como Inglaterra, Espanha, Suíça, República Dominicana, Hungria, Japão, Canadá, França, Argentina, entre outros.
PORNOGRAFIA (Super8 - 5' - 2001)
Curta Experimental em Técnica mista. Animação direta na película super 8 com interferências digitais.
CANTILENA (Vídeo - 5' - 2010)
Eu. Uma. Duas.
GESTO SUBMERSO (videoretrato - 03'38'' - 2010)
Projeto contínuo iniciado em 2010, o Gesto Submerso - ou Underwater - são retratos e auto retratos nus submersos, feitos com câmeras analógicas de lente de plástico e também câmeras digitais em caixa estanque.
SUB (Vídeo, 91'43'' - 2014)
Territórios relativamente estáveis. No final de 2013, minha página em uma rede social foi denunciada e banida por pornografia, pois nela estavam divulgações de exposição e processos criativos de um projeto de nus femininos feitos embaixo da água. SUB é uma vídeo arte feita para homenagear as pessoas que denunciaram meu trabalho.
TRAVESSIA (Vídeo - 01'4' - 2014)
Vídeo sobre portais gaúchos e elementais.
Câmera: Nelson Realista - Música: Voz dentro da sua cabeça - Composição: Vinha da Chuva. Participação de Biah Werther tocando seu theremin.
Estreia - DANS[SA] (16mm - 8' - 2014)
A primeira dança no espelho.
Marcellvs L.
Marcellvs L. nasceu em 1980 em Belo Horizonte, Brasil e vive desde 2006 entre Berlim e Seyðisfjörður. Trabalha com vídeo e som e exibe internacionalmente desde meados dos anos 2000. Entre as exposições individuais recentes estão "Indiferença", na Galeria Luisa Strina em São Paulo (2013), "COMMA 34", no Bloomberg SPACE em Londres (2011), "VideoRhizome", no Kunsthalle Wien em Viena (2012), "Infinitesimal", na Carlier | Gebauer em Berlim (2010), "PhotoEspaña", em Madrid (2008), entre outras. Participou de diversas exposições coletivas e Bienais como a 16a Bienal de Sydney (2008), 9a Bienal de Lyon (2007) e 27a Bienal de São Paulo (2006). Já exibiu no MAC - Musée d'art Contemporain de Lyon (2014), Helsinki Art Museum (2013), Astrup Fearnley Museet, em Oslo (2013), Living Art Museum, em Reykjavik (2011), Singapore Art Museum (2009), Museu Nacional/Centro de Arte Reina Sofia (2008), ZKM - Museum of Contemporary Art, em Karlsruhe (2008), Museu de Arte Moderna de São Paulo (2007), entre outros. Alguns dos prêmios recebidos são: Ars Viva 07/08 Sound e o prêmio principal do 51° Festival Internacional de Curtas Metragens de Oberhausen em 2005.
Desde o início dos anos 2000, Marcellvs L. vem realizando uma série de obras nominadas Vídeo-Rizomas, que hoje conta com mais de 20 títulos. Extraída da botânica, a palavra rizoma foi apropriada pelos filósofos Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992) para tratar da ideia de ramificações do pensamento a partir de conexões e associações, que podem ser quebradas em qualquer parte e retomadas a partir de um de seus ramos. Marcellvs L. aproxima sua pesquisa audiovisual desse conceito ao propor que seus vídeos não sigam uma narrativa, mas que funcionem como fragmentos de uma história cuja complexidade remete à própria vida. Por meio de planos-sequência sem cortes, com a câmera imóvel num único quadro, o tempo cronológico se dilata num apelo à contemplação.
1716 (HDV - 07'12'' - 2008/09)
2222 (HDV - 14'47'' - 2010)
9493 (HDV - 11'16' - 2011)
0720 (HDV - 09'12'' - 2012)

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Cineclube Consciência: SALVE- Semana do Audiovisual Livre

ESTAREI NO VIDEOTIPOS, um momento invasivo dentro do SALVE!! Levo um vídeo retrato, um 16 mm e as vídeos-arte mais recentes. 



Cineclube Consciência: SALVE- Semana do Audiovisual Livre: Data:  15/09 a 21/09 Local:  Casa 493 – Rua Conde de Monsanto, 493 Centro . Organizada pelo Coletivo Coisarada e o Cineclube Cons...

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

MOSCAS VOLANTES 25

NOVO episódio da saga de Rita, aquela que sofre de moscas volantes.
Publico aqui, mas pra acompanhar, segue a página :)
http://biahwerther.blogspot.com.br/p/moscas-volantes.html

MOSCAS VOLANTES 25

Tarde morna.
Rita está preocupada com o menino cego vegetariano, que ficou esquecido na floresta.

Hoje saio a sua procura, pensa ela arrependida. Sem demora, junta seus apetrechos. Cantil, maçãs, um livro do Ernesto Sabato, o diário, canivete, lanterna e saco de dormir. Bate a porta e sai decidida, segue para o Morro da Gloria, caminhos estreitos, final dos caminhos, mata fechada.

De repente, a clareira. Ela para cansada, senta em uma grande pedra no meio do nada e se distrai com os pássaros. O sol poente encarando Rita. Um vulto se aproxima.
- Oi Rita!
É ele, o ex-marido que gostava de bifes e Rita assassinou quando moravam no bairro Partenon.
- Te matei?, ela pergunta.
- Não completamente, pelo que vejo.
- Quanto tempo faz?
Ele gargalha debochado:
- Tempo? Tu nunca soubeste nada sobre isso.
- Sei sim... Quantas vezes contei os dias? Quantas vezes contei os minutos? Quantas vezes senti a maior felicidade de todas, ao escutar a chave na porta ou a campainha e eu sabia quem era ali do outro lado, quase colado e em um segundo te veria, teus olhos, finalmente sentir teu abraço?
- Nunca fui de abraços, Rita!

Rita fala, fala, aumenta o tom.
- E quantas vezes te esperei e não vieste? Quanto aguardei, tanto me enganei...

Ele ronrona como um gato, acende um cigarro:
- A tua matemática é a das loucas.
- Na nossa aritmética, mais vezes sofri do que fui feliz na eterna espera que foi nossa vida e a tua morte.
- Meu assassinato, queres dizer? Tu me cortaste à faca, sua bandida!
- Mais vezes chorei sozinha do que te senti dentro de mim. Mais vezes humilhada do que amada. Menos carinho, mais raiva.
- Era isto que eu achava ridículo em ti. A dramaticidade do século passado. Pensei que tinhas mudado.

Pausa.
Rita se acalma, olha a grama, acompanha as formigas.

- Sabes, é meu quarto dia aqui na floresta, procurando o menino cego vegetariano. Que venha logo o quinto dia, o sexto, o sétimo, o centésimo, o milésimo... até que eu esqueça a dor e o amor. Que venha o tempo e leve tudo o que tenho de ti na minha pele, tuas meias da gaveta, a camisa que te dei, o perfume, papéis esquecidos, tua xícara de café com um cachorrinho preto pintado nela...

- Falas como se o passado fosse hoje. Quase sinto pena. Pra ser sincero, nunca gostei do teu café. Muito forte!

- Que o tempo se encarregue das marcas, te carregue de dentro do meu coração. Dias passem voando, meses, anos, até que eu não lembre a maciez dos teus lábios, o cheiro dos teus cabelos, o tom da tua voz, o calor da tua mão, som do riso, teu corpo dormindo no meu, calor...
- Calor, balbucia ele.
- Até o dia em que eu não lembre do formato dos teus dentes, das mordidas, os defeitos, o perfeito, o teu rosto, o teu nome.

- Qual é o meu nome, Rita? Acaso sabes o meu nome?!
- É isto de dizer adeus soletrando, separando as sílabas, aceitando aos poucos. Esta é uma triste história sem fim, a dor que vira pedra e a gente tem que lapidar. Teu nome é Adeus. Vai te foder, eu tenho mais o que fazer!

Rita se recosta toda torta, deitada no desconforto da pedra gelada na clareira, a lua alta, um morcego sobrevoa seu corpo, ela adormece.

Pela manhã, dói tudo, Rita não consegue se mover. Mexe apenas os olhos, da esquerda para a direita, diverte-se com suas moscas volantes, velhas amigas da retina.

Esquecida do que foi fazer na floresta, Rita espera o sol quente do meio dia, levanta-se alquebrada da pedra e atravessa a clareira, começa o caminho de volta.

- Preciso chegar em casa antes do anoitecer.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O amor é o pai da guerra.

Acredito no amor, no sentido da criação. Não estou falando de Deus, não. Estou falando de coisinhas, fragmentos bons saídos de cada um de nós. É sobre a felicidade plena quando tomamos consciência de que é possível optar pela liberdade. Creio no amor quando percebo que podemos dizer não para qualquer obrigação que nos faça sentir traídos por nós mesmos.
Acredito em amor dos mais variados modos. Quando alguém tem uma causa que envolve outros seres e não tem a ver com lucro financeiro, quando os animais nos provam que somos idiotas, quando nos apaixonamos por um livro, quando alguém olha a gente com admiração e não cobra por isso, quando percebemos que somos apenas uma micro porção de um corpo mágico de tamanho infinito e, portanto, nada somos e somos tudo.
Acho até que há mais amor na Terra do que ódio. Duvido um pouco do amor em vários momentos em que nos encontramos em turma ou em dupla. Porém, isto não é uma regra e sim, ocasionalmente, um fato. Tem vezes que há mais amor quando estamos sozinhos, perdidos no todo, para daí entendermos a fugacidade das turmas e duplas.
Vejo amor na revolta mais do que na calmaria, mas isto pode ser muito relativo. De verdade, me entristeço um tanto - outras vezes exulto - quando não vejo amor no amor das músicas do rádio, nos poemas baratos. Não que não me emocionem, mas é que amor pra mim não pode ser a ilusão da posse, não uma ode ingênua à fantasia que criamos sobre o outro. Acho que o amor de casal, por exemplo, talvez tenha outro nome. Quem sabe, dependência?
Será que é amor quando damos de cara com alguém e resolvemos idealizá-lo até que um dia acordamos e vemos que o quadro que pintamos esmaeceu e daí nos afundamos na decepção e ainda culpamos a pobre criatura por não ser aquilo que criamos para compensar alguma necessidade nossa?
Neste ponto, tenho até pena de mim... Talvez eu tenha nascido com um defeito, sem uma necessária camada de açúcar nos olhos, impedida de acreditar que alguém é perfeito "para mim" até o dia em que lágrimas lavariam a fantasia e chamaríamos um advogado e sairíamos, cada qual para seu lado, loucos a procurar outro amor, como quem compra um pão fresco na padaria.  Mas é que amor, acho eu, é algo maior que propriedade e antropofagia. Tem a ver com lealdade, que é diferente de fidelidade. Muito pelo contrário.

Dó de mim, que nasci assim, uma pessoa sem o romance momentâneo no coração. Só sei de um romance gigante, sem começo meio e fim, sem nome, que liga a todos por fios coloridos que saem dos umbigos e passam por raízes, se ligam às nuvens, gotas de chuva, asas de pássaros, bobagens e seriedades. Um grande amor não tem endereço, tem todos e nenhum, só é possível com individualidade. Quando eu me apaixono, voo as tranças, dou o fora, fugindo da possibilidade de fazer um mantra com o nome de alguém. Para mim, isto seria doentio, terrível, uma prisão, alienação. Há tanta coisa mais importante para fazer e pensar do que conquistar pessoas, coisas, países, povos.

Algo me diz que o amor, quando confundido com domínio, é o princípio de todas as guerras. Mas posso estar dizendo uma grande bobagem.

domingo, 17 de agosto de 2014

O que se pensa é mentira.

Na escola de artes, estou entre os poucos alunos (serei a única?) que discorda do mandamento número um:
"O base de todo o artista está no dominar as técnicas do desenho."
Discordo tanto que, numa série de 7 mulheres que comecei neste mês, a segunda se chama Academia e postei o processo todo (sem observação, sem modelo e não realista) na minha fanpage. Ela tá ficando com uma cara de durona! Comecei com grafite, juntei pastel caseiro e agora estou misturando guache. Gosto de usar pincéis velhos, alguns endurecidos pois esqueci na tinta... Porque, embora seja uma heresia, eu acho que pincéis baratos e desgastados dão um efeito incrível. A minha dama está ficando assim:

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Mas sobre regras, em arte, muito me aconteceu de não terminar cursos. Sempre tive problemas com colégio, métodos estáticos e passo a passo, porque eles podem limitar a criatividade. Aprender sozinhos, demora muito mais e desperdiçamos material, tempo e até pessoas. Contudo, não seria justamente este perder-se a exata (inexata) imersão no sentido criativo?
No meu caso, as coisas mais legais que inventei, seja fazendo animação direta na película, fotos, objetos, direção de arte, filmes, figurinos, projeções, trilhas musicais com theremin, caixas mágicas... sempre saíram de algum erro que virou beleza aos sentidos de alguém que comprou, premiou ou aplaudiu. Primeiramente, claro, aos meus próprios sentidos, em minha solidão, gritando eureca e vencendo a insegurança. Pois ainda tem isto de mágico, não saber se o que fazemos serve pra alguma coisa além do nosso próprio prazer.

Na escola, em geral sentamos a aguardar uma lista de materiais e ferramentas que iremos comprar. Depois, aguardamos o tutorial, orientação na busca do acerto. E assim vamos sendo reconhecidos artistas, conforme as avaliações de quem sabe mais e tentará ajudá-lo a escrever alguma história. Infelizmente, como na medicina ocidental, normalmente esquartejamos corpos, fala-se em materiais numa sala e em matérias na outra, o que me parece um pecado, mas quem sou eu?

No ateliê, se você sentar e esperar, nada se dará. Com o tempo, sobre materiais, a gente tem de tudo, inclusive nossos próprios grimórios, referenciais, bibliografia, matérias porta a dentro e porta a fora, como num laboratório de cientista maluco. Por isto, quando buscamos algum curso pra encontrar determinadas respostas, um ambiente pode contradizer o outro, pois neste mar louco em que nos encontramos, que pode parecer uma eterna bagunça, é onde acontecem surpresas impossíveis em uma sala de aula e vice versa. Fazer o elo, ao menos pra mim, sempre foi complicado.

Acho estudar artes importante mas, a meu ver, o conceito de qualquer obra será uma falácia se a metodologia for um arremedo de alguma cartilha.
Sendo assim, quando você faz da arte a sua vida e se assume sem constrangimento, a despeito de qualquer título ou crítica dogmática, você percebe que estudar arte é uma continuidade, é de dia e de noite e por motivação particular. Podem haver os deadlines mas não há tema de casa quando você é artista. Pouco importam as "notas" e sim os segredos desvendados. Se você cria coisinhas que não vão matar a fome de ninguém (talvez nem a sua) verá que você nunca estará "formado", que algumas obras, independentes, podem levar a vida toda pra sentirem-se prontas.

Quando você não vive de arte, mas vive pela arte e não tem resposta quando lhe perguntam o que você faz exatamente, percebe que arte não é um bibelô na estante, que uma obra pode ser apenas uma nova pergunta no mosaico de todo o questionário, onde sempre vem uma nova questão técnica, tecnológica, conceitual. E daí, um dia a gente vai morrer e talvez tudo tenha sido uma coisa só, um corpo todo construído de trabalhos interligados, com veias e coração, pele, pulmão...

Alguém pode me dizer que arte não tem que perguntar, não é pra pensar, mas apenas enfeitar. Sobre aquela busca do belo e perfeito, certo? Pode ser, mas ainda fica uma questão sobre qual mundo, qual parede, qual corpo sua arte irá aformosear. E não estou falando de preço, espaços sagrados e poder constituído. Isso é bobagem, fantasia de alguém que só conhece a teoria. Estou perguntando sobre o tipo de gente com quem seu trabalho irá dialogar. Porque a arte de fato nunca será uma unanimidade. Pra ser unanime tem que ter bom comportamento e esta parte acho que não compete à arte.

biAh weRTher

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Criança Esperança, jabá e ilusionismo.

Doar uns cobres para o criança esperança? Pra mim, é sintoma de preguiça, culpa, alienação. 
Não preciso de festinha brega da grobo pra me animar, porque sou voluntária pela vida toda e isto não me põe a dançar. Dar de cara com os desequilíbrios inerentes à nossa ostentação não é alegre, não é um show da dupla sertaneja. 
Aliás, não preciso ninguém dando pulinhos e me mandando jogar as mãozinhas pra cima pra eu dar 20 reais por ano pra grobo e sair com a alma lavada, buzinando e xingando gente mal vestida que invade meu pedaço asfaltado da cidade.
Eu não dou um centavo pro tal de criança esperança. Não é com carnaval que melhoro o mundo e mudo meu ponto de vista, mas vendo o mundo real diante do meu nariz. É com consciência e atividade diária, é com educação, empatia, humanidade e menos consumismo que pretendo lutar por outra sociedade.

Passam o ano a defender uma sociedade dividida. Uma guerra entre "classes". Levantam os narizes se segurando na ilusão de que bater salto no xópin os faz pessoas superiores a algum outro ser vivo. Sentem nojo das crianças na encruzilhada. Fecham o vidro do carro, escondem seus guris de apartamento. Conhecem a vida pelos shows de tv e portais de fofoca! Nunca entraram na vila para ver que há mães, trabalhadores, avós, estudantes. Chamam de vagabundos oportunistas os que precisam das ações humanitárias para se manterem vivos. Consideram Ongs um amontoado de atividades falcatruas. Acreditam que não há dívida social, cada qual se vire, sejamos frios, que famílias sem teto se fodam, que todas as crianças não são nossas crianças, que viva os feudos pós mudernos, que nossos impostos não tem que ser para uma sociedade mais justa, que cotas são pra vagabundos, que alguém com roupas simples deve subir pelo elevador de serviço.

Foda-se o tal de criança esperança, viva um país onde as necessidades básicas sejam gratuitas e direito de todos. Viva um país sem uma classe média tão burra e bunda mole que pensa que não tem que pagar impostos porque tem um diploma na parede. Por um país que saberá extinguir os coronéis e seus clãs.


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

09

Sofro de TAG - transtorno de ansiedade generalizada -, tanto de nasci de 8 meses. Mas ok, meditação, florais e amor me fizeram superar muito a ansiedade e sua consequente apneia. Minha psiquiatra era muito incrível. Ela não queria me dar remédios porque entendia que, como artista, eu não poderia ficar muito "neutralizada". Então, por pouquíssimo tempo, usei um nadinha de paroxetina. Mas eu sou rápida nisto de ficar boa de gripes e depressões.

Estancia do meu pai, lá longe, no meio do pampa. Minha mãe sente as dores no início da manhã bucólica e gelada, mas como vivia a cavalo nas lides do campo sempre tinha alarmes falsos (a vida nas fazendas gaúchas, gáutchas e uruguayas só é fácil e cheia de vestidos de renda pra quem dança o Pezinho em CTGs da capital)
Meu pai liga pro médico e ele, incrédulo e tranquilo, em seu café da manhã:
- Não te preocupa! Manda ela se acalmar que termino o café, deixo os guri na escola e vou praí.

8 da manhã eu nasci, solita. Minha avó e empregadas ajudaram a mãe. Segundo ela, me teve dando risada, não teve dor, sem lágrima.
Ninguém teve coragem de cortar a placenta. Quando o médico chegou eu estava pelada na cama, no meio das pernas da minha mãe. Nasci em casa. Nasci no campo, nasci numa cama antiga. Dia 09... acredito em numerologia.

Depois que meu pai morreu, nunca mais festejei. Mas não é tristeza, não. É que eu sempre fiz aniversário no dia dos pais, ou um dia antes... e o bolo de chocolate era pra nós dois. Sei lá, deve ser porque ele morreu faz pouco (pra mim, sempre é pouco).

Aniversário... que bobagem!

sábado, 2 de agosto de 2014

nova ocupa


Neste final de semana, estamos editando a apresentação de um novo projeto, pois a partir de segunda vamos atrás de espaço para uma nova ocupação dos sentidos com micro e macro mundos. Que as melhores energias nos abram as portas. Torçam aí, que nós saberemos fazer a festa dos sons e luzes projetadas:D 
A propósito, a trilha nesta tarde de trabalho:

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Franz Fanon já morreu há mais de 50 anos, mas é tão atual, tão corajoso, tão humano... Muito fala de nós, os pós e, se tivéssemos coração e gostássemos de ler os pensadores não brancos, por certo ele estaria entre os textos que emocionam e uns enviariam links para os outros pelo celular. E isso ajudaria a abrir as nossas cabeças vazias de pontos de interrogação antes de papagaiamos manchetes alarmistas de falsos jornalistas loucos por defender homens que vivem de vender dinheiro. E nós questionaríamos as definições de fronteira quando víssemos crianças sem pátria sendo assassinadas e não sairíamos para jantar a resmungar "eles que se entendam".
Em setembro de 1961, meses antes de o Fanon morrer, Sartre assinou o prefácio do livro "Os Condenados da Terra". Escreveu ele:
"Não faz muito tempo a terra tinha dois bilhões de habitantes. Isto é, quinhentos milhões de homens e um bilhão e quinhentos milhões de indígenas. Os primeiros dispunham do Verbo os outros pediam-no emprestado. Entre aquêles e êstes régulos vendidos, feudatários e uma falsa burguesia pré-fabricada serviam de intermediários.
(...)
Leiamos Fanon: descobriremos que, no tempo de sua impotência, a loucura sanguinária é o inconsciente coletivo dos colonizados." Jean-Paul Sartre

De verdade, isto sim me leva as lágrimas, nunca as notícias dos jornais fofoqueiros mal diagramados ali na frente da padaria. Fanon transcende tempo e espaço, etnias e dogmas, é mundo real. No meio da guerra, sinto ele como um dos imprescindíveis num exercício de aprender a ser gente. Ele e outros tantos que não lemos porque preferimos os resumos preguiçosos pós-mudernos.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Acompanha :)


Após dois meses reclusa, na solidão da criação e mini mundos, hoje voltamos à livre multiplicidade inerente ao meu estúdio. Preparar a apresentação multimídia do novo projeto de projeções e outras artes. É que vamos sair a procura de espaço para a ocupação. Tá, mas sigo construindo os micro designs. Curte a fanpage pra acompanhar alguns trabalhos \o/

https://www.facebook.com/estudio.biahwerther

sábado, 26 de julho de 2014

6


Ontem eu tentava me concentrar na justificativa de um projeto que preciso apresentar em agosto e a minha gata ficava passeando por cima da mesa, passando o rabo na minha cara pra me distrair. Até que veio pelo teclado e digitou o número 8898. Óbvio que não joguei no bicho, mas fui fazer a numerologia! Deu número 6. Entre bobagens do significado sobre sensualidade e romance que pareciam artigos da Capricho, a até encontrei algo interessante: "Sua energia em excesso pode prejudicar relacionamentos. Ninguém gosta de alguém que simplesmente é hiper ativo e nunca pára. Relaxe!" Saí a falar nisto o tempo todo. Será que a minha gata agora dá conselhos?
Bá! Pelo sim, pelo não, acho que, no meu aniversário, vou é pro mar ...


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Hoje era o dia de começar um treino importante. Queria aprender a olhar nos olhos das pessoas sem que interpretem aí algum desafio. Azar o meu, pois chove a cântaros e todos se guardam sob os guarda-chuvas, olhos baixos mergulhadores de poças obscuras, pestanas fixas na prática do rafting em micro corredeiras. Gente humana imitando passinhos indecisos de quero-quero. Só os cachorros olharam pra mim. Piscavam um olho, depois o outro, sacudiam a água dos pelos e saíam rebolativos. Quando o sol voltar, tentarei de novo, enfim.



                  .Sobre desejos e compromissos, só aprendi que queimaduras ardem e cortes sangram.



sábado, 19 de julho de 2014

Pulso


Ando acreditando que exercitar a respiração é uma prática solitária muiiito milagrosa.  Me parece que livres e leves das sacolas de compras, sem a competição que deixa a respiração rápida, aguda, curtiiinha, conseguimos nos sentir como o necessário nada, apenas parte de um todo muito fluido. Esvaziar a cabeça, encher o pulmão e ir deixando o ar sair de va gar...

Tá, mas estou me resumindo ao nosso tempo. Na verdade, a história é mais comprida ainda. Tenho a impressão de que aprender a respirar demora tanto, mas tanto, que um qualquer para e morre pra que o próximo dê seguimento. Pra piorar, como em todos os ciclos e mundos, a memória individual ou coletiva de determinada célula resolve falhar e daí fudeu! Sempre há um átomo que nasce do zero, esquecido da vida anterior e do próximo ato. E existe ainda a sintonia fina do desaprender sem desaprender. Digo, você precisa deixar de ser criança mas, pra manter sua essência, você tem que morrer criança. Portanto, teremos que entender o real significado do que é ser criança para respirar como um bebê até ficarmos bem velhos. Mas e se alguém dentro de você estiver com apneia e amnesia, a desentender o que é ser um ser? Vai ver, daí você morre velho e infantil no mau sentido de velho e no péssimo sentido de infantil. Morrer talvez seja esvaziar o pulmão e renovar o ar que o outro irá respirar. Bem, esta parte do ápice final não é nenhuma grande novidade.

Conjugar ou Oxigenar.
Descobri que os exercícios para deixar que o ar passe por nossos pulmões livremente, indo embora e se purificando para seguir circulando dentro e fora tem a mesmíssima importância que aprender a não usar demais a primeira pessoa. É uma questão de harmonia, dinâmica. Tema musical.
eu pequena, Tu, Ele, Nós, Vós, Eles.

Não falo de preservar-se, omitir-se, amedrontar-se, acanhar-se.
Não. Quando falo da economia dos eus, me refiro a revisarmos nossos pensamentos, oratórias, orações com o cuidado de nos fazermos perguntas fundamentais, como quem sai da primeira infância - ou não.
Antes de batermos no peito gritando "EUUU isso, Eu aquilo..." as peguntas que poderíamos nos fazer são diretas como no release de um espetáculo:
Quando, como, onde e por que estou usando a primeira pessoa?

Ás vezes o Eu é desnecessário, noutros momentos primordial. Resta manter a calma, esquecer a ansiedade e descobrir qual o sentido do seu eu. Se for uma necessidade desesperada de provar algo, daí melhor relaxar e observar se a respiração não está curtinha, quase precisando de uma máscara de oxigênio, quase um pedido de socorro e atenção. A correria pra mostrar que a gente É, pode significar que andamos a escolher a criança errada.

Então, aprender a respirar é parte de aprendermos a falar em mim quando for, de algum modo, bom para os outros dos quais sou parte? Me parece que sim,  mas posso estar dizendo um monte de bobagens...




terça-feira, 15 de julho de 2014

A terceira pessoa.


Quando o Ronaldão ficava pra lá e pra cá com a namorada no meio da Copa e depois amarelou, todo mundo culpou o técnico. Depois execraram o técnico que não deixou a Fátima Bernardes entrar na concentração pra comentar a cor das cuecas das princesas ou sei lá o quê. 
Agora a culpa é só do técnico-babá que entrou em cima da hora na Copa. Convenhamos, qualquer patrocinador manda mais nas modeletes que o técnico. 
Ninguém culpa também a CBF, os clubes, a ganância, a "cultura" do brasil deslumbrado por espelhinhos, celulares, jabás e fofoca.
Tal simplificação de nossos temas, pra mim, tem a ver com os ricos consumistas de escolas particulares pagando muitos dinheiros pra entrar num estádio com plaquinha pedindo a "educação" que não receberam em casa. Se antes dos fastfoods de sushi a culpa era sempre do mordomo, na nossa geração dos infantilizados adultos de xópin, tudo é sempre culpa da babá, que não fez seu serviço. Nossa parte é estarmos nas manchetes como as "vítimas", os "inocentes". o "público", o "consumidor". E saímos por aí, terceira pessoa, repetindo bobagens rasas, nos isentando, cobrando "atitude" como manda o âncora da tv, E saímos por aí, terceira pessoa, repetindo bobagens rasas, nos isentando, cobrando "atitude" como manda o âncora da tv, Sem parar um tantinho pra pensar no que queremos dizer com isto. Será que os motivos de tudo e todos não tem raízes em tudo e todos, intrinsecamente, numa sociedade que é um corpo só? Seja numa tola partida de futebol supervalorizada ou em assuntos mais fundamentais, somos espectadores babões, com cara pintada fazendo selfie ou lágrimas cenográficas nos olhos diante das câmeras.
Só digo uma coisa: enquanto as marionetes da seleção postavam bobagem no tuíter e o garvão exultava o fato de serem os campeões de seguidores e réchitéguis, os jogadores alemães usavam um aplicativo desenvolvido pra acompanharem a atuação de cada qual, buscando onde e como melhorar na próxima partida.
Ensinamos os jovens a almejarem um camaro amarelo e peitões. Lhes apagamos a humanidade, passamos a vida desejando vender os filhos pra alguma grande corporação em nome de "segurança" e "sucesso" e agora a culpa é só do Felipão?

A culpa, na real, é do coelhinho da páscoa!!
Isto me remete ao fato de que 99 por cento das pessoas que habitam as redjis sociais nem sabe que rede mesmo é algo que começou no século passado, uma revolução que conseguiu unir artistas, ativistas sociais e voluntários de causas relevantes em torno do planeta. Rede foi quando a gente pode começar a conhecer o que não estava na tv e não tinha jabá pra estar nas rádios e começamos a trocar figurinhas com cineastas, músicos, artistas visuais e coletivos do outro lado do mundo e descobrimos a saída, o milagre de poder co-organizar eventos, festivais, mobilizações, encontrando pares que não estavam na tv e talvez nunca pudéssemos encontrar, como hoje também não estão nos portais de fofoca. Rede foi quando músicos descobriram como ferrar com meijors e passaram a vender suas próprias músicas na internet. Rede é quando você se junta pra criar algo e não uma pracinha, um clubinho pra culpar os outros pela mixórdia que fazemos no mundo. E isto não é outra história, tem tudo a ver com o Neymar.

Trilha para tarde criativa no estúdio...

sábado, 12 de julho de 2014

Feed a Child

Tentando criticar o fato de que há animais domésticos mais bem alimentados do que muitas crianças carentes, o Feed a Child produz comercial racista absurdo e acaba tendo que tirá-lo do ar e se explicar em seu sítio.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Uma pet bed, o Romero Britto, muxoxos e Carlinhos Brown


Procurando uma cama nova pra minha cadela Júlia Albertini, descobri, pela bagatela de 165 dólares, horríveis pet beds assinadas pelo Romero Britto (aquele senhor que publicou em seu saite um texto se identificando como o novo Picasso). A parte boa é que vendo o referido objeto horroroso com os mesmos rabiscos industrializados de sempre, perdi a preguiça e arranjei um tempo para abrir minha máquina de costura. A Júlia Albertini agradece ;)
Certo, precisamos ser justos! Afinal, Romero Britto não é o único vendedor de latinhas coloridas a representar a infantilidade do moderno consumidor de coisinhas coloridas idênticas a outras coisinhas coloridas.
Outro dia mesmo, vi umas telas do Carlinhos Brown - que, inclusive, é pra muitos uma espécie de Romero Britto da música brasileira - e pensei comigo: tudo o que é ruim sempre pode piorar...
De verdade, as pinturas do Carlinhos Brown me lembraram uns exercícios das aulas de pintura, quando todos tínhamos que jogar umas tintas "organicamente" sem o direito de filosofar porque, afinal, nós eramos pequenos demais pra conceituar qualquer bobagem.
Depois de dias fingindo que sabíamos (ou não) o que estávamos fazendo sob os muxoxos e humhums da mestra ou de uma aprendiz que nos avaliava quando ela estava em viagem, a  maioria das jogações de tinta ficava o mesmo retrato de um ovo frito. Só que uns ovos fritos eram mais pra ovos pochê.
Então, vinha o momento tenso, quando a professora elegia alguns pra analisar como pretensos pintores muito ruins e outros, muitas vezes filhos de gente do meio acadêmico, ela e a bolsista escolhiam para serem o exemplo do pintor promissor.
Nesta parte. minha  alma vídeo artista me forçava a gravar, mas claro que nunca divulgava, porque não seria ético mostrar estudantes de arte sendo enxovalhados diante dos colegas como soldados num quartel. Mas era muito interessante. Elas colocavam a mão no queixo, faziam uma parada dramática, emitiam sons, trocavam olhares cúmplices e discorriam sobre a incrível expressão superior do gesto de alguns, destacando aquela mancha azul mais azul que a mancha azul dos demais e o pontinho roxo mais incrível que o pontinho roxo de outros alunos menos geniais. E a performance andava, passando por inevitáveis comparações com grandes nomes até que amarravam a avaliação dando um quase zero pra os pontos roxos péssimos e um quase 10 pra os pontos roxos praticamente orgásmicos!
E havia uns poucos alunos - acho que inclusive eu - que eram analisados com mais pressa, como nem isto nem aquilo, quase uns nadas. Creio que isto se dava devido a nossa tendência a um certo comportamento marginal e é sempre melhor não confrontar diretamente os punks... nunca se sabe.
De fato, esse mundo dos grandes nomes das 8 artes brasileiras, tanto quanto o planeta da acadimía e os olhos das curadorias são coisas que eu sou louca demais pra entender ou marginal demais pra ter saco ou bruxa demais pra ter paciência.
Logo, por fim, pelo sim, pelo não, melhor a minha cadela ter uma cama nova assinada por mim!