quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Síndrome de Estocolmo

Cada país vê história a seu modo. No nosso, preferimos pensar que é só uma matéria chata dos tempos de colégio. De certo modo, pelo jeitinho decoreba como grande parte dos métodos a apresenta e "ensina". E será que história é pra aprender ou apenas pra conhecer, interpretar?
Seja história, matemática, a língua, o modo como passamos a vê-la na escola, especialmente com as reformas criadas para e pelo regime militar, tudo fica parecendo só acúmulo, um porre, um tijolo  que a gente fica louco que nos joguem logo na cabeça e os meses corram e chegue logo o final do ano quando, graças a Deus, nunca mais precisaremos pensar nisso.

Conheci poucos professores de qualquer matéria que apresentassem seu assunto como algo pra vida, mas posso dizer que sempre que um professor esquece conteúdo no primeiro dia de aula e prefere contar sua história e a história da sua história muito mais alunos, sentindo o amor dele, ficam contaminados.

Uma vez, na sétima série, eu tinha uma professora apaixonada por história. Naquele ano eu fiquei viciada em pesquisar a Segunda Guerra Mundial e fiz um trabalho totalmente desnecessário de umas 40 laudas sobre o assunto. Acho que tá lá nos guardados da minha mãe até hoje. Era pra fazer algo simples, 5 páginas ou nem isso. Por culpa do modo como a professora de história gostava de abordar história, eu passei noites acordada fazendo aquilo, lendo, pedindo livros pro meu pai...

De verdade, história não é algo que aconteceu no passado, mas algo que vai acontecer adiante dependendo de como estamos escrevendo a história de hoje.
Por exemplo, esse fenômeno do ódio e da intolerância. Erramos, andamos em círculos. erramos de novo, muitos já esquecidos de tragédias recentes como a ditadura militar por toda a América do Sul. Isso tudo tem a ver com o desconhecimento de que a história é o presente e se você se distanciar como se não fosse com você, vai apenas ficar na mesma. Por outro lado, ao brincar de prever o futuro, verá que não é uma matéria de currículo, mas o preço da passagem, o lixo no chão, os desejos, manias, vícios, o gosto das coisa, aquele cheiro que a gente sente quando passa na rua e puxamos pela memória pra saber de qual pedaço da infância saiu tal perfume.

Certa feita, convidei uma amiga pra ir à praia passar um final de semana conosco. Na época eu andava viciada em Dalva de Oliveira e ao saber que ela nunca ouvira falar nessa cantora, não pude disfarçar minha surpresa e decepção. Então ela argumentou:
- Mas como eu iria conhecê-la, se tenho apenas 28 anos? Eu ainda nem tinha nascido!

Quase tive um faniquito tepeêmicos, mas no final, até agradeci. A garota, na verdade, me deu um dos exemplos concretos, dentre os muitos do dia a dia, que me convencem do que eu falei no início, sobre como nós brasileiros nos relacionamos com o passado infantilmente. Tão infantilmente, que não sabemos que ele é presente e é futuro, pois sendo crianças o mundo nos parece só aquele onde alcança a nossa tangente, ali na porta do quarto.

Vejo pessoas bem vestidas levantando plaquinhas com dizeres sobre mudar o país mas, diferente dos dizeres dos seus cartazes, suas vozes pedem mais distancia e menos igualdade social e isso não é mudar, é retroceder, é voltar ao círculo viciado.  É como quem muda até um ponto, mas esquecido dos motivos, no meio do caminho sente medo e regressa ao ponto do qual tanto quis sair.
Então, me lembro sempre de fatos. Não de cartazes, mas acontecimentos, como esse fenômeno do ódio que tanto anda acontecendo no nosso país. Isso é história. Passado, presente e futuro que servirá pra alguém que lembra de tudo muito bem e manipula o desconhecimento da maioria.

História é agora.
E a história será a mesma de sempre, como um joão bobo, um bumerangue, se continuarmos votando em coronéis, valorizando o consumo, nos separando em classes pela única e vazia insegurança, nosso medo de sair um dia a rua e percebermos uma mudança inadmissível, uma nova, dura realidade onde ninguém estará a apostos pra fazer uma reverência à nossa passagem e, pior, não teremos que reverenciar ninguém por ter mais coisas. Isso sim é uma prisão. A prisão do puxar sacos e tapetes é princípio e valor, é uma calosidade grossa.

E assim, não sabendo de nada, ouvindo dizer, repetindo resumos e orelhas nós estamos sempre apaixonados por algum senhor que mastiga, coça a barriga, dá ordens, bebe vinhos caros e vive em algum palácio enorme onde só os puxa-sacos privilegiados e os serviçais podem penetrar. Não importa se somos de terra ou de cimento, o que nós queríamos, queremos e quereremos pra poder tocar a vida, é algum coronel dono de jornal, de canal de tv, proprietário de homens e de mulheres que nos diga qual é a história. Ela apontará um caminho que dá confortavelmente sempre no mesmo lugar, e nós agradecidos o amaremos e respeitaremos seus filhos e netos pra todo o sempre amém.

E a guria que não conhecia a Dalva de Oliveira porque ainda nem tinha nascido? Bá, cortei relações.