Hoje, uma cliente estava a consultar meus preços para
fazer seus retratos em fotografia e veio a baila mais uma vez uma questão de
"mercado". Conheci, especialmente no início das câmeras DSRL, muita
gente que comprava uma 5D e uma 60D, tripé e algumas lentes e saía distribuindo
cartões como se a câmera fizesse o fotógrafo, apesar de ainda vazios, sem alguma referência, sem se
perguntar: O que é fotografia? Quem são os fotógrafos que mais aprecio? Como tudo isso começou? Porque escolhi tais câmeras, porque li em um blog que elas são o bicho e a fotografia digital é uma facilidade que me dará muitos dinheiros?
A minha cliente me repetiu uma pergunta que muitos me fazem
sobre "número de poses".
- O máximo é 4 poses né?
- Oi?
- Ah, é que andei pesquisando e tem um número máximo.
- Olha, não sei nada sobre isso!!
Sempre discutirei a serventia desses pactos comerciais
renegando-os solenemente. Apenas isto. Fotografia, vídeo, cinema.. Enfim, isso
da relação com a lente e com o que-quem está diante dela é de uma complexidade
tão fantástica, rica. É como sexo. Eu prefiro tântrico. Tanto que faço a analogia da prostituição
quando alguém vende poses e minutos.
Ontem, no almoço de natal, olhávamos retratos de família e
pensei nisto, inclusive.
Quem era o invisível retratista que nossos avós convidavam a passar o dia na estância para registrar a história de uma família. Com qual sensação se produzia aquele momento sublime onde um cara que a gente não conhece a cara ficou incumbido de eternizar a alma
daquelas pessoas como clã e como indivíduos para que nós não nascidos, quase
cem anos depois possamos mergulhar e nos comunicarmos.
Eles gastavam filmes e
filmes e partiam para a pós produção com o poder de quem leva o tempo dentro de
uma mágica caixa escura. A verdadeira e única máquina do tempo.
Há um silêncio dentro do fotógrafo, há dois silêncios dentro
do retratista e mesmo que o laboratório de hoje seja o photoshop, a caixa mágica ainda é.
E no futuro, não haverá reza forte que consiga tornar eterno
o que for superficial.
Um retrato não é uma pose, um filme não é um ponteiro de
relógio. Muitas vezes a gente precisa repetir a cena mas o olhar que se perdeu, nunca mais.
Em tempos de selfie - ler Isto não é um mamilo -, fotógrafos apressados e consumidores de aparências, discutirmos a complexidade de um retrato é praticamente impossível. Mas eu garanto que você
pode cobrar pra fazer uma sessão emocionante sem pensar em "tantos pilas por tantos
cliques-tantos dinheiros por tantos minutos". Basta você esquecer que o cliente é um cliente, porque ele não é, mesmo pagando. Quando se escreve uma micro história, quem paga e quem recebe é o que menos importa. Se a fotografia se mantiver viva por muitos anos, tal evento será muito maior que os bolsos.
Acredito em mergulhar no processo pré-produção-pós como se fosse o único. Tirar o
máximo e cobrar por tal produção a partir da experiência e não a partir de normas que "todo mundo faz assim", Você não sendo apenas um consumidor dos lançamentos e grenais Canon x Nikon, poderá fazer orçamentos honestos, boas previsões, sem precisar se preocupar com número de poses que o pobre cliente terá que fazer diante da sua lente enquanto você posa de fotógrafo. Aliás, não pose! Fotógrafo é invisível quando está fotografando.
Quero dizer, não padronizar o que
o cliente recebe e sim padronizar processos técnicos e de produção vão te liberar pra ser um fotógrafo genuíno.
Alguém me dirá que se eu me dedicar à publicidade não terei
tais dramas. Mas sei lá, terei outros. A imagem e a auto-imagem estão em crise,
certo? O espelho está fosco.
De resto, gosto de fotografar natureza, bichos, gente normal, nuvens, insetos, gotas de chuva e ondas do mar. E acho interessante e enriquecedora profissionalmente esta esquizofrenia de fazer fotografia, vídeo e cinema porque um ensina o outro. Você pode misturar tudo no mosaico da livre expressão e não será menos profissional, pelo contrário.
Tenho a sensação de que perder o foco é o caminho se quisermos eternizar momentos que estão muito acima de 4 poses. Inclusive, nos perdendo talvez consigamos nos distinguir. Quem já não viu um instante divino escorrer pelos cílios enquanto perdia tempo trocando a lente? Pois é, uma foto depende de uma relação, conexão. Entre cliente e fotógrafo, quem é o retratista?
biAh weRTher