sábado, 26 de dezembro de 2015

Espelhos e Pêndulos

Nunca sei direito quando desembarquei do cinema, da moda, da música e do texto e resolvi misturar tudo isto com artes visuais. Só sei que num dos cursos universitários que frequentei me apaixonei pela Semiótica. 
Daí, naqueles dias eu comecei a fazer grandes instalações e micro obras onde eu montava espelhos e pêndulos. As obras menores eu entregava como presente de aniversário ou natal ou de despedida. Aquilo era de uma importância tão grande pra mim que mantive um diário com apontamentos sobre as reações das pessoas que ganhavam meus pêndulos.
Mais tarde, eu comecei a fazer mulheres de argila em invernos chuvosos. Elas gritavam com uma boca imensa e o tempo úmido mexia com elas e era como se estivessem ficando com os corpos flácidos enquanto secavam lentamente e, por vezes, perdiam pedaços apesar de não irem ao forno, porque argila no forno me dá uma impressão de morte em vida.
Depois comecei a fazer homens em camas de prego com pênis eretos, o que talvez quisesse dizer que eles eram masoquistas.
Nunca mais esqueci que na fase das mulheres de argila com bocarras e mãos nos seios eu fiz uma mulher sofrida e grávida e dei de natal para a minha mãe que teve medo dela e não aceitou o presente e eu fui embora decepcionada. Minha ex-sogra acabou gostando e - não sei se pra me consolar - a mantém em destaque até hoje, perto da lareira, numa estante cuidadosa entre obras mais catedráticas.
]bw[


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

EMBORA EU ACHE HORROROSOS OS MOSAICOS DE ESPELHO.

Não vivo de arte... sobrevivo e não me queixo, me deixo viver. Na escola de artes tive colegas e professores que riam da minha cara quando eu me apresentava como artista. É que as pessoas pensam que ser artista é algo chique, sei lá... Então lhes parecia uma arrogância o que pra mim parecia natural há anos, tanto que minha DRT é como Diretora de Arte - se bem que nem sei onde anda minha carteira de trabalho.
O problema do artista na nossa geração não é o mundo ao redor, o problema do artista é ter vergonha de ser a despeito da aprovação dos entendidos, é não saber que este eterno não saber já é um passo para ser. Pois o artista é uma pergunta ambulante, começando por ter consciência de que nunca saberemos dizer ao certo o que é arte.
Não dou muito valor pra o que passou na minha história como artista porque emocionante é fazer, depois de feito não vou viver das lembranças de algo que não sinto mais. É como querer repetir o mesmo orgasmo, entende? Não entendo essa mania de provar o que já fez pra todo mundo dizer "Oh!". Não é por algum lindo prêmio que tenha conquistado antes que alguém deveria ver no meu trabalho algo sensível, mas pelo que sou agora, outra.
Também penso que se você esquece e não valoriza tanto o que fez antes, você vai estar sempre recomeçando e daí é como tomar banho depois de uma noitada e ir dormir pra repor as energias.
Entre as poucas certezas que a gente tem, a primeira é que você não aprende, você aprimora. Vi gente nos vários cursos de artes que já fiz, pedindo "pulamor de deus, me ensine a ser um artista". Mas não foi uma instituição que me fez ver como sou. Descobri meus dons e dúvidas fazendo, vivendo, errando, perdendo,
Não vivo de arte, eu sobrevivo e não me queixo, eu me orgulho de viver aprendendo, consciente que vou morrer com mais perguntas que respostas.
Na arte, como em qualquer profissão, você nunca termina os estudos. Me dá faniquito quando alguém diz que está formado. Formado é pronto pra morrer. Me perguntaram uma vez porque eu entrara na escola de artes se eu já me considerava uma artista, seria pelo diploma?
Não, eu queria resolver umas coisas que estavam engavetadas e que eu ficava tentando pesquisar sozinha por orgulho. Daí cresci e vi que se eu fico perdendo tempo vou precisar morrer com 500 anos pra terminar tudo o que comecei, então é mais fácil aproveitar as respostas que alguém já procurou e publicou e outro alguém pode me mostrar em uma aula.
Mas além de tudo, eu gosto de estudar porque eu sou prolixa. Eu sou chata e subjetiva, eu sou daquelas que acha um abuso termos transformado em palavrão o conceito.
Não sei viver de arte. Sobrevivo e ainda não consegui valorizar o espaço oficial da arte no mundo simplesmente porque acho burrice limitar e, em pleno 2015, acho uma vergonha ainda aprisionarem a criação e separarem picho de grafite, entre outras coisas que fazemos para tornar a arte algo digno de pessoas com dedos macios e pálidos.
Meus trabalhos eu mostro como e quando me parece bom e tem vezes que não há muito público e nem divulgo e tanto faz, faço na hora que tinha que fazer e depois passou, foi, saiu.
Não atualizo curriculum, meu portifólio é um caos e eu amo tudo isto onde me perco e as pessoas chegam e querem organizar minha vida, acham que meu estúdio é uma bagunça e querem jogar coisas fora e questionam as micro partículas que lhes parecem lixo com pelos de gatos, enquanto pra mim meu lixo vale mais que um milhão de dinheiros. As minhas coisinhas e ideias inconclusas.
Não vivo de arte, sobrevivo como posso e não me interesso pelo foco.
Pra mim, cada trabalho que fiz, filmes, textos, designs, retratos, instalações, exposições... cada coisa que faço é um membro, uma veia, um calo, um órgão que vai formar um corpo. O trabalho do artista, me parece, não é um evento por ano que você estréia e as pessoas tomam vinho e dizem parabéns como se sua vida criativa fosse um escritório cheio de divisórias. A obra é um conjunto de todas e nunca vai ter fim.
Não aprendi a viver de arte, mas sobrevivo.
Creio que tudo é parte de um projeto só, um mosaico que você reza pra não terminar porque no dia que você terminar, no dia em que estiver pronto, no dia em que você estiver formado, daí você morreu, não tem mais serventia como uma pessoa viva. Aí é morrer, virar adubo e rezar pra que o seu mosaico sirva pra alguma coisa na vida dos que virão.

]biAh weRTher[

sábado, 12 de dezembro de 2015

A sangria santa.

Adentramos há quase duas décadas no século XXI e finalmente - ufa! - boa parte das mulheres perdeu o medo de lutar contra os tabus milenares que lavaram nossas cabeças a rezar que não somos donas do próprio corpo e existem seres invisíveis a espreita pra nos castigar se quisermos escolher o que faremos com ele.
Todavia, de gravidez à masturbação, a escravidão parece ainda ser uma questão de decência e honra pra muitas. Infelizmente ainda há um grande número de mulheres de todas as idades que sentem medo de serem donas dos seus próprios corpos e mentes e, para não ficarem sós, perpetuam, impõem os discursos dominadores.
Há anos observo um debate que é o maior, mais velado, senão o centro de todos os tabus a respeito do corpo feminino: o sangramento.
A maioria muda até o tom, é tema inviolável, sagrado, questão fechada.
O sangue como prova de que mulher nasceu pra sofrer. De minha parte, acho um saco quando o assunto entra em pauta nas reuniões de meninas porque é sempre como levantar a bandeira do fardo inevitável. Eca, eu me isolo e aumento o som quando as pessoas fazem cara de orgulho do sofrimento ou algo assim.
Desde cedo vivi severos problemas decorrentes da menstruação, então muito pesquisei - mais tarde adotei - a opção por não menstruar (santa é a liberdade).
Até hoje fico surpresa com algumas pessoas muito jovens que repetem discursos arcaicos sobre o sangue sagrado e a crença de que adotar métodos contraceptivos ininterruptos causa infertilidade, entre deduções mais tristes como considerar que a mulher que não sangra é menos mulher, rezando a cartilha de que só nascemos pra parir.
Quando me deparo com algumas opiniões horrorizadas e tons amedrontados a respeito da opção pela não menstruação, me vem sempre esta certeza de que as mulheres brasileiras acham que são livres só porque lhes deram o direito de mostrar a bunda na praia (cá pra nós, em muitas ocasiões isto está mais para prisão do que para liberdade).
Bem, minha sina é fazer parte de grupos fora do padrão, então sinto na pele e ouço os sussurros quando falo da não menstruação. Dou de ombros, pois tenho a a certeza de que mulheres adeptas de qualquer das formas modernas de contracepção contínua, seja por questão de saúde, porque não querem e pronto; assim como as que precisaram tirar o seu útero ou mesmo as que estão velhas não deveriam se esconder tanto com medo de serem consideradas o anticristo.
Não menstruar é lindo.
Cada uma que faça o que bem entender com seu corpo e a medicina é o único caminho para tirar tais dúvidas, não as crendices milenares ordenadas pelos deuses de barba sobre nossas cabeças e sexos.
Seja qual for a opinião que você tenha, nunca esqueça que nenhuma mulher vale pela quantidade ou pela cor do sangue que jorra.
Seja qual for o medo que você tenha, lembre que os homens não tem que se meter nisso a não ser que seja pra apoiar você a ser mais feliz e livre.
Assinado: A rapariga mais sem TPM da cidade.
}bw{

sábado, 5 de dezembro de 2015

13 itens sobre 2016


Assistindo filmes e lendo livros futuristas dos anos 1950, 60 e 70 tenho sempre várias certezas sobre as previsões feitas no século XX:
1) Escritores e cineastas tinham realmente o poder de adivinhar o futuro.
2) O uniforme, de fato, substituiu a fantasia.
3) As festinhas onde se dança estão muito comportadas e chatas.
4) As religiões eletrônicas que eles imaginaram eram menos bregas.
5) O roquenrou ficou muito muito velhinho e morreu.
6) Os designers olhavam o inusitado com tesão no cérebro.
7) Tudo já foi inventado e a única novidade no mundo é a lâmpada led.
8) 90 por cento da população acabou mesmo andando pelo pasto de cimento com os braços duros e os olhos parados.
9) O avant garde foi substituído pelo derrière e a gente anda de costas pois cremos na descoberta da Fonte da Juventude, que é um planeta onde todos tem pés de curupira e sofrem de paralisia intelectual.
10) Certos de sermos a última geração que sobreviverá a nós mesmos, perdemos o sentido do novo.
11) O futuro mora na propaganda de seguros onde se brinca de estátua.
12) Meu, o ser humano é um guri abobadinho
13) Tá, o item 12 é muito óbvio!
Assinado: A rapariga mais feliz do ano bom.
]bw(

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Eu conheço Campos de Carvalho, o interior do Mato Grosso e o orvalho.


Não sei quanto a vocês, mas estou há 29 dias de 2016.
Meu!! Dois mil e dezesseis!! Com 16 eu já escrevia e pouco ria, era séria e fazia poesia.
Faltam 29 dias. 29 anos. 29 pessoas. 29 horrores, filmes, músicas, amores e 29 refeições, questões. 29 garrafas de vinho.
Não lembro do último dia 29, mas devia ser como sou e igual ao que fui, correndo por aí, me escondendo por aqui cheia de trabalhos atrasados...
Tenho trabalhos atrasados!! Estou falando dos trabalhos que me sustentam, pois os que são, pra mim, um sexo selvagem, uma paixão, esses eu faço correndo, eu não durmo por eles, eu morro seca por causa deles.
Puta que pariu, estou mentindo!
Mesmo o amor que amo, eu traio. Eu traio pela vontade de novidade! Então, claro que não faço às pressas nem aquilo que mais me interessa.
Por exemplo, por volta dos 17 anos eu comecei a conhecer muito as entranhas do país. Nem lembro das poucas vezes que viajei com alguma companhia para lugares desconhecidos. Com parentes e amigos eu vou pra mares familiares...
Mas assim, viajar pelos projetos de cinema ou pra me perder sem esquema, daí eu vou sem ninguém, meio vazia de mim pra ver se me conheço um pouco ou - milagre - ver se algo me surpreende, algo me dá um susto, alguém me modifica.. quem sabe eu mesma me vejo e paro de me consumir.
Nessa noite não dormi, as dez da manhã sonhei com meus mortos.
No mais das vezes eu embarco sozinha e nos caminhos escrevinho, faço vídeos e shots e rolinhos de super8. Olho, escuto e penso.
Mas não pensem que esse monte de bobagens que eu escrevo e pics que posto nos meus mil endereços digitais, não pensem que são o principal do que vi, quis, fiz. Nããão mesmo.
Eu guardo coisas, eu guardo coceiras, emoções, solidões, paixões, medos, belezas e lembranças. Está tudo em páginas, agadês, cedês, devedês, até disquétes.
Eu guardo impressões e sentidos e, se um dia eu for relevante, alguém vai pegar tudo isso e vai ganhar um dinheiro. Mas eu tenho que morrer primeiro.
Hoje eu tenho que passar a madrugada pós produzindo fotos profissionais e não digo que não vou fazer meu dever, claro que vou. Contudo, antes disto, eu tomei um banho, eu lembrei de coisas como uma mania que a gente tinha uma época de cheirar rapé só porque as latinhas eram lindas mesmo as narinas ficando sujas de preto. Então, eu tomei um banho e fiquei pelada e fucei num baú cheio de figurinos dos meus filmes desde 1997 e. daí, descobri que tudo o que eu crio pra vestir tem algo meio névoa, muito transparente, fantasia cor de água.
Ah, isso tudo tanto faz. Lembrei agora de uma música idiota que eu compus quando da minha primeira banda e a letra ridícula de adolescente tinha uma parte que dizia "tanto faz e é só".
Caralho! Eu ainda penso do mesmo jeito!

biAhweRTher

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Volver

Vou te dar a real. Pra mim, toda a mudança - só não digo a "salvação" porque podem confundir com religião -, toda a solução, saída para a humanidade está na morte urgente da atual representação da mãe. 
Te pegam pela vaidade, mentem que tu é sagrada e tu vai para a prisão obediente, achando lindo gerar, parir, doutrinar e perpetuar gerações e gerações de fascistas.
Eu não caio nessa e, como toda a mulher que deixou vazio o seu relicário, sofro os açoites no meu microcosmo social. Ainda assim, eu defendo a Revolução das Mães porque a redoma, longe do aparente conforto, é um campo minado, é a arma secreta que guardam no teu útero.
Até os revolucionários pops da história, da ficção, da mitologia tem medo de tocar na personagem mãe.
A mãe é aquela que ora e cuida das meias, divide meninos e meninas, esconde as armas, faz cara de santa, finge que não vê, supre a larica dos rebeldes.e dos comportados e reza, e reza, e chama a Nossa Senhora e teme os trovões e sente culpa.
Mas se você não aceita o papel inventado pra te usar como a principal arma dos desmandos humanos, se você grita não para a figura da intocada inviolável doce, você muda o mundo.
Quando a mãe não quiser mais ser a assexuada, as constituições familiares sem figura feminina deixarão de ser incriminadas pelos senhores e senhoras cretinas.
E quando as mães não aceitarem repetir as ladainhas da criação caucasiana, os meninos vão crescer com valores mais humanos.
E quando as mães negarem os filhos como propriedade e pararem de ligar pra eles a perguntar bobagens infantis, mas exigirem ser vistas como pessoas normais pelos mesmos filhos, haverá um fim para a desigualdade.
Aliás, vou além! Eu aboliria o resumo Mãe e diria que todas as mulheres que são mães deveriam se revoltar por perderem seu nome e identidade após terem filhos.
Porque nada deixa uma mulher mais sem entranhas do que o terrível momento em que acorda e vê que todos ao seu redor a chamam de mãe e até ela esqueceu seu nome. Como se fosse uma entidade sem vida própria - já vi maridos chamando as esposas de mãe, que mixórdia é essa?
Porque a família, no sentido paternalista coronelista filhadaputista onde a mãe é eunuca, é apenas um tipo de banco, de imobiliária, de igreja, de máfia.
Eu defendo a revolução das mães porque não é rezando, perdendo a personalidade e mandando botar o casaquinho que vamos fazer nossa parte nessa bagunça. E era isso!

biAhweRTher

domingo, 22 de novembro de 2015

Sei nada não de Bienal do Mercosul.

Antes eu ia e parecia uma circo fuzuê tecnológico visitado por famílias no intervalo da novela dizendo óh. Eu curtia aqui, achava qualquer coisa ali e me via sempre desconfiada da maior parte dos trabalhos porque monitor, bliabláblá muita coisa não me convencia e parecia raso... dava aquela impressão de brinquedo feito por guri de apartamento que tomou nescau bichado na academia, entende?
Depois, uma vez eu participei da exposição de um carioca bem na abertura no Cais do Porto. Eram uns morros de areia, um anão que cavava alguma coisa e eu tinha que fazer uma espécie de performance enquanto filmava usando uma traquitana que eu tive que inventar-montar subindo uma câmera por uma corda e usando uma outra câmera na mão, Fiquei com areia até dentro das calcinhas e não consegui achar muito organizado porque dois dias antes eu fui no quarto do hotel do artista e ele só tinha um papel rabiscado e parecia nao saber direito o que faria. Mas valeu, porque era o barracão dos mais fodas no Cais que agora morre e no mesmo espaço tinha um mineiro amigo meu que ganhou prêmios no festival do livre olhar que eu fazia e outros malucos experimentalistas transmidiáticos,
Me senti em casa porque acho que tem vezes que as pessoas que me ajudam devem ter a impressão de que eu não sei exatamente o que vou fazer, mas eu sei. O artista me pagou uma grana, teve uma emoção e achei as pessoas da organização um pouco estressadas e arrogantes, tive que subir um pouco o tom pra entenderem que eu precisava terminar aquilo na madruga, mas teve atraso. É que naquele ano tinha morrido um eletrecista no Cais durante a montagem e pairava uma tensão no ar, então a montagem da minha câmera - eu, na real, filmava fazendo parte da instalação de abertura de um carioca que chamavam de Cabelo - que precisava de grua, causou uma certa apreensão.
Daí, cansei minha beleza com essa coisa de Bienal porque, sério, me parece que a arte contemporânea é uma repetição de si mesma.


Assinado: A rapariga que não curte tanto circos e bienais.

sábado, 21 de novembro de 2015

O voluntariado e a vaidade.

Desde que comecei a participar voluntariamente de ações sociais, noto que as pessoas costumam querer decidir o engajamento alheio, como se uma luta valesse mais que a outra, quando na verdade deveríamos entender a empatia como um poder coletivo e cada atividade como complemento das demais. Por exemplo, se você luta contra o holocausto animal, você está lutando pelo ser humano também e assim por diante. Você pode fazer fotos denuncia, ajudar a alimentar mendigos, defender a floresta ou manter uma página no facebook. 
Eu escrevo e isto não significa que não me voluntarie há muitos anos em ações práticas tanto na defesa da natureza como das gentes humanas e não humanas. Já resgatei bichos e já ajudei moradores de rua, já fiz vídeos documentais e, conforme posso, vou trabalhando a ponto de muitas vezes não ter grana pra mim - curiosamente, me sinto feliz assim.
Noto que muitas pessoas não admitem o valor do engajamento pela internet na forma de textos críticos, artigos e divulgações, mas eu defendo quem escreve e acho ingênuas as pessoas que consideram de menor importância escrevermos sobre os temas que afligem a humanidade por considerarem que vale mais fazer doações, por exemplo.
Escrever e gerar debate, a meu ver, é uma ação tão importante quanto ir a campo, até porque uma coisa não elimina a outra e, também, não podemos participar in loco de todas as ações sociais.
O que importa é que as lutas se complementem e não façamos do voluntariado uma competição de quem é mais ou menos bonzinho.
Os projetos sociais nos quais me envolvo não são uma vaidade e não são meus - vejo pessoas usando muito expressões como "minha ONG" ou "meu projeto social" - , por isso, como todos os que me seguem estão carecas de saber, só venho a público comentar as lutas das quais participo ou as que lidero quando preciso conseguir ajuda. No mais das vezes, prefiro trabalhar quieta no meu canto, sem fazer propaganda de mim porque se engajar é dever, no meu modesto entender.
Neste sentido, vejo a internet como ferramenta importante que pode e deve ser usada não apenas por quem está efetivamente neste ou naquele grupo voluntário, mas por todo o indivíduo consciente e a favor de um mundo mais humano.
Quero dizer com isto que ler e escrever também são a revolução, senão forem, inclusive, o início dela. Escrever e debater é lutar porque cumpre o árduo papel de conscientizar. Ler e escrever sobre os problemas da nossa sociedade é tão importante quanto dar esmolas, se não for mais fundamental ainda.
biAh weRTher

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

UM MÊS DENTRO DE UM ANO DENTRO DE UMA VIDA DENTRO DE UMA VACA.

Pra quem não me conhece, me apresento. Eu sou uma, sou pequena, nunca quero muito, tenho 1m 60 e 51 kilos, calço 35, não uso maquiagem e nunca coloquei peitos de silicone. Tenho mãos magras e machucadas por conta do tipo de trabalho que faço e amo fazer desde a adolescência. Me sustento, me alimento pouco e gasto pouco, cozinho muito bem, ganho meu dinheiro e divido ele com quem aparecer mesmo que eu não saiba se é verdade que a pessoa não poderia viver se eu não dividisse o que eu consigo. É que eu não me importo, é que dinheiro é uma coisa que as vezes eu tenho e não uma coisa que me tem. A minha carteira não é o centro da minha vida. O centro dos meus dias são o sol, a lua e a chuva. Dizem que eu sou tri bruxa, no mau sentido.
Não quero assustar ninguém sobre a verdade de ser mulher, então vou fazer a conta só do último mês dentro de toda a minha vida.
Durante o meu café, hoje, tentei não fazer os cálculos porque meu coração está cheio de cálculos, pedrinhas dolorosas que não saem no xixi e não tem como resolver com uma microcirurgia a laser; não desmancham apenas porque você estalou os dedos, assim como estala os dedos na hora que quer de mim uma groupie do seu pênis.
Eu sou uma, eu me viro pra viver.
Faz pouco tempo, muito pouco que eu entendi que não devo me deixar levar pelo jogo que define o que é uma mulher. Eu acho que agora, finalmente, aprendi a ser uma mulher.
Faz pouco tempo, muito pouco que eu não deixo você me fazer sentir culpada por ter nascido e me iludir sobre a condição de dependente.
Faz pouco tempo, muito pouco tempo que eu percebi que o que tenho não veio de graça, que eu não lhe devo nada, que não tenho uma eterna dívida com você.
Neste mês, só neste mês contei 6 episódios sérios de agressões masculinas sobre mim, metade delas foi alijamento profissional a outra metade foi pessoal, mas as duas coisas em meu mundo não se dividem. Trabalhar é minha vida como comer, tomar banho e dormir.
Todas as agressões masculinas que sofri nos últimos trinta dias tinham relação, de algum modo, com sexo ou gênero.
Em todos esses episódios você não estava só, você tinha outros homens junto de você. Mas eu não. Eu estava apenas comigo e não contei nada pra ninguém e quando eu lhe disse que tive vontade de me defender pela lei você declarou que sou louca, sem caráter, má, ingrata. Depois, eu deixei você ver que eu sangrei, então você relaxou e riu de mim. Mil a zero.
No último mês alguém tentou transar comigo mesmo sabendo que eu não queria, uma banda de SP resolveu queimar meu nome porque eu lhes presenteei com meu trabalho mas não poderia colocá-los antes dos meus clientes e "atrasei" os vídeos que fiz de graça.
Um produtor do Rio tentou me excluir de um projeto que, inclusive, era meu, porque não perdoou o meu "Não" íntimo e esteve esperando anos para vingar-se.
Se você é homem ou uma mulher obediente, deve estar pensando:
"Puxa, só com ela acontece tanto machismo!"
Não, não é só comigo. É que eu não sei ver abusos morais e emocionais como algo normal e cotidiano. É que eu não vejo com naturalidade ter que viver em estado de alerta, em guarda. É que quero me distrair e ser feliz sem precisar estar em guerra.
Trabalho com uma maioria de homens e sempre foi assim. Alguns deles procuram fazer projetos comigo para ficar perto e, quem sabe, transar.
A frustração do não os transforma em inimigos, cedo ou tarde.
Os dois piores caras que me causaram momentos traumáticos no trabalho ao longo dos último 30 dias tem o dobro do meu tamanho e poderiam me dar um soco na cara e eu não teria força pra revidar. Mas eles optaram por juntar-se com outros e praticar um alijamento profissional sistemático. É que um soco na cara a gente cura, o abuso moral talvez nunca.
Você tem medo de mim, me parece. Mesmo eu sendo uma e você muitos e você tão certo em seu andar de quem tem mais coisas no meio das pernas.
Faz pouco tempo que eu li sua alma e entendi o que passa. Eu sou uma, eu sou pequena e ainda assim eu te enfrento e isto você, que é tantos, não suporta. Você tem medo de mim. E sabe de uma coisa? Sim, tenha medo. Tenha muito medo de mim porque, você tá certo, eu sou louca.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Zumbilândia Rules

Daí, você se interessa pelos tuítes a respeito da mobilização feminina contra os abusos que sofremos desde pequenas. E você busca ler sobre mais uma pessoa negra que sofre agressões horrorosas nas redes sociais, porque anda meio chocado, a se perguntar quando foi que nos tornamos uma das nações mais preconceituosas, misóginas, xenófobas do planeta globalizado... 
Contudo, qual não é a sua surpresa, vergonha mesmo dessa nossa geração de adultos infantilizados, consumidores de coisinhas, quando descobre homens-pais de família-coisa que o valha, dizendo que assuntos como machismo e racismo são uma cortina de fumaça da imprensa paga pela "KGB" (oi?!) para tirar o foco do tema prisão do Lula.
Sei que me torno repetitiva, mas onde a novíssima classe média alimentada por sushi de plástico e porcelanato, irresponsável compradora de apartamentos em condomínios construídos em áreas que deveriam ser preservadas... Onde os viciados em códigos de barra, tomadores de etanol e gasolina do nosso país andam comprando seus cérebros?
Pra mim, há um portal nos subterrâneos dos milhões de xópins por onde saem pululantes zumbis com sacolinhas e cartões de crédito nas mãos.
Ok, eu já disse isso antes e ninguém mandou eu desrespeitar a regra básica:
"Nunca ler os comentários".
Assinado: Garota Enxaqueca virando sapo na Guarda do Embaú.

sábado, 24 de outubro de 2015

Zero

Fechei as janelas e procuro não fazer barulho. Meus passos eu piso com cuidado, ninja, cautela, sombra. Que ninguém saiba que existo. Desliguei a campainha, os telefones, me desconectei dos meios onde todos se refestelam ao sol digital RGB, exibindo-se, trocando elogios e convites, iludindo-se, consumindo, mastigando uns aos outros com palavras que mentem, poses, closes.

Eu dentro de mim.
Zerar tudo é uma bifurcação. 
Você pode pegar o pouco de dinheiro que te resta e sumir no mundo, mudar de nome, cortar os cabelos, conseguir um emprego comum num lugar comum entre pessoas comuns e inventar uma nova história futura, mentir sobre a vida passada. Escrever uma ficção sobre tudo o que já fora, de verdade, uma ilusão. A vida que a gente vive, que a gente interpreta.
Ou você pode sumir pra dentro, se encolher e ir ficando pequena, pequena, pequena até ser uma formiga, uma ameba, uma poeirinha no canto do quarto. E daí você morre e se assume um fantasma idiota que não sabia de nada, que não entendeu o que tinha que ser feito, dito, forjado. Um fantasma idealista e tonto que traiu o pacto do grande grupo, não pintou as unhas. Nem mesmo pintou as unhas!!

Fechei as janelas e é como se eu estivesse numa nave solta no espaço, fugindo, navegando, sumindo na eternidade antes que alguém grite meu nome e outro alguém traga a camisa de forças e me culpem porque não aceitei a vida como ela é.

Eu dentro de mim sinto gostos e na minha nave tem o cheiro de outra pessoa que passou por aqui e eu vou ter que suportar lembranças porque se eu abrir as janelas e arejar, o insuportável vai me escapar. Um detalhe vai desmaiar ao sol, um resto de perfume vai evaporar, um som vai se misturar aos sons que vem da rua onde habitam tons que me sangram.

Procuro a mochila grande vermelha, mas lembro que eu doei para um casal de jovens moradores de rua junto com muitas coisas que eu tinha e me eram caras, então eu tinha que excluir da minha nave pois tudo o que nos é caro um dia manda a conta e eu já não posso pagar. Eu não consigo mais pagar.

Encontro uma mala. Mas pra quê necessitaria de malas quando só preciso sumir. Ninguém caminha até virar fumaça levando uma mala de rodinhas. Não, pra virar pó você não leva nada, você vai pelada, você sorri lágrimas quentes, respira, em frente, primeiro devagar depois com mais firmeza até que você se solta no ar e voa e já nem se importa com o que perdeu pois você já não se arrepende de ser diferente e, afinal, quem disse que a gente perde quando o que a gente tem nunca foi da gente?


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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Capitanias Hereditárias

Conhecer eu sempre quero. As trocas sim, escambos.
Mas não curto as bandeiras enterradas nas fronteiras. Meus orgulhos são das subjetividades, não dos sangues derramados nas geografias. 
Por exemplo, nunca entenderei porque eu deveria ter orgulho de ser gaúcha ou terráquea. Tudo são contingências. Nasci neste planeta por uma ínfima questão temporal, espacial, dimensional. Sensacional...
Mas a gente é o que é até aceitar incorporar novos seres e saberes admitindo que   de nada adiantam as cercas porque nossa contribuição é apenas morrer nascer e transmutar. Adubo. Então essa coisa de bater no peito e falar de tradição é como colocar os sentidos numa caixa e entoar um hino monocórdio no escuro.
O homem caminhante caminhava caminhava até que parou, inventou um nome e desenhou linhas invisíveis. Mas nem todo mundo quer saber disso, nem todo o ser acha que deu certo isso de sair da aventura pra se esconder num apartamento, nem todo mundo quer. Eu, pelo menos, não dou valor nenhum. E até acho que se desinventarmos Deus a gente reencontra os caminhos da liberdade, soltos por aí. Mas isso é outra história, isso de reinventar a história. É pra depois que o mundo explodir, implodir, queimar vivo meio morto de tanto os Deuses que o homem estacionado inventou matarem todas as pessoas humanas e até as não humanas - que não tem nada a ver com isso - e sobrarem uns 6 ou 7, sete dias depois do final, rotos  os 7 sussurrando: - Então era isso... então era isto.
Quer saber? Isso que escrevo, na verdade, todo mundo já sabe pelos filmes que fizeram inspirados nos livros que escreveram sobre épocas ocultas, dedos que apontam, livros santos, cidades ardendo e senhores barbudos, crianças divididas, mulheres vendidas.
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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A cultura do estupro

Estive lendo tuites nojentos de homens de 40 anos sobre uma menina de 12 que participa de um desses mil programas de culinária que infestam os canais a cabo. Os infelizes se acham machos ruminando o quanto os excita a ideia de transar com uma criança e só espero que suas mães morram de vergonha e náusea por terem criado tais lixos.
Em meu blog já postei alguns textos sobre como foi ser uma menina de 12, 13, 15, 18, anos e depois uma mulher diante de uma sociedade que se orgulha do estupro confundindo os valores, se machucando, humilhando e sangrando as suas filhas e mães.
Meninas como eu, muito próximas de mim, sofreram estupro e eu as vi, olhos parados, cabisbaixas, no hospital... Escapei da agressão direta por pouco, por ter pernas rápidas, cérebro ligeiro, por ser desconfiada ...
Mas passei a vida tentando ser forte, a enfrentar toda a sorte de trauma na relação doentia que nosso país tem com suas mulheres. Se tu não aceita ganhar menos que um cara que faz a mesma coisa, se tu não aceita um namorado cretino, se tu não quer transar sem ter vontade, se tu não quer se vestir pra agradar um imbecil, se tu faz a música e não é a fã, se tu não é a mulherzinha na parte das mulherzinhas no churrasco da firma, se tu manda a sociedade se foder vão dizer que tá na TPM, que é mal comida, que é louca.
Mas bem, dentre as guerras que enfrentei sozinha diante da sociedade do pau está, inclusive, a agressão obstétrica, um dos traumas mais terríveis na vida de uma mulher num país como o Brasil que se diz livre porque não usamos burca - me pergunto porque a obrigação do biquíni enfiado na bunda é menos escravidão do que uma burca.
Então amores, não me venham pedir que seja menos garota enxaqueca. Eu sou uma mulher livre tentando ter paz neste planeta, neste país onde moças de classe média que vivem para agradar um homem coxinha de tênis comprado em free shop se acham mulheres melhores que funqueiras que sustentam filhos sozinhas desde os 13 anos de idade porque foram abandonadas grávidas. Um país catador de moedas e chupador de paus gringos. O paraíso do turismo sexual.
De verdade - e penso isto todo santo dia quando enfrento a vida sem me vender -, o Brasil é um país racista, machista, xenófobo, homofóbico.
Nosso país fede a estupro, fede a sangue seco. Nosso país se orgulha de viver contabilizando os centímetros de um pênis.
Assinado: A rapariga mais enojada da cidade.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O machismo começa na criação.

O machismo como cultura termina na mãe que cria. Nem todo homem conseguirá libertar-se do machismo feminino porque, no mais das vezes, ignora outra realidade possível. 
Porém, onde a mãe comunicar o fundamental enquanta amamenta, a sociedade se transformará, o homem assimilará, se orgulhará e vivenciará o inevitável segredo feminino dentro de si. O equilíbrio do ser.
De coronéis cretinos a pais abusadores, maridos que matam e chefes que assediam, homofóbicos covardes, meninas objeto, mães que perpetuam a doença social, todo o machista, toda a machista - exceto, talvez, os humanos com desvios mentais - possivelmente não o fosse se tivéssemos a sorte de ele ter sido criado por uma mãe feminista.
Mesmo num lar opressivo, me parece que a mulher que embala a criança tem um poder de mudar o mundo, mas desconhece ou teme tal força.
Nesse sentido, é provável que as crianças das famílias sem distinção de gênero em suas responsabilidades, as famílias com dois pais ou duas mães, talvez consigam gerar crianças mais livres e leves, por estarem alheias aos exemplos de desigualdade.
A obrigação de ser uma moça machista, o orgulho de ser um moço machista é pior do que uma condição meramente ultrapassada e preguiçosa. Assumir um papel machista é pactuar com uma sociedade que sente dor.


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terça-feira, 29 de setembro de 2015

Eu escuto vozes.

Falar de mim parece uma loucura, mas penso que olhar pra dentro de si é a melhor contribuição que alguém pode dar pra o mundo ficar melhor.
Dizem que estamos sempre em guerra, que o medo instaurou-se como nunca e que o ódio é só o que temos hoje pra deixar para as próximas gerações.
No meio disso, os loucos.
Quando eu durmo, há vezes que me vejo pequena num canto escuro e acima de mim, rostos conhecidos de antes, de agora e do depois estão com os dedos em grande angular na minha cara a me dizer que sou louca.
Aí eu acordo e vejo que não era sonho, até porque sonho, em tese, é algo que se almeja. E eu nunca almejei ser considera a boca miúda ou graúda, frente a frente ou pelas costas, por amores ou desafetos uma louca diferente, avessa ao que uma boa moça deve ser.
Me pergunto o que é, quem é, porque é o louco?
Das pessoas que, como eu, passam pela vida estigmatizadas, atiradas nessa condição, leio teorias e auto-defesas e vejo telas pintadas com sangue e colagens doloridas feitas em hospícios e escuto músicas e ouço gritos - por vezes internos - sobre isto do ser considerado louco, à margem de algo que deve ser feliz, perfeito, colorido, ensolarado e belo e que nunca saberemos alcançar, por que somos loucos. O normal... aquilo que não nasci pra entender.
É uma vida inteira. Mesmo quem canta que é feliz por ser louco está mentindo. Ninguém gosta ou se orgulha. No fundo, o louco queria não ser tão diferente a não ser que entendesse onde está essa diferença que os outros veem se quando olhamos no espelho está ali o que todos tem: pele, dentes, cabelo..
Há uma dor infinita no coração dos loucos, nas cabeças dos loucos, nos estômagos e fígados e pés, olhos...
Principalmente nos ouvidos
No meu caso, para os psiquiatras e psicólogos que já frequentei, não sou uma louca.
Para os entendidos, sou normal. Tenho só um tanto de ansiedade, empatia em excesso, uma criatividade que me torna a mais distraída, uma tendência a trocar a noite pelo dia - o que já está provado que não é loucura - e uma saúde de ferro que faz de mim uma pessoa que vive se quebrando toda porque tem excesso de energia.
Certa vez, fazendo piada diante do meu desespero de não conseguir explicar para as pessoas que não considero elogio quando me chamam de louca, uma psiquiatra me disse que seria interessante eu levar na bolsa um comprovante de normalidade. Daí eu disse que "eles" iriam rasgar e ririam na minha cara. Então e ela me perguntou: - Eles quem?
Bah, não sei, não sei nada sobre isso. Estou tentando me conhecer e ser melhor, não sei quem são os outros, eles que saibam de si!
São anos, milhões de anos sendo convencida de que sou uma louca. Deve ser alguma magia que me jogou alguma índia no dia que nasci naquele inverno numa cama de estância: O seu destino é o desvario.
Se você está louco pra me conhecer, prepare-se. Cedo ou tarde você me dirá isso, do nada, no meio de um jantar, num show gritando um pouco e sorrindo, passeando na praia, comentando um filme.
Um dia você dirá! No começo como uma graça, un passant; depois com um pouquinho de acidez; com o passar do tempo com vontade, sangue nos olhos. E daí virão as variações: louca, esquizofrênica, paranoica. Depois, não importa o que eu fizer, se rir, se chorar, se fizer cara de paisagem... a qualquer reação você apontará e me dirá: - Viu? Sua doida!
É verdade, eu escuto vozes e elas dizem que eu sou louca. E eu fico louca de vontade de argumentar que eu não sou, mas quando as pessoas estão me chamando de louca, elas ficam loucas, elas não me escutam e tudo o que eu disser será usado contra mim. Então, num determinado momento eu paro de tentar explicar e corro pro meu canto no meio das minhas coisinhas e, cansada, toda despenteada - eu, como toda louca, não penteio os cabelos - faço retratos de mini mundos e observo o desenho que o sol faz nuns cantinhos. Porque o sol me persegue mesmo que eu cerre todas as ventanas e me encolha atrás das cortinas. E enquanto eu estiver quieta no meu canto, alguém lá fora estará comentando sobre como sou louca e outro alguém vai concordar: - Aham!
E então eu adormeço e, alienada, não sonho mais com pessoas que me chamam de louca porque eu não sou tããão louca assim. Tem vezes que eu sonho com espaço, um ar fresco com gosto lilás, grandes capinzais, mares infindos, sons de vida, musgos, risos e que eu tenho asas e que posso conversar com os mortos, porque os vivos, ai sei lá... os vivos não aguentam mais a minha anormalidade.

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domingo, 27 de setembro de 2015

A ponte reúne enquanto passagem que atravessa.

Não vejo as pessoas do dia a dia - tão revoltadas com a crise dos juros - raciocinando sobre a história presente que grita nas fronteiras. Talvez porque a nova ordem mundial seja de uma globalização contraditória que divide tudo e todos em um picadinho desconexo.
O nosso presente é uma cobra mordendo o rabo, onde cremos que a história da humanidade deve ser interrompida, entrecortada e descontinuada a cada novo dia num processo de lobotomia festiva, conforme ordenam as propagandas de carros, comida industrializada e pastas de dentes - de roteiros e estética iguais em todas as línguas - enquanto nas fronteiras se espremem os hiatos, iguais em todos os tempos.
Desprovidos de olhar periférico, temos uma memória que dura os 30 segundos da propaganda que nos resolve foréver young como se o presente fosse separado de uma homogeneidade e todo o conhecimento e conquistas estivessem resumidos a descobertas de design.
A grande contradição nesse processo é que a mesma submissão ao super mudérno nega o que haveria de valioso no presente, como o fato de ser parte, caminhada e não início, final , muito menos único.
Na mesma corrida pelo imediato global, também nos rendemos aos conceitos arcaicos de espaço - como um sinônimo da propriedade e do poder - e guardamos com louvor doenças que cansamos de tentar curar no passado - como o extremismo patriótico e as guerras santas. Acreditamos num futuro de ódio, competições por notas de dinheiros e servilismo cultural, mantendo as tantas formas de escravidão como um item necessário.
Me parece que a história do agora está sendo escrita, de verdade, nas fronteiras. É ali que num futuro distante alguns tentarão decifrar o nosso tempo.
Nisso, estava aqui relendo um texto de espectro bem amplo a respeito dos conceitos de pós-modernidade; da sensação que alguns médios tem de que representam o "além" numa sociedade da estética; e do mundo paralelo nas fronteiras.
Olha que interessante:
"O além não é um novo horizonte nem o abandono do passado...
(...)
"Além" significa distância espacial, marca um progresso, promete um futuro; no entanto, nossas sugestões para alcançar a barreira ou o limite - o próprio ato de ir além - são incogniscíveis, irrepresentáveis, sem o retorno ao "presente" que no processo de repetição torna-se desconexo e deslocado. O imaginário da distância espacial - viver de algum modo além da fronteira de nossos tempos - dá relevo à diferenças sociais, temporais , que interrompem nossa noção conspiratória da contemporaneidade cultural.
(...)
Se o jargão dos nossos tempos - pós-modernidade, pós colonialidade, pós-feminismo - tem algum significado, este não está no uso popular do "pós" pra indicar sequencialidade - feminismo posterior - ou polaridade - anti-modernismo. Esses termos que apontam insistentemente para o além só poderão incorporar uma energia inquieta e revisionária se eles transformarem o presente em um lugar expandido e ex-cêntrico de experiência e aquisição de poder. Por exemplo, se o interesse no pós-modernismo limitar-se a uma celebração da fragmentação das "grandes narrativas" do racionalismo pós-iluminista, então, apesar de toda a sua efervescência intelectual, ele permanecerá um empreendimento profundamente provinciano.
A significação mais ampla da condição pós-moderna reside na consciência de que os "limites" epistemológicos daquelas idéias etnocêntricas são também as fronteiras enunciativas de uma gama de outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes - mulheres, colonizados, grupos minoritários, os portadores de sexualidades policiadas. Isto porque a demografia do novo internacionalismo é a história da migração pós-colonial, as narrativas da diáspora cultural e politica, os grandes deslocamentos sociais de comunidades camponesas e aborígenes, a poética do exílio, a prosa austera dos refugiados políticos e econômicos. É nesse sentido que a fronteira se torna um lugar a partir do qual algo começa a se fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação ambulante, ambivalente, do "além" que venho traçando: 'Sempre, e sempre de modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos e apressados dos homens prá lá e prá cá, de modo que eles possam alcançar outras margens... A ponte reúne enquanto passagem que atravessa' (Foucault & Lacan)"
do livro "O Local da Cultura", Homi K. Bhaba.
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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A menina que desenhava poemas.

Eu guardo bilhetes, e-mails, cartas, poemas, desenhos que me oferecem, porque eu só vivo o presente, então preciso da memória externa...
Daí, hoje eu tava jogando umas coisas no lixo e encontrei os poemas de uma menina que era minha colega quando tinha 12 anos. Ela gostava de mim e me escrevia poesias de amor. Eu escrevia poemas políticos e achava os dela mais foda, até porque ela os ilustrava lindamente. Por certo nunca disse isso a ela porque eu falo como uma papagaia sobre coisas genéricas, mas essas coisas de duas pessoas conversando, essas eu esqueço de falar.
Ela sofria porque já sabia que sempre gostaria de meninas e rolava preconceito na sua família... creio que na escola também, mas eu sempre fui muito distraída pra perceber isso.  E ela era triste porque eu nem percebia que ela queria ser minha namorada pois eu era muito abobada pra entender o que a fazia ser assim, uma pessoa grave. 
Eu queria ter sabido dizer pra ela que não era porque eu não queria ficar com meninas, nunca acreditei nessas separações e não tinha qualquer preconceito. Era que eu ainda nem pensava sobre isso. Não queria meninas nem meninos. Queria era ficar sozinha no meu canto, lendo e sentindo as coisas da natureza. Vai ver era por isso ela gostava de mim, porque eu era meio louca e não entendia nada que fosse imediato e cotidiano e tátil, de modo que tudo para mim parecia um acontecimento por trás de uma cortina transparente e leve. O mundo real eram vultos (se é que ainda não vejo assim...)
Chegaram as férias e eu não senti saudade.
No ano seguinte, cheguei na escola pensando em dizer pra ela que tinha entendido um dos poemas mais sofridos que escrevera pra mim, mas ela não estava mais lá. Nunca mais a vi, nunca mais escutei...
Anos mais tarde, soube que ela se matou. A vida deve ter sido ingrata com ela e, sei lá porque, senti muita culpa de não ter sido uma amiga mais falante.
Curioso é que lá pelos 8 anos eu também tinha um melhor amigo, com quem eu brincava num dos lugares mais incríveis que já visitei na vida. Era uma fazendola onde sua família cultivava flores. 
Ele era mais velho que eu, me ensinava as coisas mais fantásticas da vida de meninos do campo. Uma babá me levava pra lá depois das aulas e ele sempre me esperava com surpresas, como o carrinho de lomba mais maravilhoso que eu já vi. Há alguns anos, soube que ele também se matou.
Me parece que o meu modo de ser, de gostar tanto da companhia da solidão, era tão vital que só conseguia ser amiga de pessoas que só eu via. Meninos tristes que não tinham carinho.
E eles talvez me amassem porque eu era assim, uma menina louca que não falava nada, que perdia o foco. Era só uma boa companhia pra correr na chuva, se esconder dos adultos, deitar na terra fofa e contar as estrelas. Nunca prestei pra muito mais do isto.
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Thor Batista X Guri do Arrastão

Até posso concordar que crianças más saíram das profundezas fétidas pra nos aterrorizar e que precisam ser todas jogadas de volta ao inferno de onde escaparam. Até posso concordar que as crianças armadas que caminham sem lei pelo planeta devem ser estupradas, pisoteadas e linchadas pra que encontremos a branca paz porque nada, nada que se faça os tornará gente sendo que nós lhes demos todas as oportunidades amigáveis e nada, nada os fez desistirem da maldade que move seus corpos sujos nascidos de alguma chocadeira no submundo dos esgotos...
Siimmm eu posso concordar.
Mas você precisa primeiro aceitar minha teoria de que nos porões de cada xópin existe uma passagem secreta onde são produzidas pessoas em série que se alimentam de porcelanato e são viciadas em etiquetas e códigos de barra e que marcham em bandos sem olhos em direção a um portal no foyer de um prédio de arquitetura do século XXI por onde desembarcam nesta dimensão mastigando borracha e defecando moedas e cantando cantos monocórdios em vozes metálicas enquanto jogam as mãozinhas pra cima com uma arma de um lado e a bebida que pisca no outro.


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domingo, 20 de setembro de 2015

A culpa é dos pequenos


Eu tou sempre lutando, isso todo mundo sabe. Faço um monte de coisas, falo, me voluntario, critico, uso meu trabalho como um modo de pensar um mundo melhor, me exponho e foda-se. Então, que vá pra pu quem me julgar e achar que só falo e nada faço.
Anyway, para o meu bem, me alienei dos noticiosos da grande imprensa, sempre tão vendida, sempre tão maligna e tendenciosa. E me alienei do grenal da política partidária.
Ainda assim, não há como fugir da verdade. Mais do que nunca no mundo contemporâneo nós estamos sacrificando crianças, culpando as crianças.
Reza a história que nos tempos idos, muitas centenas de anos, crianças eram pouco importantes na sociedade e morriam como insetos sem que a sociedade pensasse muito a respeito. Reza a lenda que agora a gente tá consciente, tanto que tem propaganda de brinquedos no dia das crianças.
De verdade, do pouco que assisti notícias na tv por esses dias, entre alta do dólar e menores transgressores odiados pelos cidadãos de bem, vozes graves davam conta de que mães matam filhos pequenos após curtas vidas torturantes, governantes matam crianças e exércitos as pisoteiam enquanto as veias de seus pequenos pescoços saltam aos berros, chorando por algo que a gente nem entende. O que querem essas crianças sofridas do mundo?
É assim a modernidade desta dimensão rica em lâmpadas led. Todos nós esmagando pequenos, todos nós conseguindo sorrir e dormir tranquilos sabendo que em algum lugar alguma criança se desespera.
Se não tivermos grana pra ter um carro novo, nós não dormimos direito e saímos pelas ruas, pelos ônibus, pelas filas dos açougues a reclamar que nós, nós, eu, eu, umbigo, eu quero, eu quero, eu compro, eu mereço, eu posso...
Mas não nos machuca a recorrência de imagens estúpidas, em tempo real, enquanto almoçamos e jantamos. A gente mastiga, sente o gosto, engolimos e seguimos dentro da nossa vidinha cretina.
Sei lá... é noite de chuva, domingo, amanhã segunda e, neste instante, em algum lugar, tem uma criança sem entender porque estamos fazendo isto com ela.
Só queria dizer isso, pensar nisso.


biAh weRTher

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Auto ajuda

Quero ganhar dinheiro com auto ajuda. Por exemplo, minhas amigas dizem que eu nasci com açúcar porque sendo magrela, não sendo loira e nunca penteando os cabelos, enquanto todas as bonitas altas choramingam a falta de rapazes, para mim sempre sobram carinhas querendo coisinhas.
Bom, só posso dizer que sou chata, xingo os namorados quando pensam diferente de mim a respeito de política, NUNCA fiz depilação com cera, não frequento manicure, na minha casa não existe baton, chapinha e muito menos esses saltos fininhos de 12 cm.
Diria que se eu fosse parte disto que chamam de universo feminino, eu pararia de gastar com cabeleireiro e compraria uns livros de filosofia, em lugar de perder tempo com xópin faria uns trabalhos voluntários.
De beleza, só mesmo usar sempre fio dental; beber muita água e vinho, não escutar axé, jogar fora as saias patê e não correr atrás de homi.
Em resumo, desobedecer tudo e todos!
Era isso gurias, se eu escrever meu livro de auto ajuda pra conseguir homi, eu vou dizer que uma casa precisa mais de papel toalha na cozinha do que de um homem. E vou concluir afirmando que o segredo pra deixar dessa bobagem de que mulher tem que usar barro na cara é levar as revistas femininas à falência. Universo feminino NUNCA foi e NUNCA será o "sofrimento" de "ter que" equilibrar num ridículo salto 15 e pagar milhões pra arrancar os pelos com cera. Sobre dor, é só olharmos ao redor e veremos que não entendemos nada. O feminino é grande demais pra tanta infantilidade!
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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Dona Emília e eu

Dona Emília e eu.
Entro no ônibus na Anita. A meu lado uma senhorinha toda arrumadinha já engata um papo. Ela fala muito, eu também. Na Nilo Peçanha eu eu já sei que ela é professora aposentada e ela sabe que eu estou trabalhando demais e ganhando de menos. Perto do Parcão eu já sei que ela perdeu o marido quando tinha a minha idade e que sofreu tanto que nunca mais quis casar de novo. Eu sinto pena mas digo que invejo esse amor dos antigos, porque no nosso tempo a gente tá sempre namorando mas nunca é a mesma pessoa e, não raro, é mais de uma pessoa. Ela me pergunta se eu sou muito distraída e eu respondo marcando o s que ssssimmm!
Então é isso! Fica olhando os pássaros, apreciando a vida... Esquece quem está ao lado. Acontece muito, diz ela. Pessoas assim são do mundo, não se apegam porque o coração se distrai com sentimentos invisíveis.
Invisíveis.... repito umas três vezes fazendo um sim com a cabeça.
Ela conta do seu filho que tem minha idade e fez doutorado. Eu falo que meu filho estuda produção musical e que muitas vezes fui mãe pelo msn, porque eu viajava muito nos projetos de cinema.
Chegamos na estação do Hospital de Clínicas. Ela me diz que vai descer no Pronto Socorro pra pegar o T5.
- Puxa, a senhora anda por aí de ônibus, pra lá e prá cá e eu que sou desprendida?
Rimos.
- Biah, ela diz, tudo de bom na sua vida, que tu seja muito feliz. Que você consiga tudo de mais lindo e seu filho seja um grande músico.
- Obrigada, dona Emília, pra senhora também, muitas coisas lindas!
A porta abre diante dela. Eu já começo a me distrair com as pessoas andando na Osvaldo Aranha, quando ela me chama:
- Biah!
- Sim, dona Emília!
- Me enganei. Teu filho já é um grande músico e tu já é muito feliz.
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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Hiato



Sou boa com os adeuses. Ok, também sou legal com inícios, mas sou tão péssima nos miolos que me perco no caminho e viro nuvem, asas, névoa... Quero dizer, eu gosto de dizer Oi e Tchau. Mas não é simples assim, é muito mais lindo. Um Muito Prazer é uma dança do acasalamento e um Adeus é uma ópera.  Ao menos pra mim.
Mas a parte do meio eu sempre quero pular porque é aí que eu vacilo e não perdoo.  O meio é quando a gente descobre  as  verdades, escuta mentiras, tiramos as máscaras e tudo passa a ser um sórdido trivial...  Nessa parte eu quero correr pra minha solidão. E como não ser dependente da solidão? Gente mente. Dividir os miolos da vida com gente é ter que caminhar numa corda sobre um precipício que une dois lados seguros; o começo e o fim.
Nada pode ser pior que ir se transformando dia a dia numa peça de um jogo de tabuleiro. Você estuda o outro, o outro te estuda. A isso se dá o nome de convivência e é nisso que se perde a magia e os mistérios que, pra mim, devem ser os únicos segredos aceitáveis em qualquer tipo de relação. Por isso que eu vejo assim, que os inícios são doces, os finais poéticos e o recheio é um prato que azeda, a menos que a gente não respeite nunca as regras de convivência estabelecidas na sociedade onde as pessoas vivem juntas pra elaborar a inimizade perfeita.
Se eu tivesse algum poder sobre a mesmice cotidiana, se eu pudesse eu  faria com que nunca mais na face da Terra a gente quisesse a normalidade de um dia igual ao outro. 
É que eu tenho uma teoria de que o que estraga o parêntese entre os encantos do conhecimento e do desconhecimento, entre o chegar e o partir é essa jaula que leva o título de Rotina. Mas que mixórdia é essa? Eu acho que as pessoas, depois que se conhecem, deveriam apenas se divertir. 
Tenho urticária, reação alérgica, tosse seca sempre que algum entendido social aparece atrás de uma mesa, em frente aos diplomas da parede, a dizer que a qualidade de vida é diretamente proporcional à rotina de uma vida. Comer, dormir, trepar, conversar, tudo em horários definitivos até que não exista mais uma minúscula surpresa e você não aguente mais o robô triste que divide esse meio com você. Então você começa a mentir, pra fugir da mesmice do saudável cotidiano. Vão se foder!
Ai, sei lá, sabe... Por isso que eu fujo e me escondo no mundo,  na rua, bem louca, cantarolando, míope sem os óculos, sem saber os nomes das ruas, sem dar o meu endereço.   Me perco na multidão e não olho pra trás e daí vai entrando um oxigênio e aí eu vou e vou e vou e, ah, paciência... agora esqueci... Ninguém é de confiança mesmo. A não ser que aconteça um milagre e me apareça alguém assim, tipo eu, que da sua vida só queira fazer besteira, voar as tranças por aí.

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domingo, 30 de agosto de 2015

As bailarinas e as camisas de força.

A sociedade moderna do aspirador de pó, toda angulosa com seus armários brancos de mdf, suas pílulas, anti histamínicos e porcelanato. A sociedade bélica que hostiliza os diferentes, mora em escaninhos, morre de medo de lagartixa e tem nojo das pétalas coloridas que as árvores insistem em derramar pra sujar a pintura brilhante dos carros, como se nós fossemos acaso aceitar presentes coloridos leves que descem do céu como bailarinas doces e a gente varre, varre e varremos e esfregamos e limpamos a lama da natureza e escondemos o lodo dos nossos caráteres mal disfarçados.
Essa sociedade passa o tempo todo nos bombardeando com a ideia fixa de não viver o presente. É pai, é mãe, é professor, é uma legião em uníssono na ladainha. Pensar agora é irresponsável, você deve viver pelo e para o futuro. Assim, doutrinados, vamos imaginando que ficaremos pra semente e que a propaganda de banco tá mais é certa e a gente precisa lamber o cabelo, se meter num salto, fazer carão, não perder tempo olhando o sol, que mastigar com gosto cada passo como se fosse o último é coisa de gente pouco competitiva, de losers. Tem que ter pressa sei lá do quê, menos de viver, ver, sentir coisas que dinheiro não compra.
Conheço gente que se orgulha de estar sempre estressada, conheço um povo que chega a mentir que tá sempre ocupado, porque ter tempo pra transar, pra rir, pra não pensar em nada seria uma pouca vergonha.
Daí o sol se põe e tu ali fazendo as contas, as pessoas passam e ficam as moedas nos bolsos. A gente morre e não fez aquilo que mais precisava ter feito, a pessoa morre e tu não tinha dito ainda que ela era importante.
Eu é que não vou beijar papéis e dançar com títulos. Não contem comigo pra deixar o amor pra amanhã. Eu paro e converso com os mendigos da rua, mudo o caminho só pra procurar água pro cachorrinho abandonado, pra salvar um passarinho que caiu do ninho, cancelo a reunião pra fazer o favor pra um amigo. Quero quem amo agora, porque amanhã nunca se sabe, amanhã é uma hipótese, amanhã só existe na propaganda da televisão, no discurso.
Isso de deixar avida pra amanhã pode ser um tiro no pé. Isso de escolher uma profissão pelo dinheiro e não pelo prazer, não pra se satisfazer é coisa de maluco.
Eu me divirto, eu mudo por pouco mais de nada, eu vou até o final, eu esgoto, erro por amor, perco a hora, paro no caminho, faço o que bem entendo.
Porque o passado passou e o futuro não existe. Isso de vida moderna versus liberdade, isso de que ser feliz é uma impossibilidade, isso são bobagens que andam colocando na tua cabeça.

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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Eu mesma


E caso eu não fosse eu, se eu acordasse outra
Você ainda me amaria?
E quando você me deixasse,
Se eu arrancasse a minha máscara em plena luz do dia,
E prometesse mudar - e mudaria? -
Você voltaria?
E caso você voltasse e visse que eu ainda era eu
Que, de ser eu, eu nunca deixaria
Você de novo me abandonaria
Na madrugada suja, muda, em transe,
No trânsito, meu corpo lotado do teu, minha mão nos teus cheiros
Nos muros, os cantos escuros
Querendo você por dias inteiros?
E se eu, então, não pedisse, nem prometesse
Desistisse de ser outra, quantas chances eu teria?
E se mesmo sendo eu e não conseguindo deixar de ser,
Eu corresse ao contrário, voltasse o tempo em tua direção
Te pedindo atenção, meus dois seios de novo nas tuas mãos,
Você ainda me desejaria ou você levantaria o queixo
Me analisaria, eu sendo eu, pra me dizer não,
O que me desconcertaria e você me levaria
De volta à rua vazia?
Como seria se eu, sendo eu mesma,
Me sentisse outra diante de você
E eu não conseguisse explicar que mesmo eu só sabendo ser eu
Não sei ser eu sem você?

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domingo, 23 de agosto de 2015

Mínima

Não escrevo um poema em busca da melhor das rimas
Não forjo a composição para competir com a tua poesia
Nada sei sobre os meios

Do princípio do meu vício
Só me ocorre a solidão                       medo
Escuro, insônia, vultos nas cortinas
As formas nas nuvens, esconderijos, grãos
Porão, marca, cheiros, frio                 fumaça
Meu corpo no chão.
Passos, sussurros, a lágrima quente            o jasmim.
Micro partículas reluzindo no lento raio de sol
O mesmo raio desmaiado esgueirando a fresta

Tarde morna fora do tempo.
Amigo vento

Sensações, fugas, fantasias e desejos
Então não perca tempo a competir
Leve consigo o antes, o melhor e o mais

Íntima do ínfimo
Escrevo porque preciso
Porque sobrevivo
Escrevo porque não cabe em mim
Escorre de mim, sangra de mim, suspiro
Escrevo porque te amo desde antes e bem depois.

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terça-feira, 18 de agosto de 2015

Piso xadrez.

Não sou gay, não sou negra, não sou pobre mas sofro preconceito todo o santo dia porque sou uma mulher livre. Esquisito isso né?!
Só hoje sofri preconceito em dois momentos. O primeiro durante meu trabalho por uma questão machista que nem vale comentar de tão cretino que o cara foi.
A segunda numa conversa pessoal com uma amiga que veio chorar as pitangas sobre seu filho e eu apenas lhe disse que vá viver, se divertir e namorar e deixe o filho em paz.
Zangou-se: - Você nunca vai crescer, biAh?, perguntou-me estridente.
- Não sei nada sobre isso, respondi.
E assim eu vou desfilando sorridente de camisola no meio de mil gentes da minha idade, mais novos ou mais velhos que simplesmente não aceitam meu jeito de levar a vida.
Só sei dizer que sou bem feliz quando me olho no espelho e não há secura nos meus olhos e tenho o mundo em minhas mãos e nada me impede de nada.
Não ser uma careta assistidora de novela que cozinha pra algum homem mau humorado a coçar o saco em um sofá é a vida que escolhi.
Aliás, eu nem tenho sofá! Joguei fora, me deu nos nervos aquilo plantado no meio da sala! quando eu sou leonina e vivo na cama! Um sofá parece um estacionamento!
Há que se magoe porque não saio muito com amigas pra fazer a hora das meninas porque, sei lá, eu acho infantil essa separação. Passei a vida entre os amigos homens e fico bem a vontade entre garotos, sempre fui uma menina no meio de uma banda só de garotos ou uma cineasta dirigindo garotos ou... e se algum for machista eu dou um jeito de ele morrer de vergonha.
Encontro gente de outros tempos e nem sei mais quem são porque meu tempo é agora e eles ficam olhando incrédulos porque meu mundo tem a mesma curiosidade que sempre teve e não me tornei uma chata desiludida falando mal disso e daquilo com peitos de silicone e perfume demais. Eu quero contar as mil coisas lindas que ando inventando e as pessoas que ando amando e, bem, tá na cara que eu pareço 20 anos mais jovem que muita gente que parou no tempo. Convenceram-se de que há um momento em que viver como bem quiser é proibido?
Sinto muito! Porque não é plástica, não é dinheiro, não é carão amores. Pra ser como eu, o segredo é desobedecer! Desobedecer!
A única coisa que lembro da minha adolescência é que nós eramos contra o preconceito, contra a obrigação de passar pela vida apertando parafusos e temendo a liberdade.
E olha, eu eu falava sério! Eu realmente queria mudar o mundo e não me tranquei numa vidinha contando dinheiro.
Vivo tão intensamente que depois que passou, tá passado, esqueço, tirei tudo o que tinha pra tirar de cada degrau da minha linda vida. Não me presto pra chorar pelo que não fiz ou desacreditar do que quero fazer. Choro por coisas bem mais importantes, como a vontade de ver todas as pessoas com direitos iguais.
Eu vou e faço e quem quiser que me acompanhe e não venha me dizer que devo fazer a coisa certa e vestir a roupa certa.
Meu nome é erro! Meu nome é felicidade e tenho tanto disto que poderia empreender, embalando e vendendo em pequenos frascos. Ia ficar rica vendendo minha alegria sob o sol.
Nunca me tornei uma escrava de nada nem de ninguém. Não separo as pessoas em gavetinhas por cor, gênero, idade, profissão ou classe social.
Os meus pares na vida são de todos os tipos e são todos pessoas lindas e gostosas e queridas e pensam como eu.
Então pra essa gente que acha que me constrange ou me reprime porque lhes dói o fato de eu ter me tornado uma mulher que vive cantando pela rua e não usa batom nem faz luzes no cabelo, só posso dizer que nada me orgulha mais nessa vida do que ser eu e nunca me constrangerei de ser.
Tenho coragem suficiente pra enfrentar o preconceito e não dou a mínima pra o que as carroças estacionadas estiverem ruminando.
Fodam-se os caretas! Vão transar um pouco que a dureza passa! Ou me sigam, remexam essas cadeiras, tirem essa roupa e sintam o vento que venta, amores... A chuva que chove. A vida que pulsa.
Assinado: A rapariga mais livre da cidade!
PS.: Vão se fuder!
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