sexta-feira, 27 de março de 2015

Pizza a Metro ou Um Quilo de Por do Sol

Um amigo que participa do movimento Cais Mauá de Todos​ me convidou a enviar um vídeo testemunhal colaborativo. Sou voluntária em várias causas e entendendo a relevância e urgência da ação, então comecei a selecionar algumas fotos que fiz ali, clandestina, já quando estava proibida a entrada.
Como todos os artistas da cidade, tenho lembranças de vívidos momentos vividos no Cais, onde criar coisas me dava uma sensação de ser parte de um mundo gigante, não dividido em cubículos agorafóbicos. Assustadoramente imenso, impossível dominar o espaço, nos fazendo mergulhar na humildade do coletivo...

Pequena, do nada, estanco!
Ao tentar iniciar o artigo algo seca a garganta dos meus dedos e pouco consigo escrever em defesa do Cais Mauá. Camisa de forças. Uma tristeza que começou desde que o prefeito Jose Fortunati​ demonstrou a sua ignorância e despreparo escarrando na nossa cara a sua luta pela contramão do presente momento mundial, assassinando o bairro onde vivo. Após o filme de terror aqui na Anita Garibaldi e arredores, onde o canto dos pássaros cala um pouco a cada dia e as flores sufocam juntamente com nossas esperanças de um gestor mais responsável, menos comprometido com as construtoras, algo morreu em mim me fazendo pela primeira vez na vida sentir pequena, um nada, pessoinha comum que pode muito pouco diante da maioria.

Eu sofro quando chego na praia que frequento e os sons da natureza silenciam mais e mais a cada ano e não há trabalho voluntário que mude o tom cinza do quadro da dor. Me dói quando volto a Porto Alegre e a vejo agonizar. Desanimo quando estou aqui ou acolá.
Rio Grande do Sul ou Rio Grande do Norte, não há pra onde fugir, não há como sensibilizar vereadores que ganham coberturas em troca de apoio a corporações mafiosas. Não há o que haja.
Não sei dizer nada, sou apenas perguntas.

Gostaria de entender como alguém pode achar normal uma cidade se transformar em um enorme shopping center. Como um povo pode sentir orgulho de perder a cada minuto a sua memória, as belezas naturais e arquitetônicas. O que nos faz sentir tanto ódio de nossa história, tanta vontade de respirar, deglutir, viver (morrer) concreto?
Nós agora somos isso, então? Cada qual um pedaço de cimento moldado em areia roubada, moedas saindo e entrando pelos buracos, passos duros pesados ao encontro da próxima vitrine? Nós perdemos? Morte anunciada?
Até que seja tarde, Porto Alegre valerá cada vez menos, muito menos do que sacolas de compras com a foto de um sol oculto por um mar de prédios espelhados?

Qual é mesmo o signo de Porto Alegre?

sábado, 21 de março de 2015

Outrano

Vento de outono assobiando na janela
Outrano no meu pulmão
O trem não para nunca
Não importa a estação.

biAh weRTher



terça-feira, 17 de março de 2015

1984

Acho que estudos de Zoo humano voltarão a ter sua relevância agora que a Globo perdeu a audiência e vai dar fim ao Zoo de um milhão. Eu acharia interessante um projeto assim no Brasil de hoje, com voluntários, gente comum, sem disputa por carros ou fama, apenas uma jaula pra observarmos pessoas, cada qual na sua loucura, se aturando.
Achei surreal agora quando folheei a tv no Multixô e estavam Marisa e Adrilles brigando sobre o valor das imagens diante do valor das palavras.Marisa não negava o valor destas, mas alegava que as imagens são também uma escrita e, afinal, vieram bem antes. Adrilles dava pulinhos e citava de Borges a Freud.
Exaltaram-se minutos e mais minutos e acabaram partindo para continuar o debate tomando um café, na cozinha. Pareciam gente.
É, acabou-se o tal de BBB. Onde estão as gostosas com vocabulário de 5 palavras??
Lembrei que, nos anos 90 eu assistia um programa no GNT que era um estudo sobre o que seria um zoológico humano. Era numa casa, um retiro em lugar qualquer da Europa que não lembro mais. Interessantíssimo. As pessoas aceitavam ser voluntárias na pesquisa e não concorriam a nada, acho que ganhavam, sei lá, 500 dólares pra se prestar para aquilo. Você assistia e ficava discutindo o assunto horas. Melhor, não sabiam da existência das câmeras e nem da ilha de edição!
Depois, patentearam a ideia e transformaram num programa de televisão que ganhou franquia no Brasil, onde virou um Zoo não exatamente de humanos.
Quando eu li que o Zoo dos robôs iria acabar aqui no Brasil, fiquei curiosa desta versão que não chamou o público e já assisti várias vezes. Gosto do Adrilles porque ele leu grandes autores apesar de ser um cara chato e afetado.
E simpatizei muito com a Marisa pois apesar de não ser exatamente uma idosa, sofre com o preconceito pesado dos mais jovens.
Isso que fazem com ela me remeteu aos primórdios da ideia de Zoo humano, antes de virar programa de gostosos viciados em clara de ovo. Me faz pensar no quanto a velhice assusta e faz as pessoas novas odiarem quem não estica a cara se dar ao displante de mostrar-se na tv. Quero dizer, o fato de ela ser apenas uma senhorinha sem botox ou lipo, faz eles pisarem nela e fazerem deboches pelos cantos, ao invés de aproveitarem o fato de ela ser legal e mais velha. A primeira conclusão que se chega é a de que num programa de TV não se pode ser gente real, normal, que se vê na rua, no supermercado e em casa.
Mas então, se sabemos que na tv não tem gente de verdade, o que queremos?
Queremos ser todos um monte de coisinhas de mentira, um milhão no bolso e a cara esticada Emoticon smile

Vino da Séra.

Desci ali no gringo pra comprar algum vinho gaúcho de uns 25 pila pro jantar, pois ele não vende chilenos ou argentinos.
Sempre que estou ali fuçando, ele vem conversar comigo sobre vinhos. É que nem o gringo da vendinha lá da praia, que só tem vinho ruim, mas os que ele bebe são bons, então sempre que chego por lá ele desencanta uns melhorzinhos pra mim.
E hoje, do nada o gringo me vem:
- Buonasera! Quero te dar un vino que tenho aqui escondido, que tamu fazendo lá no interior de Caxias.
- Ai meus Deus, disse eu... Se eu já não gosto nem dos vinhos bons da gente.
Não, ele não se ofende com minhas piadas, cresci vendo o pai batendo papo com amigos enquanto eles pisavam nas uvas dentro de uma tina gigante no porão de pedra, lá na Vila Nova. Não vou dizer quando comecei a provar vinhos, porque as pessoas que não nasceram em uma estância gaúcha pra mais tarde irem morar num sítio numa região só de gringos vão ter faniquito de apartamento.
Mas voltando:
- Tu vai gostá, é seco! Isso é o melhor vinho de garafón, guria. Se não gostar, me devolve.
- Tudo bem - com ar de receio - e que uva é?
- É Moscato, essa uva é muito delicada, não dá pra fazer grande quantidade porque tem safra que ela vem com pouco açúcar, daí o pessoal que tem rótulo, mistura no Riesling.
- Puxa... vivendo e aprendendo. Qualquer coisa, uso ele no molho. Mas bá, deve ser por isso que eu tenho até chilique se alguém me oferece um Riesling.
- Tu vai gostá, guria!
Um vizinho vê o papo e resolve comprar uma garrafa. Sete e cinquenta! Ah, penso eu, ruim ou bom, esse gringo transforma tudo o que toca em dinheiro.
- Tá, aceito. Mas então a gente faz um trato!! Se eu gostar e tu começar a vender bem o teu vinho, tu vai me contratar pra criar um rótulo pra ele. Se o vinho não ganhar prêmio, o rótulo ganha!! Fechado?
- Combinato!!

quarta-feira, 11 de março de 2015

THX 1138

Hoje a tarde eu estava caminhando e escutando música dentro dos meus fones. De repente, do outro lado da rua vi um monte de gente fazendo o mesmo gesto. Eram transeuntes, gente estranha entre si mas idêntica nos movimentos. Pareciam ensaiados, uma dança tecnológica. Todos movimentavam os braços, levantados para o mesmo lado com celulares na ponta dos dedos, filmando juntos qualquer evento. Não vi o que eles filmavam, um ônibus passou na frente, depois outro, uns carros, me distraí. Quando voltei a olhar, segundos depois, eles estavam todos caminhando, dispersos, ensimesmados, como se um hipnotizador tivesse estalado os dedos e os mandado acordarem e seguirem seus caminhos.
Hoje eu estava jantando quieta no meu canto, observando... observando, que é uma mania minha. De repente vi um grupo de 5 ou 6 pessoas não muito bem humoradas, sentadas diante dos seus hambúrgueres. Até que alguém pegou um pau de selfie e gritou: - Agora.
Num segundo todos correram, formaram um montinho de cabeças num canto da mesa e fizeram algo com as bocas que me lembrou sorrisos.
Um instante depois, a pessoa avisou "feito" e todos fecharam a cara, se recompondo, cada qual em seu canto, alguns mexendo os dedos no celular, outros com a cara na maionese.
Hoje. eu voltei do jantar e fiquei perto da janela pintando umas coisas até que parei para procurar a lua. De repente, percebi que todas as janelas guardavam lá dentro televisões quase no mesmo local das salas, exibindo as mesmas imagens numa sincronia semelhante aos filmes futuristas dos anos 70.
Olhei pra minha gata Uma, deitada na janela, e perguntei: - Será que só eu ando vendo isso???!!
Ela me olhou superior, se espreguiçou e voltou a dormir.

terça-feira, 10 de março de 2015

Glossário

Morreu hoje um menino de 14 anos, espancado por colegas apenas porque era filho de um casal homossexual.
Tenho trauma de notícias assim, então passei o dia pedindo para que as pessoas não comentassem os detalhes de dor dessa criança na minha frente. Mas claro, acabo de ler um artigo a respeito.
Dizem que só na nossa língua existe o vocábulo "saudade". Eu sinto saudade de quando a gente via o Brasil como um país livre de apedrejamentos e barbárie. Convivência pacífica, diziam os mais velhos.
- Capaz, no Brasil não acontecem essas coisas. Não se decepa o clitóris de uma menina, não se queima um ser humano vivo por desrespeitar a religião e mostrar os cabelos em público. Não há racismo, neo nazismo, KKK, muito menos líderes religiosos fanáticos e cheios de ódio.
Cresci escutando: Aqui não.
Após superarmos a ditadura militar, então... Parecia uma nação em festa. O país brindando nossa cordialidade, nosso DNA de povo que samba feliz e unido independente de credo ou gênero ou da cor da pele.
Agora, com os pés fincados bem no meio do futuro, já se vê que andávamos distraídos. Também seremos a pátria que reinventou o significado de "direito"?
Sei lá... não sei que nome se dá para o que sinto com notícias como essa de meninos mortos porque são pobres ou porque são gays ou porque são negros.
Quero perguntar para os fanáticos, olhando seus olhos secos de ódio:
- Me respondam já. Quem afinal tem o direito à vida? Quando doutrinam suas crianças para a intolerância, vocês apenas os ensinam a espancar colegas diferentes, ou há algo concreto que os exércitos urbanos da ira aprendem antes de saírem às ruas para matar?
Há quem dê de ombros, há quem como eu sinta medo, tristeza, dor, trauma, revolta. E há os nascidos para odiar a felicidade e a liberdade do outro...
Que nome se dá para essa sensação de que algo terrível e covarde pode estar acontecendo nesse exato momento com alguém que apenas é diferente de outro alguém? Já inventamos essa palavra?

sexta-feira, 6 de março de 2015

Dia de pá nelas.

Meu trabalho é feminino. Como qualquer fêmea, seios, sangue e leite. Gesto, inspiração, espelho, centro, sombra ...
O que seria um dia de homenagem às mulheres nesse espaço-tempo orgulhosamente fálico? Entre mulheres contidas e agradáveis - coisa que não sou - sei apenas que o mote da data anda meio deturpado e que, mulher, todo o santo dia erro, acerto, aprendo, enfrento, gozo, sangro e curo a meu modo as feridas.
Dia internacional da mulher... não sei nada sobre isso.
*Da série Líquido Olhar: 
Foto e Arte biAh weRTher 
Modelo Mia Maria Eduarda Barcellos
Assistente Patrick Dos Santos


quarta-feira, 4 de março de 2015

Aula de não-roteiro

Encontrei esse RASCUNHO do MOSCAS VOLANTES número 7, lá por 2006 ou 2007, de quando a saga de Rita passa pelo roteiro do Bitols O Filme​, na época nos ensaios e pré-produção.

Moscas Volantes 7
A verdade de Jorge e Paulo segundo Rita.

De quando ela retornou de Andaluzia e resolveu visitar o extinto Cine Baltimore.
Naquela noite, em um porão na Azenha, os dois ensaiavam não contando com a surpreendente aparição. Rita sabia, a canção era sua.

Ao descer do táxi esbarra no homem que pichou a Casa Branca e agora procurava a Rita Lee na Lancheria do Parque - isso foi antes de ele morrer na esquina da Vasco da Gama com
a Felipe Camarão ao chocar seu fusca branco com o chevette onde o garoto de programa - que tinha o dedo do pé chupado vorazmente nas madrugadas das segundas pelo velho juiz - chupava o pau de um carioca de uns 33 anos.

O homem não encontrou a Rita Lee, apenas o Nei Lisboa. Então saiu
desolado da Lancheria do Parque e comprou um baseado na calçada para dar tempo de as duas histórias se cruzarem. Ele uma mosca, ela temporariamente personagem de um filme de época.

Enquanto o homem louco saiu em busca de seu destino trágico,
ela parou diante do Cine Baltimore, suspirou e invejou o próprio passado. Pegou sua caderneta comprada na Andaluzia, numa das poucas
vezes em que se afastou do farol, e escreveu com os olhos em lágrimas a conclusão que poderia ter sido enviada por Guilherme Pilla:
FAXION = FIXION CAUTELA = CAUTELA

Quase pediu um X-galinha, mas resistiu:
“Si no eres flaca, no eres linda.
Ser delgada es más importante que estar sana.
No te olvides de contar las calorías para comer sin
culpa. El agua es suficiente para sobrevivir."

O homem louco que procurava a Rita Lee agora sangra entre as ferragens.
De manhã, bem cedo, João Pedro liga para o seu pai, aquele que sempre quisera pichar a casa branca. Ele nunca mais atendeu o telefone. Rita já está diante de Jorge e Paulo, perplexos.

Foto de um dos primeiros ensaios do Bitols. Leonardo Machado, Leo Felipe, biAh weRTher