quinta-feira, 23 de julho de 2015

Valsa

O vento gela, te leva, me esvazia
O vento afasta, troca, anuncia
Me move, folha arrastada em água fria
Ventana trêmula
Olho na fresta
O vento nas ventas
Sangra a floresta
Vento me busca, me voa, me abre
Eu viro sumo
O vento me invade
Revira o estômago, enche o pulmão
Minuano, sombra que dança
Puxa o cabelo, me trança
O vento é fim dentro de mim
O vento é novo, bafo quente, início
Me preenche...
Chama reluzente, desprendimento
Distração, um vulto ardente.
]bw[


O bule dos adultos, a sororidade, o porão e a letargia.


Nas relações de hoje, tempo em que mulheres falam, a competição é ouro, um vício, a doença humana mais recorrente, causadora de todos os males modernos que a maioria tenta controlar com química, tutoriais de meditação ou pagando o dízimo.
No caso do machismo, esse monte de escaninhos que chamamos de sociedade ainda disponibilizam as armas a homens e mulheres para que as nossas relações se mantenham numa terra sem lei.
Seguimos permitindo que a intimidade muitas vezes se torne uma disputa até pelo que ninguém tem, pelo que não há, pelo que não se precisa para ser feliz. Um dia, você acorda com o inimigo, tipo filme B ruim. E ele não está para brincadeira.
Que atire a primeira pedra quem nunca percebeu, do nada, que caiu em uma armadilha. Quem nunca levou um susto imenso ao se deparar numa realidade onde alguém de sua absoluta confiança passa a agir como um estranho no meio de um campo de batalha? Poucas mulheres que conheço, das mais variadas idades, nunca se encontraram um dia diante de um estranho que usa a pessoa mais próxima, que mais o ama, portanto desarmada, como o saco de pancadas onde ele irá desopilar seus medos, limitações e recalques.
Em geral, algo em nós mulheres, seja por cultura, seja por instinto, nos leva a querer cuidar e defender os nossos abusadores. Vira uma pegadinha, Síndrome de Estocolmo, onde a estratégia do controlador é derrubar a sua auto estima numa espécie de tortura cuidadosa, lenta, a apertar os olhos e olhar você com um ar de "você é uma vergonha "você é louca", "você está cheia de ódio". E, de fato, naquele momento humilhante e indefeso, você sente ódio.
E ele sempre terá umas amigas novas e uns amigos antigos a se juntarem em uníssono: "Você é louca". Essa parte é fundamental pra deixar o bule bem certinho e você bem encolhidinha.
Um abusador, seja pra roubar um projeto seu, direitos seus, seja pra roubar tua alma, tua beleza, credibilidade, pureza, seja por vingança ou ciúme, desamor, seja porque quer estuprar você dentro de casa, seja pra se sentir alguém menos pequeno como ser humano, vai te chamar de louca (ops! isso eu já disse... tou ficando louca), vai te expor em público, cortar tuas falas pela metade com ironia, te humilhar em uma reunião de trabalho ou informal, te convencer que se você não aceitar abusos você será considerada destemperada e que é melhor você ficar calada, ser uma moça elegante pra não ser estigmatizada. É aos poucos, você nem nota...
Vai te deixar paralisada e enquanto você fica na torre ele vai sorrindo e sambando, assinando coisas que você construiu, com a certeza da impunidade, porque você está trancada no armário tomando rivotril.
Um abusador, geralmente, quando sai da sua vida é porque sugou sua última gota, você está inerte num porão, você escondeu os espelhos, você se acha menor, você não se reconhece, você perdeu você mesma e chega a acreditar que ele deve estar certo, você está louca e não foi você quem pagou aquela conta, fez aquele projeto, ficou noites sem dormir pra conquistar alguma coisa que agora, tomada pela insegurança, já nem sabe se merece e nem adianta saber porque ele já subiu no pódio da vida levando consigo.
Mas a pior parte do abuso é que você está tão frágil que não quer se expor e não conta pra ninguém, e tateia em direção à escada, do zero, esperando que o universo conspire e a justiça se faça qualquer dia desses. Porque você, você só quer esquecer e fingir que não deixou no porão muitos dos seus sonhos e na impunidade do abusador muitas das suas conquistas.
Dos primeiros abusadores a gente não tem como fugir porque ninguém nos explica, nossa mãe geralmente acha um a-mor. Os primeiros abusadores a gente só descobre quando já está com vergonha de existir e não sabe quando e como começou o processo, mas que temos que ressuscitar e tratar as dores no corpo físico e no corpo astral como quem sai de uma surra de cinco séculos e cabelos queimados na fogueira.
Mas depois de um tempo, quando a vida corre, a gente reconhece os sinais de um princípio de dominação. Há quem, ainda sim, diga sim para um novo ciclo de tortura, porque não há uma busca de cura social. O machismo nunca foi curado e é orgulho nas melhores famílias e grupos.
Do abuso moral dentro das casas pouco se fala, porque é daqueles assuntos que se cala. E o pior, muito pior do que tudo nessa vida de guerra entre humanos é que, sei lá porque, ainda não criamos abertamente um canal que defenda mulheres do abuso moral, do abuso emocional, aquele que deixa marcas nem tão invisíveis, aquele que tira o brilho e doçura.
Assim, todo o santo dia, novos abusadores sendo preparados - e não são poucos e parecem gente normal. Toda santa noite, novas presas, novas vítimas, novas zumbis, novas mortes em vida, novas mortes em morte mantendo o silencio ensurdecedor da podridão oculta nas vizinhanças cheias de datas, carros, títulos e sei lás.
Em meio a tantas máscaras milenares, felizes mesmo são os vendedores de antidepressivo!

terça-feira, 7 de julho de 2015

Ruas Avenidas

E assim, as pessoas passam como rios e fontes.
Algumas, chuva forte em minha cabeça, escorrem no meu corpo e perdem-se no ralo.
Há os orvalhos lentos, profundos, quase fúnebres que evaporam ao sol...
Poucas me devoram como ondas do mar.
Existem ainda as marolas, lambendo mansamente as pernas...
Em frente, me pergunto quais delas serão eternas.
]bw[