domingo, 30 de agosto de 2015

As bailarinas e as camisas de força.

A sociedade moderna do aspirador de pó, toda angulosa com seus armários brancos de mdf, suas pílulas, anti histamínicos e porcelanato. A sociedade bélica que hostiliza os diferentes, mora em escaninhos, morre de medo de lagartixa e tem nojo das pétalas coloridas que as árvores insistem em derramar pra sujar a pintura brilhante dos carros, como se nós fossemos acaso aceitar presentes coloridos leves que descem do céu como bailarinas doces e a gente varre, varre e varremos e esfregamos e limpamos a lama da natureza e escondemos o lodo dos nossos caráteres mal disfarçados.
Essa sociedade passa o tempo todo nos bombardeando com a ideia fixa de não viver o presente. É pai, é mãe, é professor, é uma legião em uníssono na ladainha. Pensar agora é irresponsável, você deve viver pelo e para o futuro. Assim, doutrinados, vamos imaginando que ficaremos pra semente e que a propaganda de banco tá mais é certa e a gente precisa lamber o cabelo, se meter num salto, fazer carão, não perder tempo olhando o sol, que mastigar com gosto cada passo como se fosse o último é coisa de gente pouco competitiva, de losers. Tem que ter pressa sei lá do quê, menos de viver, ver, sentir coisas que dinheiro não compra.
Conheço gente que se orgulha de estar sempre estressada, conheço um povo que chega a mentir que tá sempre ocupado, porque ter tempo pra transar, pra rir, pra não pensar em nada seria uma pouca vergonha.
Daí o sol se põe e tu ali fazendo as contas, as pessoas passam e ficam as moedas nos bolsos. A gente morre e não fez aquilo que mais precisava ter feito, a pessoa morre e tu não tinha dito ainda que ela era importante.
Eu é que não vou beijar papéis e dançar com títulos. Não contem comigo pra deixar o amor pra amanhã. Eu paro e converso com os mendigos da rua, mudo o caminho só pra procurar água pro cachorrinho abandonado, pra salvar um passarinho que caiu do ninho, cancelo a reunião pra fazer o favor pra um amigo. Quero quem amo agora, porque amanhã nunca se sabe, amanhã é uma hipótese, amanhã só existe na propaganda da televisão, no discurso.
Isso de deixar avida pra amanhã pode ser um tiro no pé. Isso de escolher uma profissão pelo dinheiro e não pelo prazer, não pra se satisfazer é coisa de maluco.
Eu me divirto, eu mudo por pouco mais de nada, eu vou até o final, eu esgoto, erro por amor, perco a hora, paro no caminho, faço o que bem entendo.
Porque o passado passou e o futuro não existe. Isso de vida moderna versus liberdade, isso de que ser feliz é uma impossibilidade, isso são bobagens que andam colocando na tua cabeça.

]bw[

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Eu mesma


E caso eu não fosse eu, se eu acordasse outra
Você ainda me amaria?
E quando você me deixasse,
Se eu arrancasse a minha máscara em plena luz do dia,
E prometesse mudar - e mudaria? -
Você voltaria?
E caso você voltasse e visse que eu ainda era eu
Que, de ser eu, eu nunca deixaria
Você de novo me abandonaria
Na madrugada suja, muda, em transe,
No trânsito, meu corpo lotado do teu, minha mão nos teus cheiros
Nos muros, os cantos escuros
Querendo você por dias inteiros?
E se eu, então, não pedisse, nem prometesse
Desistisse de ser outra, quantas chances eu teria?
E se mesmo sendo eu e não conseguindo deixar de ser,
Eu corresse ao contrário, voltasse o tempo em tua direção
Te pedindo atenção, meus dois seios de novo nas tuas mãos,
Você ainda me desejaria ou você levantaria o queixo
Me analisaria, eu sendo eu, pra me dizer não,
O que me desconcertaria e você me levaria
De volta à rua vazia?
Como seria se eu, sendo eu mesma,
Me sentisse outra diante de você
E eu não conseguisse explicar que mesmo eu só sabendo ser eu
Não sei ser eu sem você?

]bw[

domingo, 23 de agosto de 2015

Mínima

Não escrevo um poema em busca da melhor das rimas
Não forjo a composição para competir com a tua poesia
Nada sei sobre os meios

Do princípio do meu vício
Só me ocorre a solidão                       medo
Escuro, insônia, vultos nas cortinas
As formas nas nuvens, esconderijos, grãos
Porão, marca, cheiros, frio                 fumaça
Meu corpo no chão.
Passos, sussurros, a lágrima quente            o jasmim.
Micro partículas reluzindo no lento raio de sol
O mesmo raio desmaiado esgueirando a fresta

Tarde morna fora do tempo.
Amigo vento

Sensações, fugas, fantasias e desejos
Então não perca tempo a competir
Leve consigo o antes, o melhor e o mais

Íntima do ínfimo
Escrevo porque preciso
Porque sobrevivo
Escrevo porque não cabe em mim
Escorre de mim, sangra de mim, suspiro
Escrevo porque te amo desde antes e bem depois.

]bw[

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Piso xadrez.

Não sou gay, não sou negra, não sou pobre mas sofro preconceito todo o santo dia porque sou uma mulher livre. Esquisito isso né?!
Só hoje sofri preconceito em dois momentos. O primeiro durante meu trabalho por uma questão machista que nem vale comentar de tão cretino que o cara foi.
A segunda numa conversa pessoal com uma amiga que veio chorar as pitangas sobre seu filho e eu apenas lhe disse que vá viver, se divertir e namorar e deixe o filho em paz.
Zangou-se: - Você nunca vai crescer, biAh?, perguntou-me estridente.
- Não sei nada sobre isso, respondi.
E assim eu vou desfilando sorridente de camisola no meio de mil gentes da minha idade, mais novos ou mais velhos que simplesmente não aceitam meu jeito de levar a vida.
Só sei dizer que sou bem feliz quando me olho no espelho e não há secura nos meus olhos e tenho o mundo em minhas mãos e nada me impede de nada.
Não ser uma careta assistidora de novela que cozinha pra algum homem mau humorado a coçar o saco em um sofá é a vida que escolhi.
Aliás, eu nem tenho sofá! Joguei fora, me deu nos nervos aquilo plantado no meio da sala! quando eu sou leonina e vivo na cama! Um sofá parece um estacionamento!
Há que se magoe porque não saio muito com amigas pra fazer a hora das meninas porque, sei lá, eu acho infantil essa separação. Passei a vida entre os amigos homens e fico bem a vontade entre garotos, sempre fui uma menina no meio de uma banda só de garotos ou uma cineasta dirigindo garotos ou... e se algum for machista eu dou um jeito de ele morrer de vergonha.
Encontro gente de outros tempos e nem sei mais quem são porque meu tempo é agora e eles ficam olhando incrédulos porque meu mundo tem a mesma curiosidade que sempre teve e não me tornei uma chata desiludida falando mal disso e daquilo com peitos de silicone e perfume demais. Eu quero contar as mil coisas lindas que ando inventando e as pessoas que ando amando e, bem, tá na cara que eu pareço 20 anos mais jovem que muita gente que parou no tempo. Convenceram-se de que há um momento em que viver como bem quiser é proibido?
Sinto muito! Porque não é plástica, não é dinheiro, não é carão amores. Pra ser como eu, o segredo é desobedecer! Desobedecer!
A única coisa que lembro da minha adolescência é que nós eramos contra o preconceito, contra a obrigação de passar pela vida apertando parafusos e temendo a liberdade.
E olha, eu eu falava sério! Eu realmente queria mudar o mundo e não me tranquei numa vidinha contando dinheiro.
Vivo tão intensamente que depois que passou, tá passado, esqueço, tirei tudo o que tinha pra tirar de cada degrau da minha linda vida. Não me presto pra chorar pelo que não fiz ou desacreditar do que quero fazer. Choro por coisas bem mais importantes, como a vontade de ver todas as pessoas com direitos iguais.
Eu vou e faço e quem quiser que me acompanhe e não venha me dizer que devo fazer a coisa certa e vestir a roupa certa.
Meu nome é erro! Meu nome é felicidade e tenho tanto disto que poderia empreender, embalando e vendendo em pequenos frascos. Ia ficar rica vendendo minha alegria sob o sol.
Nunca me tornei uma escrava de nada nem de ninguém. Não separo as pessoas em gavetinhas por cor, gênero, idade, profissão ou classe social.
Os meus pares na vida são de todos os tipos e são todos pessoas lindas e gostosas e queridas e pensam como eu.
Então pra essa gente que acha que me constrange ou me reprime porque lhes dói o fato de eu ter me tornado uma mulher que vive cantando pela rua e não usa batom nem faz luzes no cabelo, só posso dizer que nada me orgulha mais nessa vida do que ser eu e nunca me constrangerei de ser.
Tenho coragem suficiente pra enfrentar o preconceito e não dou a mínima pra o que as carroças estacionadas estiverem ruminando.
Fodam-se os caretas! Vão transar um pouco que a dureza passa! Ou me sigam, remexam essas cadeiras, tirem essa roupa e sintam o vento que venta, amores... A chuva que chove. A vida que pulsa.
Assinado: A rapariga mais livre da cidade!
PS.: Vão se fuder!
]bw[

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Nós na Dinamico FM

Visitaê! Mais uma das entrevistas nonsense para o Fábio Godoh. Vale escutar.

http://dinamicofm.com.br/2015/08/11/bockcast-bock-show-ter11ago-com-bia-werther-e-gabriel-flag/


O dia seguinte

Grito que não grita.
Fome. Teus dentes no meu pescoço.
Um saco de ossos quebrados, eu.
Vieste sobre mim,
Dedo em riste como tiros de fuzil.
Atropelada por uma estrela cadente
Sangro tua vontade oculta.
Só, no guarda roupas,
Aguardo o sol poente.
Eu e as palavras,
Tua chuva doce de palavras e quereres
Que leio, leio e, no ato, nada.
Sentados ali, eu do tamanho de uma pulga.
Susto. Grito que não grita.
É no dia seguinte, quando o corpo esfria,
Que se conhece o tamanho da dor.
]bw[

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Agosto

Não costumo ter inferno astral, porque estou sempre apaixonada e feliz, cuidando de minhas coisinhas. Porém, fico reflexiva,,,
Estava a pensar na minha relação com meu filho, que sempre foi muito adulta, apesar de ele ser mais adulto que eu. De como tivemos força pra fugir do lugar comum onde uma mulher resolve jogar em seu rebento suas carências e passa a querer apropriar-se da vida do outro, só porque casualmente esse outro veio parar nesta dimensão por seu intermédio. Penso sobre o quanto sofro e sofrerei a cobrança de, muitas vezes, ser mãe por skype, viajar a trabalho quando a uma mãe cabe apenas se doar e bater no peito a dizer com orgulho que não pensa em si. Não padeço em paraíso algum!
Nunca me apeteceu ficar conversando sobre o formato das fraldas descartáveis no playground, mas assistíamos desenhos animados, tomávamos banho juntos, fazíamos filmes e músicas e ríamos muito, ríamos e dávamos cambalhotas e deixei que ele preferisse nuggets com miojo a cenouras e alface. Desenhávamos juntos nas paredes e boa parte destas artes foram incorporadas na decoração, suas primeiras obras.
Depois a gente se respeitava, eu me divertia de um lado e ele do outro. Sentíamos falta quando um de nós estava longe, mas a vida é assim. Há lugares pra conhecer, tarefas a cumprir e algumas não tem que ser com a mãe ou com o filho. Cada qual vai andar sozinho, tomar decisões.
Hoje peço licença para opinar sobre o que importa, mas nunca me senti no direito de resolver qualquer das suas escolhas do dia a dia. Ele, por outro lado é muito paternal comigo, coisa de capricorniano, sempre cuidadosos e provedores, diante dos leoninos extasiados ao sol.
Há um preconceito ao nosso redor por eu não querer saber o que ele comeu hoje ou não ligar o tempo todo a perguntar se pegou o agasalho. O que agasalha meu coração é a facilidade com que nos dizemos eu te amo e como ele me abraça e aceita qualquer das minhas decisões pessoais que, decididamente, não são parecidas com as decisões de noventa por cento das mães. Eu sou uma mãe que ama ser uma mulher e sou antes de mãe uma mulher. Sou presente, sou ausente, sou o que posso ser, mas nunca serei aquela que vai cobrá-lo, seca e dura, para que seja uma extensão dos meus sonhos, destes cuido eu.
Sumo, não faço dele o centro dos meus dias e o meu amor por ele não compete com os outros amores que sinto. Cabe tudo no meu peito.
O que nos ligará é a liberdade do ser. Parecidos somos, mas não por obrigação, e sim por que nos une um desejo de inventar coisas que causem sentimentos nas demais pessoas. Ele músico, eu uma miscelânea criativa. E quando me perguntam porque eu sou tão jovem, eu não digo nada mas penso:
Deve ser porque nunca procriei um escravo.
]bw[

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O quadrado e o círculo.

O quadrado e o círculo
Vê o círculo de giz? Então te afasta!
Alimenta rudes questões pras quais já inventaste as respostas.
Morre de medo e me deixa em paz.
Me esquece onde me transfiguro aqui no mundo que eu mesma fiz,
Nem pensa em tocar na minha linha invisível que separa a coragem do impossível
Guarda distancia da minha ânsia
Anos luz da semelhança
Mantém lá fora os nãos!
Porque eu... eu não posso com essa mania de realidade
Diferenças e frutos proibidos. Não me aguento diante de tanta sobriedade
Não tenho portas e desfilo em três caminhos que se fundem e dão no mar.
O mar...
Nunca soube dos sistemas angulares, lineares...
Digeri aí o teu tudo, a tal de métrica.
Não obedeço nem padeço, simplesmente esqueço
Faltei no curso de crueldade
Nada sei da exatidão, vergonha, religião.
Fica fora do meu Não espaço!
Longe do meu Não domínio
Segue cego pela concretude
Acumula tuas coisas e coisinhas
Esteja seco do meu orvalho.
Não tenta desvendar, aproximar
Você nunca vai entender que nada há.
Nem chaves, nem ponteiros.
Aqui dentro é fora!
Só o sal, musgo e desejo.
Não há dentro, só o vento.
Aqui é o nada porque de nada se precisa.
Só a invisibilidade.
E sabes do que mais?!
Nunca existiram os tais limites.
Nunca desenhei qualquer círculo de giz!
Eu menti!
Você não viu que não tinha nada pra se ver?
Era apenas ser, meu bem... Apenar ser.
]Ana Beatriz[

sábado, 1 de agosto de 2015

Comensal

Tua voz, quando estamos a sós, 
é tão mansa
que qualquer bobagem é um sinal
A minha garganta fica burra e só gagueja verdades
E o meu nome é esperança
de que a noite não acabe.
O teu silêncio me mata.
Quando te animas em propostas
aceito o mais tolo dos convites
festejo o mais idiota dos lugares.
Mergulho em perfume, morro de ciúme
e me traduzo em versão ridícula.
Teu gesto, quando estamos sós,
é tão lento
que mesmo a pior música é dança
O teu olho vaga quando somos nós dois, intimida.
Acelero ao encontro, então chego e paro de respirar.
Tanto que vejo flores saindo do asfalto
Tropeço no invisível, caio e desmaio para o alto.
Atravesso as paredes em busca.
Tua palavra, quando o tempo para
Faz de mim uma pluma e de ti a brisa.
E é só... bruma... líquido...
Só nós dois examinando a lua, atirados no alto
Da duna macia onde morro mastigando tua voz.
]bw[