terça-feira, 29 de setembro de 2015

Eu escuto vozes.

Falar de mim parece uma loucura, mas penso que olhar pra dentro de si é a melhor contribuição que alguém pode dar pra o mundo ficar melhor.
Dizem que estamos sempre em guerra, que o medo instaurou-se como nunca e que o ódio é só o que temos hoje pra deixar para as próximas gerações.
No meio disso, os loucos.
Quando eu durmo, há vezes que me vejo pequena num canto escuro e acima de mim, rostos conhecidos de antes, de agora e do depois estão com os dedos em grande angular na minha cara a me dizer que sou louca.
Aí eu acordo e vejo que não era sonho, até porque sonho, em tese, é algo que se almeja. E eu nunca almejei ser considera a boca miúda ou graúda, frente a frente ou pelas costas, por amores ou desafetos uma louca diferente, avessa ao que uma boa moça deve ser.
Me pergunto o que é, quem é, porque é o louco?
Das pessoas que, como eu, passam pela vida estigmatizadas, atiradas nessa condição, leio teorias e auto-defesas e vejo telas pintadas com sangue e colagens doloridas feitas em hospícios e escuto músicas e ouço gritos - por vezes internos - sobre isto do ser considerado louco, à margem de algo que deve ser feliz, perfeito, colorido, ensolarado e belo e que nunca saberemos alcançar, por que somos loucos. O normal... aquilo que não nasci pra entender.
É uma vida inteira. Mesmo quem canta que é feliz por ser louco está mentindo. Ninguém gosta ou se orgulha. No fundo, o louco queria não ser tão diferente a não ser que entendesse onde está essa diferença que os outros veem se quando olhamos no espelho está ali o que todos tem: pele, dentes, cabelo..
Há uma dor infinita no coração dos loucos, nas cabeças dos loucos, nos estômagos e fígados e pés, olhos...
Principalmente nos ouvidos
No meu caso, para os psiquiatras e psicólogos que já frequentei, não sou uma louca.
Para os entendidos, sou normal. Tenho só um tanto de ansiedade, empatia em excesso, uma criatividade que me torna a mais distraída, uma tendência a trocar a noite pelo dia - o que já está provado que não é loucura - e uma saúde de ferro que faz de mim uma pessoa que vive se quebrando toda porque tem excesso de energia.
Certa vez, fazendo piada diante do meu desespero de não conseguir explicar para as pessoas que não considero elogio quando me chamam de louca, uma psiquiatra me disse que seria interessante eu levar na bolsa um comprovante de normalidade. Daí eu disse que "eles" iriam rasgar e ririam na minha cara. Então e ela me perguntou: - Eles quem?
Bah, não sei, não sei nada sobre isso. Estou tentando me conhecer e ser melhor, não sei quem são os outros, eles que saibam de si!
São anos, milhões de anos sendo convencida de que sou uma louca. Deve ser alguma magia que me jogou alguma índia no dia que nasci naquele inverno numa cama de estância: O seu destino é o desvario.
Se você está louco pra me conhecer, prepare-se. Cedo ou tarde você me dirá isso, do nada, no meio de um jantar, num show gritando um pouco e sorrindo, passeando na praia, comentando um filme.
Um dia você dirá! No começo como uma graça, un passant; depois com um pouquinho de acidez; com o passar do tempo com vontade, sangue nos olhos. E daí virão as variações: louca, esquizofrênica, paranoica. Depois, não importa o que eu fizer, se rir, se chorar, se fizer cara de paisagem... a qualquer reação você apontará e me dirá: - Viu? Sua doida!
É verdade, eu escuto vozes e elas dizem que eu sou louca. E eu fico louca de vontade de argumentar que eu não sou, mas quando as pessoas estão me chamando de louca, elas ficam loucas, elas não me escutam e tudo o que eu disser será usado contra mim. Então, num determinado momento eu paro de tentar explicar e corro pro meu canto no meio das minhas coisinhas e, cansada, toda despenteada - eu, como toda louca, não penteio os cabelos - faço retratos de mini mundos e observo o desenho que o sol faz nuns cantinhos. Porque o sol me persegue mesmo que eu cerre todas as ventanas e me encolha atrás das cortinas. E enquanto eu estiver quieta no meu canto, alguém lá fora estará comentando sobre como sou louca e outro alguém vai concordar: - Aham!
E então eu adormeço e, alienada, não sonho mais com pessoas que me chamam de louca porque eu não sou tããão louca assim. Tem vezes que eu sonho com espaço, um ar fresco com gosto lilás, grandes capinzais, mares infindos, sons de vida, musgos, risos e que eu tenho asas e que posso conversar com os mortos, porque os vivos, ai sei lá... os vivos não aguentam mais a minha anormalidade.

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domingo, 27 de setembro de 2015

A ponte reúne enquanto passagem que atravessa.

Não vejo as pessoas do dia a dia - tão revoltadas com a crise dos juros - raciocinando sobre a história presente que grita nas fronteiras. Talvez porque a nova ordem mundial seja de uma globalização contraditória que divide tudo e todos em um picadinho desconexo.
O nosso presente é uma cobra mordendo o rabo, onde cremos que a história da humanidade deve ser interrompida, entrecortada e descontinuada a cada novo dia num processo de lobotomia festiva, conforme ordenam as propagandas de carros, comida industrializada e pastas de dentes - de roteiros e estética iguais em todas as línguas - enquanto nas fronteiras se espremem os hiatos, iguais em todos os tempos.
Desprovidos de olhar periférico, temos uma memória que dura os 30 segundos da propaganda que nos resolve foréver young como se o presente fosse separado de uma homogeneidade e todo o conhecimento e conquistas estivessem resumidos a descobertas de design.
A grande contradição nesse processo é que a mesma submissão ao super mudérno nega o que haveria de valioso no presente, como o fato de ser parte, caminhada e não início, final , muito menos único.
Na mesma corrida pelo imediato global, também nos rendemos aos conceitos arcaicos de espaço - como um sinônimo da propriedade e do poder - e guardamos com louvor doenças que cansamos de tentar curar no passado - como o extremismo patriótico e as guerras santas. Acreditamos num futuro de ódio, competições por notas de dinheiros e servilismo cultural, mantendo as tantas formas de escravidão como um item necessário.
Me parece que a história do agora está sendo escrita, de verdade, nas fronteiras. É ali que num futuro distante alguns tentarão decifrar o nosso tempo.
Nisso, estava aqui relendo um texto de espectro bem amplo a respeito dos conceitos de pós-modernidade; da sensação que alguns médios tem de que representam o "além" numa sociedade da estética; e do mundo paralelo nas fronteiras.
Olha que interessante:
"O além não é um novo horizonte nem o abandono do passado...
(...)
"Além" significa distância espacial, marca um progresso, promete um futuro; no entanto, nossas sugestões para alcançar a barreira ou o limite - o próprio ato de ir além - são incogniscíveis, irrepresentáveis, sem o retorno ao "presente" que no processo de repetição torna-se desconexo e deslocado. O imaginário da distância espacial - viver de algum modo além da fronteira de nossos tempos - dá relevo à diferenças sociais, temporais , que interrompem nossa noção conspiratória da contemporaneidade cultural.
(...)
Se o jargão dos nossos tempos - pós-modernidade, pós colonialidade, pós-feminismo - tem algum significado, este não está no uso popular do "pós" pra indicar sequencialidade - feminismo posterior - ou polaridade - anti-modernismo. Esses termos que apontam insistentemente para o além só poderão incorporar uma energia inquieta e revisionária se eles transformarem o presente em um lugar expandido e ex-cêntrico de experiência e aquisição de poder. Por exemplo, se o interesse no pós-modernismo limitar-se a uma celebração da fragmentação das "grandes narrativas" do racionalismo pós-iluminista, então, apesar de toda a sua efervescência intelectual, ele permanecerá um empreendimento profundamente provinciano.
A significação mais ampla da condição pós-moderna reside na consciência de que os "limites" epistemológicos daquelas idéias etnocêntricas são também as fronteiras enunciativas de uma gama de outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes - mulheres, colonizados, grupos minoritários, os portadores de sexualidades policiadas. Isto porque a demografia do novo internacionalismo é a história da migração pós-colonial, as narrativas da diáspora cultural e politica, os grandes deslocamentos sociais de comunidades camponesas e aborígenes, a poética do exílio, a prosa austera dos refugiados políticos e econômicos. É nesse sentido que a fronteira se torna um lugar a partir do qual algo começa a se fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação ambulante, ambivalente, do "além" que venho traçando: 'Sempre, e sempre de modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos e apressados dos homens prá lá e prá cá, de modo que eles possam alcançar outras margens... A ponte reúne enquanto passagem que atravessa' (Foucault & Lacan)"
do livro "O Local da Cultura", Homi K. Bhaba.
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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A menina que desenhava poemas.

Eu guardo bilhetes, e-mails, cartas, poemas, desenhos que me oferecem, porque eu só vivo o presente, então preciso da memória externa...
Daí, hoje eu tava jogando umas coisas no lixo e encontrei os poemas de uma menina que era minha colega quando tinha 12 anos. Ela gostava de mim e me escrevia poesias de amor. Eu escrevia poemas políticos e achava os dela mais foda, até porque ela os ilustrava lindamente. Por certo nunca disse isso a ela porque eu falo como uma papagaia sobre coisas genéricas, mas essas coisas de duas pessoas conversando, essas eu esqueço de falar.
Ela sofria porque já sabia que sempre gostaria de meninas e rolava preconceito na sua família... creio que na escola também, mas eu sempre fui muito distraída pra perceber isso.  E ela era triste porque eu nem percebia que ela queria ser minha namorada pois eu era muito abobada pra entender o que a fazia ser assim, uma pessoa grave. 
Eu queria ter sabido dizer pra ela que não era porque eu não queria ficar com meninas, nunca acreditei nessas separações e não tinha qualquer preconceito. Era que eu ainda nem pensava sobre isso. Não queria meninas nem meninos. Queria era ficar sozinha no meu canto, lendo e sentindo as coisas da natureza. Vai ver era por isso ela gostava de mim, porque eu era meio louca e não entendia nada que fosse imediato e cotidiano e tátil, de modo que tudo para mim parecia um acontecimento por trás de uma cortina transparente e leve. O mundo real eram vultos (se é que ainda não vejo assim...)
Chegaram as férias e eu não senti saudade.
No ano seguinte, cheguei na escola pensando em dizer pra ela que tinha entendido um dos poemas mais sofridos que escrevera pra mim, mas ela não estava mais lá. Nunca mais a vi, nunca mais escutei...
Anos mais tarde, soube que ela se matou. A vida deve ter sido ingrata com ela e, sei lá porque, senti muita culpa de não ter sido uma amiga mais falante.
Curioso é que lá pelos 8 anos eu também tinha um melhor amigo, com quem eu brincava num dos lugares mais incríveis que já visitei na vida. Era uma fazendola onde sua família cultivava flores. 
Ele era mais velho que eu, me ensinava as coisas mais fantásticas da vida de meninos do campo. Uma babá me levava pra lá depois das aulas e ele sempre me esperava com surpresas, como o carrinho de lomba mais maravilhoso que eu já vi. Há alguns anos, soube que ele também se matou.
Me parece que o meu modo de ser, de gostar tanto da companhia da solidão, era tão vital que só conseguia ser amiga de pessoas que só eu via. Meninos tristes que não tinham carinho.
E eles talvez me amassem porque eu era assim, uma menina louca que não falava nada, que perdia o foco. Era só uma boa companhia pra correr na chuva, se esconder dos adultos, deitar na terra fofa e contar as estrelas. Nunca prestei pra muito mais do isto.
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Thor Batista X Guri do Arrastão

Até posso concordar que crianças más saíram das profundezas fétidas pra nos aterrorizar e que precisam ser todas jogadas de volta ao inferno de onde escaparam. Até posso concordar que as crianças armadas que caminham sem lei pelo planeta devem ser estupradas, pisoteadas e linchadas pra que encontremos a branca paz porque nada, nada que se faça os tornará gente sendo que nós lhes demos todas as oportunidades amigáveis e nada, nada os fez desistirem da maldade que move seus corpos sujos nascidos de alguma chocadeira no submundo dos esgotos...
Siimmm eu posso concordar.
Mas você precisa primeiro aceitar minha teoria de que nos porões de cada xópin existe uma passagem secreta onde são produzidas pessoas em série que se alimentam de porcelanato e são viciadas em etiquetas e códigos de barra e que marcham em bandos sem olhos em direção a um portal no foyer de um prédio de arquitetura do século XXI por onde desembarcam nesta dimensão mastigando borracha e defecando moedas e cantando cantos monocórdios em vozes metálicas enquanto jogam as mãozinhas pra cima com uma arma de um lado e a bebida que pisca no outro.


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domingo, 20 de setembro de 2015

A culpa é dos pequenos


Eu tou sempre lutando, isso todo mundo sabe. Faço um monte de coisas, falo, me voluntario, critico, uso meu trabalho como um modo de pensar um mundo melhor, me exponho e foda-se. Então, que vá pra pu quem me julgar e achar que só falo e nada faço.
Anyway, para o meu bem, me alienei dos noticiosos da grande imprensa, sempre tão vendida, sempre tão maligna e tendenciosa. E me alienei do grenal da política partidária.
Ainda assim, não há como fugir da verdade. Mais do que nunca no mundo contemporâneo nós estamos sacrificando crianças, culpando as crianças.
Reza a história que nos tempos idos, muitas centenas de anos, crianças eram pouco importantes na sociedade e morriam como insetos sem que a sociedade pensasse muito a respeito. Reza a lenda que agora a gente tá consciente, tanto que tem propaganda de brinquedos no dia das crianças.
De verdade, do pouco que assisti notícias na tv por esses dias, entre alta do dólar e menores transgressores odiados pelos cidadãos de bem, vozes graves davam conta de que mães matam filhos pequenos após curtas vidas torturantes, governantes matam crianças e exércitos as pisoteiam enquanto as veias de seus pequenos pescoços saltam aos berros, chorando por algo que a gente nem entende. O que querem essas crianças sofridas do mundo?
É assim a modernidade desta dimensão rica em lâmpadas led. Todos nós esmagando pequenos, todos nós conseguindo sorrir e dormir tranquilos sabendo que em algum lugar alguma criança se desespera.
Se não tivermos grana pra ter um carro novo, nós não dormimos direito e saímos pelas ruas, pelos ônibus, pelas filas dos açougues a reclamar que nós, nós, eu, eu, umbigo, eu quero, eu quero, eu compro, eu mereço, eu posso...
Mas não nos machuca a recorrência de imagens estúpidas, em tempo real, enquanto almoçamos e jantamos. A gente mastiga, sente o gosto, engolimos e seguimos dentro da nossa vidinha cretina.
Sei lá... é noite de chuva, domingo, amanhã segunda e, neste instante, em algum lugar, tem uma criança sem entender porque estamos fazendo isto com ela.
Só queria dizer isso, pensar nisso.


biAh weRTher

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Auto ajuda

Quero ganhar dinheiro com auto ajuda. Por exemplo, minhas amigas dizem que eu nasci com açúcar porque sendo magrela, não sendo loira e nunca penteando os cabelos, enquanto todas as bonitas altas choramingam a falta de rapazes, para mim sempre sobram carinhas querendo coisinhas.
Bom, só posso dizer que sou chata, xingo os namorados quando pensam diferente de mim a respeito de política, NUNCA fiz depilação com cera, não frequento manicure, na minha casa não existe baton, chapinha e muito menos esses saltos fininhos de 12 cm.
Diria que se eu fosse parte disto que chamam de universo feminino, eu pararia de gastar com cabeleireiro e compraria uns livros de filosofia, em lugar de perder tempo com xópin faria uns trabalhos voluntários.
De beleza, só mesmo usar sempre fio dental; beber muita água e vinho, não escutar axé, jogar fora as saias patê e não correr atrás de homi.
Em resumo, desobedecer tudo e todos!
Era isso gurias, se eu escrever meu livro de auto ajuda pra conseguir homi, eu vou dizer que uma casa precisa mais de papel toalha na cozinha do que de um homem. E vou concluir afirmando que o segredo pra deixar dessa bobagem de que mulher tem que usar barro na cara é levar as revistas femininas à falência. Universo feminino NUNCA foi e NUNCA será o "sofrimento" de "ter que" equilibrar num ridículo salto 15 e pagar milhões pra arrancar os pelos com cera. Sobre dor, é só olharmos ao redor e veremos que não entendemos nada. O feminino é grande demais pra tanta infantilidade!
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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Dona Emília e eu

Dona Emília e eu.
Entro no ônibus na Anita. A meu lado uma senhorinha toda arrumadinha já engata um papo. Ela fala muito, eu também. Na Nilo Peçanha eu eu já sei que ela é professora aposentada e ela sabe que eu estou trabalhando demais e ganhando de menos. Perto do Parcão eu já sei que ela perdeu o marido quando tinha a minha idade e que sofreu tanto que nunca mais quis casar de novo. Eu sinto pena mas digo que invejo esse amor dos antigos, porque no nosso tempo a gente tá sempre namorando mas nunca é a mesma pessoa e, não raro, é mais de uma pessoa. Ela me pergunta se eu sou muito distraída e eu respondo marcando o s que ssssimmm!
Então é isso! Fica olhando os pássaros, apreciando a vida... Esquece quem está ao lado. Acontece muito, diz ela. Pessoas assim são do mundo, não se apegam porque o coração se distrai com sentimentos invisíveis.
Invisíveis.... repito umas três vezes fazendo um sim com a cabeça.
Ela conta do seu filho que tem minha idade e fez doutorado. Eu falo que meu filho estuda produção musical e que muitas vezes fui mãe pelo msn, porque eu viajava muito nos projetos de cinema.
Chegamos na estação do Hospital de Clínicas. Ela me diz que vai descer no Pronto Socorro pra pegar o T5.
- Puxa, a senhora anda por aí de ônibus, pra lá e prá cá e eu que sou desprendida?
Rimos.
- Biah, ela diz, tudo de bom na sua vida, que tu seja muito feliz. Que você consiga tudo de mais lindo e seu filho seja um grande músico.
- Obrigada, dona Emília, pra senhora também, muitas coisas lindas!
A porta abre diante dela. Eu já começo a me distrair com as pessoas andando na Osvaldo Aranha, quando ela me chama:
- Biah!
- Sim, dona Emília!
- Me enganei. Teu filho já é um grande músico e tu já é muito feliz.
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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Hiato



Sou boa com os adeuses. Ok, também sou legal com inícios, mas sou tão péssima nos miolos que me perco no caminho e viro nuvem, asas, névoa... Quero dizer, eu gosto de dizer Oi e Tchau. Mas não é simples assim, é muito mais lindo. Um Muito Prazer é uma dança do acasalamento e um Adeus é uma ópera.  Ao menos pra mim.
Mas a parte do meio eu sempre quero pular porque é aí que eu vacilo e não perdoo.  O meio é quando a gente descobre  as  verdades, escuta mentiras, tiramos as máscaras e tudo passa a ser um sórdido trivial...  Nessa parte eu quero correr pra minha solidão. E como não ser dependente da solidão? Gente mente. Dividir os miolos da vida com gente é ter que caminhar numa corda sobre um precipício que une dois lados seguros; o começo e o fim.
Nada pode ser pior que ir se transformando dia a dia numa peça de um jogo de tabuleiro. Você estuda o outro, o outro te estuda. A isso se dá o nome de convivência e é nisso que se perde a magia e os mistérios que, pra mim, devem ser os únicos segredos aceitáveis em qualquer tipo de relação. Por isso que eu vejo assim, que os inícios são doces, os finais poéticos e o recheio é um prato que azeda, a menos que a gente não respeite nunca as regras de convivência estabelecidas na sociedade onde as pessoas vivem juntas pra elaborar a inimizade perfeita.
Se eu tivesse algum poder sobre a mesmice cotidiana, se eu pudesse eu  faria com que nunca mais na face da Terra a gente quisesse a normalidade de um dia igual ao outro. 
É que eu tenho uma teoria de que o que estraga o parêntese entre os encantos do conhecimento e do desconhecimento, entre o chegar e o partir é essa jaula que leva o título de Rotina. Mas que mixórdia é essa? Eu acho que as pessoas, depois que se conhecem, deveriam apenas se divertir. 
Tenho urticária, reação alérgica, tosse seca sempre que algum entendido social aparece atrás de uma mesa, em frente aos diplomas da parede, a dizer que a qualidade de vida é diretamente proporcional à rotina de uma vida. Comer, dormir, trepar, conversar, tudo em horários definitivos até que não exista mais uma minúscula surpresa e você não aguente mais o robô triste que divide esse meio com você. Então você começa a mentir, pra fugir da mesmice do saudável cotidiano. Vão se foder!
Ai, sei lá, sabe... Por isso que eu fujo e me escondo no mundo,  na rua, bem louca, cantarolando, míope sem os óculos, sem saber os nomes das ruas, sem dar o meu endereço.   Me perco na multidão e não olho pra trás e daí vai entrando um oxigênio e aí eu vou e vou e vou e, ah, paciência... agora esqueci... Ninguém é de confiança mesmo. A não ser que aconteça um milagre e me apareça alguém assim, tipo eu, que da sua vida só queira fazer besteira, voar as tranças por aí.

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