domingo, 31 de maio de 2015

Um olho que entra e sai

Vagar.
Vago, o tempo lento.
Algo se revira por dentro.
A pressa, prece. Enganos.
Exageros.
A cabeça num buraco. Avestruz.
Pés estanques.
Mão suada, boca seca.
Da garganta rouca
A frase louca
Uma formiga na ponta da língua.
Ferida, cócegas, ais.
Visgo.
Um olho que entra e sai.
]bw[

domingo, 24 de maio de 2015

Goldfish 3

Tenho diários de todos os tempos da minha vida, muitos são gravações em áudio ou vídeo. Entre livrinhos de garota fechados com pequenos cadeados, há caixinhas  bonitas com coisinhas, embalagens, pétalas, bilhetes de viagem, tickets de shows, cartões, corações... que medo disto!
Resolvi queimar todos porque acho meio pesado ficar com passados aprisionados em fundos de armários.
Antes de rasgar as páginas, passo os olhos nesse ou naquele desabafo. De fato, sou a pessoa mais esquecida que conheço, se é que me conheço. Não lembro de pessoas que amei, de gente que me magoou, de telefonemas, nomes, festas, prêmios, desejos, esperanças, tolices, viagens, ingenuidades e decepções.
Lembro de sensações boas em centenas de lugares, vento, a fumacinha que sai da boca no inverno indo pra escola, natureza, avenidas, hotéis, cheiros, águas correntes, cantos de pássaros, sons do mar, cheiro de fogueira, fumaça nos olhos, o acordar e sair pela neblina diante de uma cachoeira, o gosto do sangue num mergulho em que dei de cara numa pedra, uma nota musical... coisas que não precisam de um diário pra que me lembre....
Mas tudo se mistura e fica mesmo uma estrela que está sempre no mesmo lugar, perto da lua no cair da tarde, me olhando em qualquer tempo ou espaço. Sempre as estrelas, a via láctea, as três marias e o cruzeiro do sul no natal na casa de infância, no céu de alguma praia...
Quanto a pessoas, não sei de nada sobre o meu passado porque esqueço seus nomes e rostos e as vozes e as declarações, gostos, gestos e motivos.
Lembro das minhas pernas, as pernas.
Nesta faxina, lendo uma frase ou outra, triste ou feliz, meio tola citando nomes   em situações que desconheço, entendi tudo e evito invadir-me.
Se não me é íntimo o momento, não sinto qualquer curiosidade de saber dos desfechos pois aquela é outra e não me sinto bem em ler o diário de outra pessoa, aquela eu que ficou no tempo  em lugares onde nunca mais pisarei ou se pisar também serão outros assim como eu.
O que se vive, penso, não morre mas não precisa ser lembrado, comentado.
Que fique incólume em seu momento nunca mais possível. Sentimentos e segredos mais íntimos, fiquem em seu estado pra sempre, a ocupar a sua dimensão.  Não acho justo devassar a vida de outras meninas e mulheres que fui ou serei.

Como imaginava, meu nome é presente. O passado é de outra, o futuro não me interessa.


sábado, 23 de maio de 2015

Sábado também...

Fico deitada nessa cama com 15 almofadas, 4 travesseiros, duas gatas e uma cadela e uma biografia de alguém que era drogado. Meu quarto tem dois espelhos grandes um diante do outro pra eu ver minhas costas, que é a única parte menos pior de mim. E, assim, nada fazendo, eu vejo a porta encostada na parede que eu arranquei fora faz três meses animada com a ideia de nela fazer uma colagem incrível com as lindas fotos que eu faço de minimundos de micro aranhas na cozinha. Mas daí deitei aqui e tinham essas 15 almofadas, 4 travesseiros duas gatas e uma cadela e uma biografia de alguém que era drogado e esse negócio branco onde eu digito essas bobagens e a porta ali me olhando encostada na parede.

Sábado...

Ontem eu tava mega comportada. Andamos pela banda hype da província, entre as poses que, me parece, andam cansadas nas bochechas em forma de ovo. A loucura morreu soterrada nas paredes angulares juntamente com os gambás e pica paus. Fudeu! Mas só bebi 3 doses misturadas. Uma província de trigo, uma velha chica e una copa de chardonay. Sempre me parece que escorro pelas ruas, mas tudo bem, isto não se dá apenas aqui, é o líquido olhar. Um maloqueiro me xingou porque lhe ofereci minha cachaça, quando ele queria uma bebida descente, no mínimo uma cerveja.
Daí, cheguei em casa e era verão e tudo brilhava como se algo escondido me agradecesse por ser redescoberto. Saí do banho pingando pelos cantos e os meus pés escorregavam numa dança... Até porque, também ontem, coloquei um planeta no lixo em momento de exorcismo.
E assim, na calada da noite alguém veio me lembrar que existe a Hilda Hilst, então fiquei até alta madrugada meia luz quente recitando ela pela casa junto a um incenso violeta como quem está num palco. Acordei de ressaca e cedo demais! Morri ou nasci... mas essa parte ainda não decidi.
Só acho que já era hora de alguém subir num morro da cidade e gritar:
- Deu! Decretamos o fim da fase morna marasmo dedos certinhos, acabou a produção de porcelanato e ninguém mais que viver sem caios nem qorpos, sem nada, sem poesia. Parem já com isso!! Que se fodam os gestos de centímetro, bem curtinhos, olhos rasos que piscam sorrisinhos nas contidas pestanas. Ninguém mais grita? Pois saibam que aulas de natureza morta são menos, bem menos excitantes que dedicar-se ao tricô. Não aguentamos mais parar com o barulho bem cedinho, ai meu deus do céu!
...
"Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem"...
Hillda Hilst

sábado, 16 de maio de 2015

Desfecho


Não existe um passado a celebrar
Onde o presente é fantasia
Ruas estreitas, lâmpadas amarelas do sono.
Qual  história sem conto pode explicar a saudade do  não?
Podem existir dois quando é apenas um?

Não há um fim sem começo
Apenas um sonho entrecortado
Mãos que falam
Uma lágrima invisível
Improvável, brilhando solitária
Ilusão, remendo, vaidade

Como dar adeus ao desabitado?
Não existe morte sem vida
Não há  vazio na dimensão daquilo que nasceu desenhado pelo nada
Como se aprende a dança dos fantasmas?
Qual o tamanho da tristeza
Quando  damos adeus à lembranças ainda não inventadas?

De onde vem a paz que adivinhamos sozinhos?
Para onde vamos assim, encolhidos,
Cheios de mundos que não puderam ser vividos?
Como podem haver tantas conchas
Nos aguardando a cada onda que quebra
A cada chuva que nos devolve para o sal do mar?

Após o nada, o melhor é fechar-se no descanso.
Depois de tudo, o melhor é nunca se arrepender.

]bw[

terça-feira, 12 de maio de 2015

mimimi

Creio que trabalhar com a nudez melhora as pessoas em relação a si mesmas. Desmistificar o nu e parar de ver o próprio corpo de longe, de relance, pela fresta, faz você tirar uma das pedras do caminho em direção ao levitar e derrubar barreiras que se transformam em preconceito, inveja, ódio, medo, maquiagem. Pra mim, todo mundo deveria fazer pelo menos um ensaio de fotos peladas na vida. Assim, como um tema de casa terapêutico pra parar de aiaia uiui

Pau oco

Depois do dia das mães eu fico um mês ainda traumatizada com as musiquinhas e florezinhas. Será que eles pensam mesmo que mãe é um anjo do céu. Se a gente for se contaminar por isso, não transamos mais, não comemos, não tomamos um porre, não falamos mais puta que pariu quando cortarmos o dedo e ficamos o resto da vida num pedestal com cara de santa efigênia, só descendo na hora de servir a janta! Ah vá.

sábado, 9 de maio de 2015

Vão


Mães  são  um meio
Nem início nem fim
Um veículo
Uma nave
Um objeto
Um ovo um ovni
Um estorvo
Saída
Passado
Nem santa  nem pura ou entidade
Muito menos a estação
Mãe é o vagão de um trem só de ida
Mães são cada uma
Segredo que nenhuma outra
Uma mãe é só um portal da morte ao contrário
Mãe é a passagem
A ponte
É  uma fonte que seca
Um poço que fica ali nos fundos e cai a noite
Nada além
Mãe não é flor
Nem presente
Nem moedas e fitas
Não é o comercial nem os retratos
É a dor que nunca poderá explicar
Os risos que nunca alguém vai decifrar
São gritos no silêncio
Nem  afirmação nem negação
Apenas ocaso
Mães não nascem nem morrem
Não são homem nem mulher
Dia nem noite
Um cordão cortado.


}bw{