sábado, 27 de junho de 2015

Nos falaremos em cem anos.

Toda a vez que começo a me reaproximar do cinema gaúcho porque preciso rodar algum trabalho mais complexo tecnicamente, tenho dificuldades em me fazer entender. O processo passa por árduas tarefas no sentido de não declinar do meu conceito, de não seguir modelos que circulam de filme em filme, de imprimir particularidades nem sempre escravas da ânsia por popularidade... principalmente por ser respeitada do alto da minha vivência nada pequena em várias artes, especialmente no cinema experimental.
Passo por decepções que vão de tons irônicos até a insistência para que eu me renda ao "possível" e "prático".
Me vem essa sensação de estar desembarcando numa conversa de produtores de comerciais para a televisão. Claro, obvio que você tem todo o direito de querer passar a vida produzindo curtas para a RBS e brigando sobre qual a melhor câmera da moda e como o seu filme precisou de mais geradores e sobre quem corre mais... Mas o que me surpreende é que, muito provavelmente, a grande maioria não optou por fazer um cinema contido, quadrado, agradável aos olhos dos jurados, professores, produtores, empregadores, exibidores... A meu ver, fica claro que muitos desconhecem arte porque sõ tiveram tempo de decorar planilhas e correr com um celular em punho pra mostrar que são bons.
Mas conhecimento sobre o que acontece fora da turma, a contravenção, história, modernidade, aquilo o que o mundo anda fazendo, o que é uma vídeo arte e onde ela encontra o cinema, a possibilidade mágica de misturar, tirar o cinema dessa prisão da cultura televisiva e libertar, dar a ele o direito de voltar a ser arte, expandir a mente, sair das panelinhas de fofoca, parar de competir sobre quem tem mais gente e equipamentos a se debater dentro de um set... isso parece que poucos puderam ver.
Certa vez me magoei quando uma professora do IA me disse em aula que cinema não é arte, mas outra coisa. Hoje entendo que ela não falava do meu cinema e, muito certamente, nem teve tantas oportunidades de saber que o cinema gaúcho tem sim, como todos os cinemas do mundo, gente que o desconstruiu pra reencontra-lo, autores que experimentam num campo livre.
Nunca vou entender o que acontece com o cinema gaúcho. Entra ano e sai ano e ele fica mais sob controle, menos de peito aberto, mais ensimesmado no bom mocismo dos roteiros coerentes.
Que seja, mas ao menos estudem, vivam as ruas dos cinemas livres do mundo, para que os cinemas que não correm prá lá e prá cá entre os editais, os festivais, os comerciais e a tv, possam também ser produzidos. É importante que todos os envolvidos neste "mercado" saibam a importância daquele que confronta, que nao se rende, que questiona e inventa outras alternativas (será que eu já não disse isto em 1998,2002,2007?)
Será que só chegaremos a um diálogo daqui cem anos, amores, quando meu trabalho estiver sendo observado por ser diferente no nosso tempo e o seu curta de tv premiado for mais um entre milhares esquecidos? Será que só então, você que tentou me convencer a tornar meu trabalho mais óbvio ou riu da minha cara diante da impossibilidade das minhas ideias, vai então me olhar e dizer:
- Ahhh, finalmente entendi!
A primeira lição, queridos, é ver que tudo pode, que todos podem, que sempre haverá mais do que aquilo que sabemos de cor e sempre existirão muitos outros mundos, interpretações, valores e conhecimentos. É importante perceber que as conquistas de uma categoria, os representantes dela e as conhecimentos técnicos tem que ser oferecidos a todos, não só aos bem comportados (acho que isso eu também jã disse em 1998, 2002, 2005, 2007, 2009..).
As diferenças são soluções e não trincheiras.

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quinta-feira, 25 de junho de 2015

A mais bela punk e o São João.

Minha irmã, que morreu há alguns meses, nunca foi magrela como eu. Ela era sempre a mais linda e moderna nas turmas de adolescentes que eu admirava de longe enquanto aprendia com seus LPs do Pink Floyd, Led Zeppelin e Yes. Desfilava firme entre os fãs apaixonados e dava porrada em quem viesse com elogios bobocas. Eu era tímida e ficava num canto do recreio com um livro, escondida nas toucas e cachecóis que a mãe tricotava, conversando com os cheiros do inverno, sofrendo bule de umas meninas loiras lindas e até de professoras. Ela não me dizia nada, era até meio fria comigo como toda a menina de 12 ou 13 anos diante dos irmãos pequenos, então eu vinha a saber só depois, através de colegas, que ela virava bicho quando descobria que alguém tinha me magoado. Não sei o que fazia, só sei que teve gente até me pedindo desculpas no dia seguinte.
Num ano daqueles, os colegas da quinta série votaram nela como mais bela prenda. Teve um ataque, ofendeu-se, chegou em casa puta da vida. Minha mãe tentando lhe mostrar que era um posto bonito, que poderia costurar um belo vestido.
No dia da festa junina, as concorrentes das turmas subiram no palco em fila, sorridentes em seus vestidos de rendas. Minha irmã, após insistirem em chamar seu nome, apareceu no palco atrasada, de botas pretas e a minissaia mais linda eu já vi. Quando todos fizeram silêncio, chocados com seu figurino, ela pegou o microfone, soltou uma breve frase feminista e saiu da fila de prendas, desceu as escadas batendo as botas incríveis, o nariz no céu! Adolescentes aplaudindo, os pequenos rindo da minha cara, os adultos horrorizados.
Eu, la do fundo, me orgulhei dentro das luvas, cresci e hoje sou igual a ela. Meu rosto nunca mais ficou quente de vergonha, o que me deixa corada é a gargalhada, esta felicidade de, diariamente, nos pequenos palcos, saber declinar da competição entre as mais prendadas. Tem ocasiões em que decepcionar é mais doce do que ser agradável. Há dias em que descobrir que alguém que amo tem vergonha de mim - porque artistas, ainda hoje, são irmãs das prostitutas - é me aproximar da certeza de que posso ser uma mulher livre.
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segunda-feira, 22 de junho de 2015

Acorda e vai pro colégio!

Lá nos isteites, nas cidades altamente moralistas, berço da KKK, é comum famílias brancas isolarem os filhos do mundo moderno. Mães donas de casa ensinam a matemática, o inglês e a bíblia em casa, para evitar que os filhos se contaminem dos aprendizados mundanos. 
Parte do Brasil desembarcou solene e contraditoriamente no século XV a partir de espertas religiões eletrônicas, e agora querem também preservar os filhos dos perigos que a mistura com gente estranha representam.
Feudo, casta, seja lá o nome disso, quando você se fecha no umbigo dogmático você pode se tornar perigoso, porque desconhece que há um mundo com outros bilhões de seres vivos para conviver, dividir, interagir, reconhecer... A empatia vira pedra por gerações.
As nossas escolas estão cheias de problemas? Sim, mas a solução é ocupa-las, não esvazia-las!
A família tem como função educar, a escola é uma continuidade, porta para a socialização onde você descobre suas asas a partir das diferenças. Escola não é apenas conteúdo, é comunicação, são trilhos e há percalços.
Agora, mesmo que a escola fosse apenas aprender o dois mais dois, se você olhar ao redor de si com humanidade observando a atual situação do planeta, perceberá que países como o nosso não podem abrir qualquer precedente pra que a escola deixe de ser um meio, um portal, incentivo e obrigação.
Há milhões de crianças muito pobres além de nossos filhos brancos privilegiados. A garantia de escola para todas as crianças de modo igual é um avanço, bolsas que os incentivem a não abandonar a escola é mais um degrau. Nunca voltar ao zero!
Se você mudar o que o país levou séculos pra conquistar em nome do medo que famílias brancas tem da vida real, daí é melhor rasgarmos todos os direitos e virarmos canibais.
Aliás, não esqueçamos que a violência na sociedade moderna, inclusive nas escolas, nasce sempre e sempre dos terrores promovidos pelas linhagens encasteladas.
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domingo, 21 de junho de 2015

W.O.

Não acredito nessa bobajada dos 10 passos para o sucesso. Não dou importância para os prêmios, não sou muito competitiva, desdenho dessa jogatina contemporânea tomada pelos valores fálicos. O pau maior, o mais jovem a fazer sei lá o quê, o primeiro a inventar o mimimi, o melhor paranauê... sei lá sobre isso.
Só quero adivinhar o momento de dizer sim ou não, poder levar 10 anos pra escrever um livro ou 8 pra terminar um filme e o prazer dos adiamentos.
Eu retardo várias coisas!
Só me importa perceber quando alguma "vitória" não valeria a pena porque se tratava de mera vaidade. Quero é não ter horário e trabalhar a qualquer hora e que me dê prazer entregar prazeres. Me interessa é não acreditar nesse blabláblá do preço das pessoas.
Vou te dizer, se me dá vontade, eu desisto, deixo pra lá e não me sinto derrotada por isso. Porque desistir de algo, alguém, algum, se você não estiver distraído pela pressa, pode ser lindo. Mudar de ideia, se dar o direito de transformar-se, de ser ao longo do caminho quantos você quiser, de se conhecer sem as interferências rasas...
Não quero ser escrava do julgamento alheio. Dispenso o caminho previsível de asfalto, sempre em frente, focada, querendo segurança. Me interessa a floresta, os desvios, os rios, os inesperados, os sons sem refrão.
Por isso, quando, ocasionalmente, volto alguns passos ou me deixo ficar lenta, me sinto viva a rascunhar, reescrever, aprimorar. Não acredito que o que realmente importa tem um prazo, como não creio que não se pode transitar entre passado e futuro tornando-os mera parte do presente, pois a única verdade é,de fato, o presente. Isso de dizer que é inviável passar pela vida sem ser competitivo são bobagens que andam colocando na tua cabeça.
Então, não perca tempo tentando disputar comigo uma vaga, um lugar, um homem, atenção, os créditos, o último pedaço... Não sou boa companhia para brincar de rival, acabo rindo na hora de fazer carão! Pule a etapa do duelo porque sou distraída. Desarme-se, não me fuzile com os olhos, apenas tome posse do seu troféu. Nada que existe foi feito só pra para mim que morro de preguiça dessas coisas cheias de pó que colocamos nas estantes pra nos convencer que somos vencedores!

sábado, 20 de junho de 2015

]Solstício[



Como sou pop, meu feicibuque me acordou já na sexta sobre dezenas de raipes eventos urbanos, momentâneos.. belos, não nego, com suas lampadinhas coloridas led de interruptor... Mas eu queria um solstício xamânico. Que o fogo do meu coração aquecesse a minha pele e queimasse meus avessos. Não gosto de frio! Assim, escorri por uma estrada que cantava e dançava, serpente, e eu fervia e guiava no escuro. O inverno, equilíbrio, vinhos bronzeados. Acendemos aqui uma fogueira onde deposito todo o gelo que os normais arremessam em mim. O pouco é desnecessário. O pouco não alimenta nem suprime o fogo que me incendeia. O pouco que se foda! É inverno, sinto calor e quero tudo!

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Algo fora do lugar.

Em um ano, foram várias. Uma colega muito querida do IA, a minha irmã mais velha que era pintora, uma professora de artes, uma amiga artista plástica que eu conhecia desde 1995 ... agora mais uma, que se aproximou de mim há vários anos, pelo facebook, pois além dos muitos amigos em comum, tínhamos este amor pelos animais.
Escrevo textos repetitivos sobre essas mortes, da sensação de que morremos todas um pouco, porque estamos diante de uma epidemia sinistra.
Não, não me digam que Deus quis assim, não me digam que pra morrer basta estar vivo ou que tudo depende de avanços científicos.
Estas mulheres que cito eram jovens, tinham tantos projetos, geravam belezas, misturavam cores, tinham leituras livres sobre o espelho feminino, representavam o mundo das fortes, iluminavam caminhos, apontavam um novo jeito de ser mulher.
Para mim, volto a dizer, estamos contaminados por alimentos, por poluição, por dores que impingimos uns aos outros, vítimas todos os dias quando nos deixamos levar por uma sociedade bélica, numa cultura pós moderna onde é proibido nos vermos como parte e como iguais. Eu sei, você acha irresponsável quando eu digo que a epidemia do câncer de mama é mais do que um tema da medicina.
Mas a meu ver, e já disse também isto, é sintomático que o seio que alimenta e garante a vida da humanidade esteja doente, bólido de metástases. Só quem viu de perto (e quem não viu ainda?), sabe que é uma doença que tem o poder de infectar com sofrimento todos os que estão ao redor da vítima. Todos viram fantasmas.
Só sei que há algo errado, não era pra ser assim, não é natural.
E é por isso que, a cada morte, a cada uma de nós que se vai, eu que sou vista pela minha médica como parte de um grupo de risco devido o histórico na minha família e porque, bem jovem, precisei arrancar o meu ovário esquerdo, me torno mais vagarosa.
Não me apresso a viver as coisa rápidas e as competições, a pensar que uma hora dessas eu talvez venha a ser mais uma nas estatísticas .
Ao contrário, a cada enigma, a cada estrela que se apaga, eu vejo que é preciso não perder tempo como a pressa urbana. Histeria, ódio, frieza, egoísmo, dinheiro, superfície, o trânsito, a ostentação, a gritaria, todos estes sintomas de uma doença coletiva que é mãe de muitas doenças físicas.
A cada malícia, você se contamina, mata um pouco alguém e a si mesmo.
Você pode me dizer que não estou falando coisa com coisa, mas estou convencida de que há uma mensagem e um aprendizado a tirarmos das doenças incontroláveis. E não são apenas as pesquisas científicas que vão nos ajudar a entender o que se passa. Me parece que, pelo menos por agora, que a medicina parece mais vencida do que assume, o que podemos é mudar o modo como vemos os que estão ao nosso redor.
Depois do fim, nada mais vai adiantar e não adianta chorar. Por enquanto, o que podemos fazer é nos desarmar, não mais jogar e sim alimentar a empatia, nos igualar e amar. Quem sabe assim, mudados, menos apressados, mais interessados em trocar o mais puro oxigênio, um milagre aconteça e mulheres possam morrer com mais dignidade, sem tanta dor, tão cedo, cansadas de sofrer.
Certo, você pode acreditar que o câncer só precisa de remédios químicos, mas eu acho que nós estamos metabolizando os mais variados tipos de veneno que nos entregam para alimentarmos corpo e alma. Sinto como se os mais humanizados, os menos enraivecidos, as menos armadas, acabem sendo abatidas em maior número, o que não deixa de ser uma terrível contradição.
Caso eu esteja dizendo bobagem, pelo sim, pelo não, não quero ser aquela que esqueceu de dizer eu te amo ou não teve tempo de olhar alguém nos olhos ou que agiu como se os que estão ao nosso redor fossem viver pra sempre e pudéssemos deixar pra amanhã. Vivamos bem devagar e com entrega o que realmente importa e não fechemos tanto as portas.
]bw[

domingo, 14 de junho de 2015

Se mentes e Para fusos

Se mentes e Para fusos.

Remo contra as ondas,
Já não nado no seu nada.
Mergulho no escuro, partindo, submergindo...
Você gira em torno de si, você ilha.
Eu acidente geográfico.
Você iceberg
Eu, floco indigente no espaço, derreto ao sol,
Escorro rios, oceanos.
Você ri lá do alto do pescoço, fixo, perverso.
Eu, sem um plano, disperso.
Cedo, você dorme.
Tarde, eu desperto.
Você se veste de sonho.
Nasci pesadelo.
Te ofereço os morangos,
Você me desperdiça, despedaça. Esmolas.
Me divirto cambaleante, salto ofegante
Num velho colchão de molas.
Você, porão oculto. Eu me enfio no sótão e me atiro do telhado.
Amarfanho nas pedras e pontas. Eu deserto.
Não uso chaves, saio pelas janelas, pulo as cancelas.
Você bate a porta, encerra, emperra.
Arranquei paredes com os dentes,
Eu sangue, você suor.
Você cerveja gelada, a cabeça sobre os ombros.
Corta as asas, rasga a língua.
Eu vinho, aparo os cabelos úmidos da insone madrugada.
Você tem tantas certezas.
Eu nunca lembro de nada.


domingo, 7 de junho de 2015

Ficha Cadastral

Desde pequena faço um exercício que tem dado super certo no sentido de conseguir olhar as pessoas ao meu redor com confiança e ter essa facilidade que eu tenho e consegui ensinar pro meu filho, de abraçar as pessoas com todo o corpo, sentindo elas, e dizer eu te amo com todo o gosto ou me afastar porque é preciso.
Eu aprendi, nem sei com quem, a nunca, nunca mesmo, perguntar quando conheço as pessoas, coisas como de onde elas são, que idade elas tem, se se consideram negras ou brancas, se tem alguma religião, se foram à faculdade, quanto ganham, qual seu gênero.. Sabe todas essas coisas que as fichas de emprego e inscrições em concursos perguntam? Pois é, desdenho todas, embora veja que há uma regra nos relacionamentos que obriga a todos, "por segurança", a quererem saber estes itens a respeito de amigos, vizinhos, conhecidos, amores..
Me parece que assim, deste modo, sem ter curiosidade em saber se a pessoa tem 20 ou 40 anos, se ela é ateia, se é cristã, se é alemã, eu posso saber o que importa nela.
Minha curiosidade é mais por coisas como o tom da voz, os gestos, os tiques, a flor que mais gosta, cheiro - eu adoro cheirar as pessoas -, como se sente num dia de sol, se gosta de um bom banho de chuva, quais suas bandas prediletas, a comida, o que pensa das crianças que morrem de fome e dos homens que caçam animais.
Sinto que, ao saber antes de mais nada o que a pessoa sente e não o que aparenta ou representa me faz conhecê-la de fato e daí, talvez um dia, por acaso, eu descubra sua idade ou saiba que nasceu na mesma cidade que um cara famoso ou que, ela mesma, é famosa e que já visitou a Islândia. Só que daí eu já a conhecerei e todas estas representações superficiais que nos separam em castas, linhagens, turmas, tribos e gerações e teimamos em transformar em ficha de cadastro ao conhecer as pessoas, já não farão diferença nenhuma, porque eu saberei quem é aquela pessoa e daí, perdidamente apaixonada ou louca pra me afastar, entenderei que sabê-la católica ou velha ou rica, de fato, não faz qualquer diferença, pois esses não são valores reais.
Não creio que, antes de tudo o que podemos ser neste enorme planeta louco, precisemos forjar um mural onde ficarão expostos o diploma, o sobrenome do pai e o saldo da conta bancária. Não, acho que podemos ser muito mais leves e livres do que isto.
E assim, por ter esta mania de não querer saber quem você é por fora antes de alcançar o ritmo do oxigênio que entra e sai do teu pulmão, quando eu digo eu te amo ou esqueço que tu existe, isto sai como um suspiro, porque é bom falar e demonstrar os sentimentos por motivos absolutamente animais. O resto são bobagens que andam colocando na tua cabeça.

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quarta-feira, 3 de junho de 2015

Claustra

Ando maloqueira.
Apraz-me a deselegância. Desconexões, cabelos desfeitos... Suor.
Saturam-me nossos beiços em bico e as biografias sagradas,
bem como me cansam os esnobes, as fontes fininhas descrevendo os sagrados, os ícones, pretensos.
Eu curto até o Skank e o Buchecha, já to quase ali de pular com a Ivete sem galo. Acho meio morno o minimalismo, por demais clin a postura tão clean. Azulejo do lavabo, corredor de hospital, língua no céu da boca.
Desprezo a necessidade de ser uma moça ABNT bem branca a prometer que sou desinfectada e que dissertei sobre a nata mais pura da filosofia onde pairam os nomes mais cheios de consoantes e que, agora, após longa caminhada bem amparada pelo berço intelectual, estou sóbria como sóbrias ficam todas as descentes quando passa a fase de rebeldia e você se reinventa, pura a navegar no vestido de seda marcando a cintura. Mas que falácia é essa?
Não posso com a hipótese de sair dizendo que fui até a Índia pra ser uma mulher melhor e agora medito e pratico o sexo tântrico, e sou chique, muiiito chique em minha simplicidade dócil performática que vai até o meu passaporte e passa pelo meu sapato incomum. Pois é necessário que eu seja incomum, um primor, o requinte. Lenta mente.
Não me apetece rezar que meu apartamento tem fotos assinadas do cara pálido que expôs na bienal de São Paulo e que bebi o chai com o moço daquela banda de camisa vintage que faz sucesso em Portugal e tem muitos fãs que estudaram francês, de chapéu em Ipanema e,ah, sim!, que fiz balé quando tinha cinco anos e, claro, todos exultavam meu dom para o piano e eu era do coral.
Não tenho paciência de comprar um vestido com sapatinho forrado para o casamento de uma parenta que vai sorrir ao me ver doce, finalmente dulce, castra, catra.
Eu quero os maloqueiros, eu rasguei o meu dinheiro, eu morri pra meio mundo,
eu quero a quentura da vida, viandas e bolinhos de chuva cheios de açúcar com muito café. Mas não podem ser grãos nobres, não podem ser os nobres. Eu só preciso de uns cobres pra ir até ali e pegar carona pra o sol. Ficar da cor do sol, abrir a boca e bocejar num barulho proibido, dançar aos sons barulhentos, macumbas e remelexos. E corpos de verdade.
Pouco se me dá, entende?
Pouco se me dá. Eu regozijo a vida real, quisera poder entender os índios, os meninos, os velhos fedorentos. Me agarro com os cachorros de rua e converso com eles. Já quase entendo o idioma das vacas e desejo muito morrer e renascer macaca que é, pra mim, uma sagrada evolução. Depois eu seria uma aranha, uma larva e, no final das vidas, nasceria uma abelha.

É que ando me alvoroçando com a verdade.
Porque, na verdade, ninguém é limpo, ninguém é sublime, ninguém é mais, ninguém é brilhante, ninguém é porra nenhuma.

]bw[

Caminhantes

Olha a lua! Círculo, elo...
Interminável fim.
Uma cobra morde o rabo.
Vê a estrada que caminha,
cego coração?
Gelo em forma fumegante,
escorrega tua mão distante.
Inclemente som do silêncio.
Sintonizo, apuro ouvidos e...
Não! Não é remanso, antes uma festa!
Nada meu entre os convivas,
a mudez era só pra mim.
Nem lua, nem sol.
Redomas angulares, agudas fugas.
Não era início e não há fim.

]bw[


O paranauê publicitário e a Tecnoinquisição

Dizia Goebbels - aquele que inventou o mega produto Hitler e iniciou a escola que gerou crias midiáticas que vão de xuxa a pastores evangélicos a perfumes em Cristo a casas no céu a big méque, deuses tecnológicos e políticos barbie ... - que "o ser humano quer acreditar".
Bingo!
Ninguém tem tempo a perder averiguando. A vida é curta pra saber que religião quer dizer religare = reler, religar, reunir (eu diria... quem sabe... repensar?)

Voz uníssona: - Nós só precisamos acreditar, ter fé!! Relaxa e goza. Aceita que dói menos. Cala a boca e passa a carteira!
Não iremos elaborar sobre talvez, só talvez, estarmos ridículos no papel da competição dos deuses. Assim como é idiota acreditar que faz algum sentido o prêmio dos melhores do ano.
Mas me diga: Qual o deus melhor, mais querido, com a barba maior, mais zangado, mais cheio de propriedades no reino dos céus? O meu ou o teu?

Tudo é produto.
E quando colocamos um produto no mercado, basta ir à mídia e prometer qualquer bobagem que anda na boca do povo, numa brincadeira de "me engana que eu gosto". Feito! Se dizem, tá dito.
Nós vendemos de tudo pra nós mesmos, toda a sorte de mentiras e, do outro lado, recebemos lacrimejando agradecidos e crentes.

É por isso que estamos sempre em círculos crendo de novo e de novo. E a nossa era, que está apenas começando - essa que a partir de hoje vou chamar de Inquisição Tecnológica -, é o tempo em que se queimam bruxas de novo, só que o acendedor é eletrônico e as fogueiras ecológicas.
Quem viver verá. A coisa ainda vai ficar muito pior. Porque nós queremos a-cre-di-tar e precisamos i-g-no-rar. Não perderemos tempo investigando pois a vida é curta.

Sobre o caso Boticário, os crentes acreditam que podem boicotar uma campanha que, quanto mais polêmica, mais grana vai gerar.
Pior ainda é que os caras visitam os comentários do vídeo do Boticário pra manifestar seu boicote em redes sociais da Google, que é uma empresa abertamente apoiadora das causas LGBT.
É que aquele que acredita demais, ignora demais porque relaxa demais no sinal que move o homem em suas descobertas e soluções:
o ponto de interrogação.

De verdade, defendo a campanha do Boticário mesmo entendendo que é mero paranauê publicitário. Porque é bonita, é bem desenhada e corajosa num momento em que desmistificar é preciso antes que as coisas fiquem ainda mais perigosas na tecnoinquisição onde pessoas morrem, são assassinadas simplesmente porque amam um outro alguém.

Porém, não deixarei que a empresa Boticário seja meu exemplo pra nada, porque já duvido da desigualdade. Não acredito na desigualdade, a abomino e desejo que todas as crianças a partir deste momento nasçam com o direito de serem iguais para viverem suas diferenças.
Não vou comprar nada pro meu namorado no Boticário pra ir contra o boicote. Primeiro porque tenho mais de um namorado, então o gasto ficaria grande demais e eu dou a desculpa de que considero esses dias especiais invencionice da sociedade de consumo.

E também, eu não vou comprar nada no Boticário porque, apesar de ser a favor da belíssima campanha eu, antes de mais nada, já boicoto o Boticário há tempos porque é uma empresa que patrocina eventos de moda onde desfilam caros modelos feitos por trabalhadores escravos e onde se vê modelos lindas usando roupas feitas a partir do sacrifício animal.

Assim, amores, só posso dizer que Google, Boticário e trololós só fazem o seu dever social, o tema de casa, o retorno ao público ao se manifestarem contra a homofobia, que é ilegal. E eu preferiria não colocar seus nomes em uma bandeira minha, porque não precisamos de paranauês publicitários pra sermos gente boa e nem devemos confiar em grandes corporações. Eu não acredito na sinceridade de qualquer coisa que se manifeste em uma produção publicitária. Se as eminências pardas da boticário aparecerem descabeladas num vídeo de celular manifestando-se contra a homofobia, daí sim, eu até confiaria na honestidade do conceito. O resto são coisinhas que a gente quer acreditar.

Gentilezas \o/