sábado, 26 de dezembro de 2015

Espelhos e Pêndulos

Nunca sei direito quando desembarquei do cinema, da moda, da música e do texto e resolvi misturar tudo isto com artes visuais. Só sei que num dos cursos universitários que frequentei me apaixonei pela Semiótica. 
Daí, naqueles dias eu comecei a fazer grandes instalações e micro obras onde eu montava espelhos e pêndulos. As obras menores eu entregava como presente de aniversário ou natal ou de despedida. Aquilo era de uma importância tão grande pra mim que mantive um diário com apontamentos sobre as reações das pessoas que ganhavam meus pêndulos.
Mais tarde, eu comecei a fazer mulheres de argila em invernos chuvosos. Elas gritavam com uma boca imensa e o tempo úmido mexia com elas e era como se estivessem ficando com os corpos flácidos enquanto secavam lentamente e, por vezes, perdiam pedaços apesar de não irem ao forno, porque argila no forno me dá uma impressão de morte em vida.
Depois comecei a fazer homens em camas de prego com pênis eretos, o que talvez quisesse dizer que eles eram masoquistas.
Nunca mais esqueci que na fase das mulheres de argila com bocarras e mãos nos seios eu fiz uma mulher sofrida e grávida e dei de natal para a minha mãe que teve medo dela e não aceitou o presente e eu fui embora decepcionada. Minha ex-sogra acabou gostando e - não sei se pra me consolar - a mantém em destaque até hoje, perto da lareira, numa estante cuidadosa entre obras mais catedráticas.
]bw[


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

EMBORA EU ACHE HORROROSOS OS MOSAICOS DE ESPELHO.

Não vivo de arte... sobrevivo e não me queixo, me deixo viver. Na escola de artes tive colegas e professores que riam da minha cara quando eu me apresentava como artista. É que as pessoas pensam que ser artista é algo chique, sei lá... Então lhes parecia uma arrogância o que pra mim parecia natural há anos, tanto que minha DRT é como Diretora de Arte - se bem que nem sei onde anda minha carteira de trabalho.
O problema do artista na nossa geração não é o mundo ao redor, o problema do artista é ter vergonha de ser a despeito da aprovação dos entendidos, é não saber que este eterno não saber já é um passo para ser. Pois o artista é uma pergunta ambulante, começando por ter consciência de que nunca saberemos dizer ao certo o que é arte.
Não dou muito valor pra o que passou na minha história como artista porque emocionante é fazer, depois de feito não vou viver das lembranças de algo que não sinto mais. É como querer repetir o mesmo orgasmo, entende? Não entendo essa mania de provar o que já fez pra todo mundo dizer "Oh!". Não é por algum lindo prêmio que tenha conquistado antes que alguém deveria ver no meu trabalho algo sensível, mas pelo que sou agora, outra.
Também penso que se você esquece e não valoriza tanto o que fez antes, você vai estar sempre recomeçando e daí é como tomar banho depois de uma noitada e ir dormir pra repor as energias.
Entre as poucas certezas que a gente tem, a primeira é que você não aprende, você aprimora. Vi gente nos vários cursos de artes que já fiz, pedindo "pulamor de deus, me ensine a ser um artista". Mas não foi uma instituição que me fez ver como sou. Descobri meus dons e dúvidas fazendo, vivendo, errando, perdendo,
Não vivo de arte, eu sobrevivo e não me queixo, eu me orgulho de viver aprendendo, consciente que vou morrer com mais perguntas que respostas.
Na arte, como em qualquer profissão, você nunca termina os estudos. Me dá faniquito quando alguém diz que está formado. Formado é pronto pra morrer. Me perguntaram uma vez porque eu entrara na escola de artes se eu já me considerava uma artista, seria pelo diploma?
Não, eu queria resolver umas coisas que estavam engavetadas e que eu ficava tentando pesquisar sozinha por orgulho. Daí cresci e vi que se eu fico perdendo tempo vou precisar morrer com 500 anos pra terminar tudo o que comecei, então é mais fácil aproveitar as respostas que alguém já procurou e publicou e outro alguém pode me mostrar em uma aula.
Mas além de tudo, eu gosto de estudar porque eu sou prolixa. Eu sou chata e subjetiva, eu sou daquelas que acha um abuso termos transformado em palavrão o conceito.
Não sei viver de arte. Sobrevivo e ainda não consegui valorizar o espaço oficial da arte no mundo simplesmente porque acho burrice limitar e, em pleno 2015, acho uma vergonha ainda aprisionarem a criação e separarem picho de grafite, entre outras coisas que fazemos para tornar a arte algo digno de pessoas com dedos macios e pálidos.
Meus trabalhos eu mostro como e quando me parece bom e tem vezes que não há muito público e nem divulgo e tanto faz, faço na hora que tinha que fazer e depois passou, foi, saiu.
Não atualizo curriculum, meu portifólio é um caos e eu amo tudo isto onde me perco e as pessoas chegam e querem organizar minha vida, acham que meu estúdio é uma bagunça e querem jogar coisas fora e questionam as micro partículas que lhes parecem lixo com pelos de gatos, enquanto pra mim meu lixo vale mais que um milhão de dinheiros. As minhas coisinhas e ideias inconclusas.
Não vivo de arte, sobrevivo como posso e não me interesso pelo foco.
Pra mim, cada trabalho que fiz, filmes, textos, designs, retratos, instalações, exposições... cada coisa que faço é um membro, uma veia, um calo, um órgão que vai formar um corpo. O trabalho do artista, me parece, não é um evento por ano que você estréia e as pessoas tomam vinho e dizem parabéns como se sua vida criativa fosse um escritório cheio de divisórias. A obra é um conjunto de todas e nunca vai ter fim.
Não aprendi a viver de arte, mas sobrevivo.
Creio que tudo é parte de um projeto só, um mosaico que você reza pra não terminar porque no dia que você terminar, no dia em que estiver pronto, no dia em que você estiver formado, daí você morreu, não tem mais serventia como uma pessoa viva. Aí é morrer, virar adubo e rezar pra que o seu mosaico sirva pra alguma coisa na vida dos que virão.

]biAh weRTher[

sábado, 12 de dezembro de 2015

A sangria santa.

Adentramos há quase duas décadas no século XXI e finalmente - ufa! - boa parte das mulheres perdeu o medo de lutar contra os tabus milenares que lavaram nossas cabeças a rezar que não somos donas do próprio corpo e existem seres invisíveis a espreita pra nos castigar se quisermos escolher o que faremos com ele.
Todavia, de gravidez à masturbação, a escravidão parece ainda ser uma questão de decência e honra pra muitas. Infelizmente ainda há um grande número de mulheres de todas as idades que sentem medo de serem donas dos seus próprios corpos e mentes e, para não ficarem sós, perpetuam, impõem os discursos dominadores.
Há anos observo um debate que é o maior, mais velado, senão o centro de todos os tabus a respeito do corpo feminino: o sangramento.
A maioria muda até o tom, é tema inviolável, sagrado, questão fechada.
O sangue como prova de que mulher nasceu pra sofrer. De minha parte, acho um saco quando o assunto entra em pauta nas reuniões de meninas porque é sempre como levantar a bandeira do fardo inevitável. Eca, eu me isolo e aumento o som quando as pessoas fazem cara de orgulho do sofrimento ou algo assim.
Desde cedo vivi severos problemas decorrentes da menstruação, então muito pesquisei - mais tarde adotei - a opção por não menstruar (santa é a liberdade).
Até hoje fico surpresa com algumas pessoas muito jovens que repetem discursos arcaicos sobre o sangue sagrado e a crença de que adotar métodos contraceptivos ininterruptos causa infertilidade, entre deduções mais tristes como considerar que a mulher que não sangra é menos mulher, rezando a cartilha de que só nascemos pra parir.
Quando me deparo com algumas opiniões horrorizadas e tons amedrontados a respeito da opção pela não menstruação, me vem sempre esta certeza de que as mulheres brasileiras acham que são livres só porque lhes deram o direito de mostrar a bunda na praia (cá pra nós, em muitas ocasiões isto está mais para prisão do que para liberdade).
Bem, minha sina é fazer parte de grupos fora do padrão, então sinto na pele e ouço os sussurros quando falo da não menstruação. Dou de ombros, pois tenho a a certeza de que mulheres adeptas de qualquer das formas modernas de contracepção contínua, seja por questão de saúde, porque não querem e pronto; assim como as que precisaram tirar o seu útero ou mesmo as que estão velhas não deveriam se esconder tanto com medo de serem consideradas o anticristo.
Não menstruar é lindo.
Cada uma que faça o que bem entender com seu corpo e a medicina é o único caminho para tirar tais dúvidas, não as crendices milenares ordenadas pelos deuses de barba sobre nossas cabeças e sexos.
Seja qual for a opinião que você tenha, nunca esqueça que nenhuma mulher vale pela quantidade ou pela cor do sangue que jorra.
Seja qual for o medo que você tenha, lembre que os homens não tem que se meter nisso a não ser que seja pra apoiar você a ser mais feliz e livre.
Assinado: A rapariga mais sem TPM da cidade.
}bw{

sábado, 5 de dezembro de 2015

13 itens sobre 2016


Assistindo filmes e lendo livros futuristas dos anos 1950, 60 e 70 tenho sempre várias certezas sobre as previsões feitas no século XX:
1) Escritores e cineastas tinham realmente o poder de adivinhar o futuro.
2) O uniforme, de fato, substituiu a fantasia.
3) As festinhas onde se dança estão muito comportadas e chatas.
4) As religiões eletrônicas que eles imaginaram eram menos bregas.
5) O roquenrou ficou muito muito velhinho e morreu.
6) Os designers olhavam o inusitado com tesão no cérebro.
7) Tudo já foi inventado e a única novidade no mundo é a lâmpada led.
8) 90 por cento da população acabou mesmo andando pelo pasto de cimento com os braços duros e os olhos parados.
9) O avant garde foi substituído pelo derrière e a gente anda de costas pois cremos na descoberta da Fonte da Juventude, que é um planeta onde todos tem pés de curupira e sofrem de paralisia intelectual.
10) Certos de sermos a última geração que sobreviverá a nós mesmos, perdemos o sentido do novo.
11) O futuro mora na propaganda de seguros onde se brinca de estátua.
12) Meu, o ser humano é um guri abobadinho
13) Tá, o item 12 é muito óbvio!
Assinado: A rapariga mais feliz do ano bom.
]bw(

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Eu conheço Campos de Carvalho, o interior do Mato Grosso e o orvalho.


Não sei quanto a vocês, mas estou há 29 dias de 2016.
Meu!! Dois mil e dezesseis!! Com 16 eu já escrevia e pouco ria, era séria e fazia poesia.
Faltam 29 dias. 29 anos. 29 pessoas. 29 horrores, filmes, músicas, amores e 29 refeições, questões. 29 garrafas de vinho.
Não lembro do último dia 29, mas devia ser como sou e igual ao que fui, correndo por aí, me escondendo por aqui cheia de trabalhos atrasados...
Tenho trabalhos atrasados!! Estou falando dos trabalhos que me sustentam, pois os que são, pra mim, um sexo selvagem, uma paixão, esses eu faço correndo, eu não durmo por eles, eu morro seca por causa deles.
Puta que pariu, estou mentindo!
Mesmo o amor que amo, eu traio. Eu traio pela vontade de novidade! Então, claro que não faço às pressas nem aquilo que mais me interessa.
Por exemplo, por volta dos 17 anos eu comecei a conhecer muito as entranhas do país. Nem lembro das poucas vezes que viajei com alguma companhia para lugares desconhecidos. Com parentes e amigos eu vou pra mares familiares...
Mas assim, viajar pelos projetos de cinema ou pra me perder sem esquema, daí eu vou sem ninguém, meio vazia de mim pra ver se me conheço um pouco ou - milagre - ver se algo me surpreende, algo me dá um susto, alguém me modifica.. quem sabe eu mesma me vejo e paro de me consumir.
Nessa noite não dormi, as dez da manhã sonhei com meus mortos.
No mais das vezes eu embarco sozinha e nos caminhos escrevinho, faço vídeos e shots e rolinhos de super8. Olho, escuto e penso.
Mas não pensem que esse monte de bobagens que eu escrevo e pics que posto nos meus mil endereços digitais, não pensem que são o principal do que vi, quis, fiz. Nããão mesmo.
Eu guardo coisas, eu guardo coceiras, emoções, solidões, paixões, medos, belezas e lembranças. Está tudo em páginas, agadês, cedês, devedês, até disquétes.
Eu guardo impressões e sentidos e, se um dia eu for relevante, alguém vai pegar tudo isso e vai ganhar um dinheiro. Mas eu tenho que morrer primeiro.
Hoje eu tenho que passar a madrugada pós produzindo fotos profissionais e não digo que não vou fazer meu dever, claro que vou. Contudo, antes disto, eu tomei um banho, eu lembrei de coisas como uma mania que a gente tinha uma época de cheirar rapé só porque as latinhas eram lindas mesmo as narinas ficando sujas de preto. Então, eu tomei um banho e fiquei pelada e fucei num baú cheio de figurinos dos meus filmes desde 1997 e. daí, descobri que tudo o que eu crio pra vestir tem algo meio névoa, muito transparente, fantasia cor de água.
Ah, isso tudo tanto faz. Lembrei agora de uma música idiota que eu compus quando da minha primeira banda e a letra ridícula de adolescente tinha uma parte que dizia "tanto faz e é só".
Caralho! Eu ainda penso do mesmo jeito!

biAhweRTher