sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Terapeutas e Réus

Outra decisão para 2017 é tentar julgar menos.
A gente vê o tempo todo a galera afirmando que não julga os demais, pois julgar os outros é coisa de babaca.
Impressão minha, ou chamar alguém de babaca é um julgamento (emissão de conceito, opinião sobre alguém ou algo)?
Por isso, talvez o melhor é a gente assumir que julgamos, sim.
É tão da nossa natureza que institucionalizamos o julgamento como o topo na solução de conflitos em todos os sistemas organizados (ou nem tanto) da existência humana desde o início dos tempos. Aliás, já se sabe que várias comunidades não humanas se resolvem em julgamentos.
Não é de todo ruim julgar, ruim é não pensar, elaborar, aprimorar e ser imparcial.
Deixar de julgar os outros duvido que deixemos e nem adianta mentir. Talvez o que devamos mesmo é nos embasar mais, termos mais conhecimento dos fatos e do caráter daquele que tomamos por réu em confronto aos nossos próprios critérios de ética e conduta em momentos de disputa ou mesmo de exibicionismo.
Porque né... entre tantos julgamentos, a gente sempre julga que a razão é nossa.
O melhor modo é pensar bastante. Espichar muito o pensamento. E, no caso do nosso país, bastante terapia.
Isso! Que em 2017 o Brasil consiga fazer uma terapia em grupo. Eu to dentro e até participo da vaquinha pra pagar a equipe de terapeutas que vamos ter que importar de algum lugar. Talvez da Islândia? Do Uruguay? De Galápagos? De um planeta distante?
Um beijo.
biAhweRTher

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

2017 ANOS ENFRENTANDO TROLLS.

Enquanto meu perfil principal segue bloqueado porque postei uma foto de arte onde quase se podia ver um mamilo, as redes sociais fazem um pacto com grupos que as utilizam pra organizar ataques a feministas, gays, negros....
A maior parte das páginas de incitação e organização de espancamentos e perseguição está nas redes sociais em grupos fechados e até fanpages.
Estava pensando agora nas grosserias que um certo ex-músico e seus seguidores (muitos deles fakes cheios de ódio de mulheres, negros e gays) me fizeram no tuíter pelo fato de eu defender a liberdade de gênero. Ainda bem foi pela internet pois haviam ali perfis de pessoas bem perigosas, como um tal de @O_Martorelli que odeia refugiados e pessoas do sexo feminino. Suas postagens são, na maioria, abusivas ao extremo, não se tratam de "opinião" mas de ódio gratuito e ainda assim segue ali, agredindo e ameaçando quem bem entender.
Os espancamentos, como o que levou à morte aquele senhor assassinado por defender travestis, acontecem todo o tempo em versão virtual nas redes sociais e por que a maioria das pessoas não tem defesa, eles vão se fortalecendo e indo espancar nas ruas.
Desta vez, tudo começou por eu lhes dizer que deveriam respeitas as pessoas que não tem uma família "tradicional".
O ex-músico passou a me perseguir e incitar outros a cometerem deboches. Mas não era de hoje que me tratava como uma idiota e trazia seus seguidores para me atacarem.
Printei o que me disseram e bloqueei o mentor e os mais grosseiros,
Em um mês é o segundo caso de ataque moral na internet que vou levar para a justiça, após muitos anos passando de tudo.
Acredito que, como alguns já tem feito no exterior, o certo é começarmos a processar os administradores das redes sociais.
Por exemplo, no caso das recorrentes perseguições do feicibuque ao meu trabalho como fotógrafa.
E sobre as gangues virtuais, percebi que muitas pessoas estão processando este tipo de agressão e ganhando causas.
Resolvi que é o certo a fazer. Assim é que eles vão parar, quando perceberem que ninguém mais os teme. Até porque não adianta ocultar-se sob um perfil falso. Há maneiras bastante simples de revelar seus rostos.
E essa é uma das minhas decisões para o novo ano.
Não vou deixar de divulgar meus trabalhos, como muitos me aconselham pra eu "não me incomodar." Nem vou "tomar cuidado" ao defender a igualdade e o respeito.
Serei eu mesma mais do que nunca e não vou fugir da internet e perder meus fãs, meus clientes, meus parceiros e a possibilidade de ver todos os dias amigos que estão longe.
Seguirei sendo eu mesma e, se for o caso, processarei até esse tal de Deus preconceituoso que alguns falsos religiosos inventaram pra usar como desculpa para seus atos psicopatas e fortunas sujas.
De resto, adoro ano novo com chuva porque daí estraga a festa das poluições na beira da praia, os pássaros cantam livres, dá pra ler um livro de boa escutando o mar.
Renovar as energias no silêncio e em paz.
Um beijo.
biAhweRTher

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O VÍDEO MAIS INGÊNUO DA CLARICE FALCÃO

Estava escrevendo um texto sobre o clipe da Clarice Falcão, que deixou tantas pessoas com ódio dela, mas sou demorada. Então vou postar aqui uma compilação de impressões que escrevi pra algumas pessoas que, sabendo do meu trabalho com nu, vieram me perguntar o que achei do vídeo.
Primeiramente, quero dizer que se você não conhece o trabalho e a relevância da Clarice entre jovens, talvez não tenha entendido bem (embora eu ache que a simplicidade do filme descomplica o entendimento se você é uma pessoa envolvida com comunicação, arte, internet, desconstrução do moralismo).
Clarice, juntamente com seu ex namorido Gregório prestou um super serviço e seguiu sozinha e maravilhosa depois de se separarem. São pessoas livres, leves, esclarecidas, cultas e desmontam essa bobagem de que "essa nova geração é alienada e mimimi".
O trabalho deles com o Porta dos Fundos foi fundamental, é revolucionário no que se refere a usar a internet pra questionar o momento político moralista, carola, direitista, fascista do país.
Clarice é uma mina filha de pais intelectuais, me sinto à vontade com os discursos dela porque também cresci numa casa entre livros, informação e pensamento esquerdista.
Como toda a mana de hoje, ela defende o empoderamento feminino e debocha do medo que as pessoas tem da realidade, como por exemplo o medo do pênis e da vagina porque tentam nos obrigar a fingir que nosso corpo é vazio no meio das pernas.
Dado o contexto, vamos ao clipe.
É um filme claramente debochado e ao mesmo tempo complexo em sua simplicidade infantil,
Sim, não é imoral, mas bem infantil o modo como a equipe criativa retratou a nudez.
Quem conhece o trabalho dela, sabe que a estética da Clarice incomoda as pessoas que ainda estão muito ligadas em explicações acadêmicas para a arte. Ela irrita sobremaneira aqueles que consideram imprescindíveis os vibratos e as superproduções. E por outo lado, o clipe incomodou muito quem faz e pensa vídeo clipe do mesmo modo como tecnicamente se contróem os filmes de casamento. Ou seja, você tem que usar um padrão e você tem que fazer uma vitrine de equipamentos e softwares.
De todas as raivinhas que li sobre o clipe a que menos entendo é o choque com a exibição dos pênis e das vaginhas, já que a nudez ali está super natural, sem qualquer apelo erótico.
Aliás, aí está o mérito do vídeo.
Ela mostra órgãos sexuais com tanta naturalidade e infantilidade que ninguém sente tesão e, pra mim, é por isso que irritou a galera que prefere mulher pelada chupando a barriga no comercial de cerveja e paus agressivos em cenas machistas de filmes pornô.

Um beijo.
biAhweRTher

VOCÊ PRECISA ENTENDER QUE O MUNDO MUDOU!

Várias pessoas que leem meus textos e acompanham os comentários já perceberam que sofro assédios nauseantes de um sem número de senhores repugnantes que frequentam meu feicibuque.
Mais uma vez, vou comentar o fato pois não sou só eu, claro, que passo por isso.
Não sei quanto às outras mulheres, mas sinto um nojo tão profundo que não dá pra traduzir em palavras. É a mesma sensação que nos vem quando algum estranho passa a mão na rua. É um misto de ódio, náusea e impotência. Triste demais.
Me constranjo, fico me policiando quando redijo um texto, reviso várias vezes ou deleto quando percebo que geram comentários que parecem diálogos de filme pornô dos anos 1970. 
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Eu não tinha que explicar isto, mas ontem, quando teci comentários sobre os caras me azarando no supermercado porque eu estava sozinha de minissaia as onze da noite comprando vinho, fiz uma crítica, uma piada sobre o fato de muitos homens não terem ainda desembarcado em 2017. 
Estava rindo da cara dos homens e não pedindo cantadas baratas nos comentários ao post.
Também, se escrevo um texto sobre a sensação de sair sozinha de carro à noite escutando música e cantando pela cidade, não tem entrelinhas, é uma coisa que faço há anos quando quero ficar c o m i g o, bem feliz, pois eu me amo e a d o r o minha companhia. 
Não estou procurando homens pelas ruas ou na internet. 
Não sou de comentar minha vida pessoal, então não sei de onde tiraram que estou procurando namorado ou um sexo casual. Não entendo os convites insistentes de alguns homens horrorosos pra sair no sábado, como se eu por acaso, só porque não posto selfies bregas agarrada num dono não tivesse com quem sair no sábado!!
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De uma vez por todas, quando estou sozinha não é porque não tenho sexo no meu lindo lar-ateliê que vocês nunca poderão conhecer, mas simplesmente porque não sou propriedade de ninguém e foi-se o tempo que uma mulher tinha que andar 24 horas por dia com um dono levando-a pela coleira pra que não ser assediada. Mas que história é essa de me tratarem como uma mulher que, por não expor um status de relacionamento, não exige que vocês metam seus rabos no meio das pernas?
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Isso que vocês fazem senhores, essas piadinhas metidas a elogios, são abusos que atrapalham imensamente a tranquilidade da gente, tiram o direito de ser o que somos, de brincar, de rir. 
É muito ruim ter que cuidar tudo o que se diz pois algum senhor desesperado sem tratamento psicológico pode pensar que é uma mensagem direta pra ele.
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Alguns agem inbox e são de uma insistência inexplicável diante do silêncio. Talvez dentro da lógica dos abusadores, se você cala é porque consente ou está se fazendo de difícil.
Outros ficam com piadinhas em comentários públicos que eu deleto sem pedir licença, pois não sou obrigada... 
Mas como são muitas pessoas e comentários, às vezes demoro pra ver que alguém passou da linha do respeito, então fico profundamente envergonhada quando percebo que algo nojento está por horas ou dias entre as reações e antes de eu deletar alguém já leu e resolveu andar também pelo viés dos mal amados (que são aqueles homens que ainda não entenderam que internet é vida real, não um enorme chat pra buscar um sexo virtual enquanto a sua senhôra ressona).
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Não estou dizendo que caras mais novos também não sejam inconvenientes e despreparados para a naturalidade no relacionamento interpessoal, como se não fosse natural andarmos por aí vendo que existem pessoas de todos os gêneros e o mundo não é um imenso puteiro cheio de meninas e meninos à disposição das suas mãos e teclados lamacentos. 
Mas, infelizmente, precisamos assumir que os senhores de mais de 50 anos, quando resolvem se expor ao ridículo são imbatíveis. 
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Quando eu era pequena, minha mãe vivia reclamando disso. Não tinha internet naquela época, mas os vizinhos mais velhos eram como os de hoje, mesmo sabendo que ela era uma moça casada, na dela com seus filhos, vinham abordá-la com elogios (eles juram que assédio é um elogio brincalhão) e ela sofria muito com isso, mas acho que não comentava com meu pai e nem comentava com as amigas, pois muito provavelmente eram as esposas dos tais vizinhos. Sofria quieta, mas os tempos mudaram e eu comento porque isso pode ajudar de algum modo.
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Não sejam tarados abusivos, não venham com a velha desculpa de que o meu modo de escrever ou vestir é o problema pois o problema é a sua interpretação abusiva.
Se escrevi algo que lhe pareceu uma insinuação, seja menos egocêntrico; se usei minissaia e acha que só pode ser porque quero dar pra você, procure um terapeuta; se fui no supermercado sozinha comprar um vinho e só por isso você pensa que eu estava caçando, você está se tornando perigoso; se eu escrevo que saí de carro sozinha escutando música e você interpreta que fui em busca de um homem, se enfie numa camisa de forças.
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Não senhores, ninguém está procurando vocês. Possivelmente nem a esposa de vocês os quer e já tá preparando as malas faz horas pra ir embora com um cara que vive no nosso século.
E quando eu escrevo que alguns homens ficaram com os olhos em cima de mim porque eu fui no super de minissaia toda linda buscar um vinho, eu não estava me sentindo lisonjeada porque estar linda é uma contingência que independe de vocês. 
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Ninguém é bonita pra vocês, tirem essa idiotice da cabeça! Ninguém sequer nota vocês, tanto que precisam vir na internet fazer comentários horrorosos em textos de minas livres.
Nós somos bonitas quando estamos realizadas e felizes, somos bonitas pra nós mesmas.
Quanto a mim, ainda estou puta da vida com as reações ao meu texto de ontem, não preciso usar uma merda de um super mercado pra arrumar sexo pois sou tão maravilhosa que minhas relações pessoais são duradouras, saudáveis, lindas e se dão de modos não desesperados. 
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E não esqueçam, busquem uma terapia senhores, virem gente, desembarquem em 2017 ou abandonem o barco e vão viver em outra dimensão.
biAhweRTher

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

GASLIGHTING É TENDÊNCIA.

De dois em dois meses algum homem feio, grosseiro, desses que acha chique jogar cocô no mar gaúcho, odiar nordestinos e brigar por causa de futebol, invade meu espaço para me ofender. Claro, pelo tipo de vida que levo, esses homens nunca terão a mínima possibilidade de me ver de perto, ver o quanto é linda a minha vida, as minhas pessoas, leves os meus dias no meu lar-ateliê com as pessoas que amo, meus clientes, amigos, as gatas e a minha cadela Júlia Albertine. Nunca terão o direito de vivenciar, entender meus processos criativos, participar dos meus projetos voluntários ou ser motivo de inspiração pra meus filmes, contos, poesias visuais, retratos e risos.
Mas eles vem. Noto que ficam à espreita, juntando ódio a cada post meu, a cada vitória, a cada texto que muita gente partilha, a cada imagem que toca pessoas, cada obra que alguém compra, cada elogio que recebo.
Eles ficam no sombrio espaço dos stalkers e, um certo dia, não aguentando tanto ódio de uma mulher feliz e livre, eles cospem.
Como hoje, um senhor bem grosseiro, que nunca teria acesso a mim sem ser metendo o pé na porta, entrou em minha timeline e nas mensagens inbox com a desculpa de defender o governo Sartori, que venho criticando.
Ele veio do nada, nem sabia que era seguidor da minha página e não entendo por que o é.
Veio e me chamou de louca, mal amada, doentia, petralha, esquerdopata, solitária, doente (mais uma vez), mal recebida em todos os lugares (oi?), necessitada de tratamento, sem amor (mais uma vez) e tudo aquilo que os machistas decoram no curso de gaslighting.
Depois de dizer tudo isto, ele riu: "estou tremendo de medo", "não falei nenhuma mentira", "o que falei não é ofensa"...
Eles vêm, e na sua masmorra não os ensinaram que ao chamarem uma pessoa de louca eles precisam não só provar como pagar pelo dano moral.
Infelizmente pra ele, não sou solitária. Mas tenho mil amigas que optaram pela solidão e são muito felizes.
Infelizmente pra ele não me falta sexo, Mas conheço mil gentes que preferem não fazê-lo e estão bem de boa....
De ontem prá hoje vi várias pessoas de esquerda, mulheres, trans, músicos e atores anunciando que estão ganhando na justiça ações contra tais desocupados. Me parece a nossa melhor saída.
Optar pela humanidade não é uma decisão fácil no planeta das luzinhas tecnológicas e do vício em compras. Mas força na peruca! Sou esquerdopata :)




Um beijo.
biAhweRTher

A mão do monstro

Já passei momentos tristes por causa dos meus projetos de auto retratos nus. A qualquer divulgação de exposição ou de processo criativo, qualquer pedacinho de um retrato e já me denunciam, ofendem, o feicibuque bloqueia, ameaça, perco minhas fanpages, anônimos me insultam em meu blog. As mesmas pessoas que me odeiam por causa da arte sobre o meu corpo, estão todo sando dia festejando a publicidade que objetifica a mulher, usando o corpo nu pra vender apartamento, cerveja, pastel, barbeador...
Precisamos falar sobre isso, de eu não poder ser dona do meu corpo. Se meus retratos são arte e refletem, ilustram, discutem, perguntam eles são imorais. Mas se meu corpo estiver a mercê, não for templo de minha própria expressão, mas objeto de uma fila de homens que se masturbam. Se meu corpo deixa de ser meu e seu retrato passa por outras lentes, filtros e pós produções como um objeto que vai servir para vender produtos, daí minha nudez não ofenderá, não irritará, não te levará a enojar-se e me denunciar?
Me explique sobre o seu moralismo e a minha imoralidade.
biAhweRTher


A MÃO DO MONSTRO. auto retrato - câmera lomo em caixa estanque - 35 mm - interferência digital, aqualine e canetinhas coloridas.
Hey pessoas, o meu livro Moscas Volantes, finalmente vai sair da internet e dos meus rabiscos amassados na gaveta das calcinhas e vai ganhar. em 2017, bem no meio do FLõ festival do livre olhar, uma sessão de autógrafos. O processo criativo, claro, vocês vão acompanhar - alguns já o fazem - alguns dos rascunhos no meu blog. Acho que já tenho uma revisora, mas antes eu mesma vou revisar os contos já publicados e os que escrevi a mão ou na máquina de escrever (sim, às vezes uso isso). Aqui vai um dos contos, ainda no rascunho porque não me importo de mostrar meus erros.
http://biahwerther.blogspot.com.br/p/moscas-volantes.html
>>>Moscas Volantes e O conto dos anjos
E Rita seguiu seu caminho errante.
Morreu, nasceu, coloriu as crinas dos cavalos, rasgou as bandeiras, visitou um cemitério no interior do Uruguai, descansou nas armadilhas e desembarcou, finalmente, em 2015.
O mundo estava outro, o mundo estava louco! Choviam navalhas e, à noite, todos bebiam drinques feitos de olhos, línguas e bílis e riam e babavam e rezavam e clamavam, inquietos e barulhentos.
Arranjou um emprego! Regadora de campos minados e cuidadora da fogueira nos arredores da cidade. Lá se apaixonou pelo rapaz que consertava as minas e guardava segredos. De Rita, ele soube tudo. Sorriso encantador e olhares com luzinhas dentro, nas longas tarde do campo minado, ele perguntava e perguntava, se deleitava com as respostas mas de si nada revelava.
Nas noites de sábado, ela ficava só, mantinha o fogo sempre aceso, tinha medo. Escutava os fantasmas do passado e jantava suas dúvidas, brindando com os besouros.
Naquele ano, muito se falou em Deus e o namorado de Rita falava também. Mentia e orava a Deus, egoísta citava Deus, faltava e chamava Deus, se esquecia e esperava por Deus.
Num certo final de semana, Rita se distraiu. Esqueceu de manter acesa a fogueira. Resolvida a voltar para os caminhos do tempo, levou apenas o cantil com o que restara da água no regador. Deixou secarem as minas. Asas no deserto.
Na segunda feira, quando chegou no campo de trabalho para fazer a manutenção das minas, ele a procurou no silêncio. Ao lado de uma fogueirinha apagada, apenas os besouros a lhe entregar um bilhete que dizia:
“Meu amor.
Se aceito que você me engane, se finjo que não sei, não é porque sou tola, mas para não constranger suas escolhas. Se permito que me use para alimentar suas tardes tristes nesse campo minado cinza para, longe de mim, exibir como troféus as violetas que colheu das minhas veias, não é porque sou ingênua. Apenas me parece uma troca justa! Você me dá suas esmolas e eu lhe dou os sonhos que me sobram e nem tenho onde guardar, pois sigo sem parada, sempre a procurar.
Se deixo que encare a mim como um parêntese, um hiato, o dia de folga do que realmente importa na sua existência pálida é apenas porque me basta ser o espelho, o seu lado inverso, o ponto que renega, o que você mais oculta, o nervo, a parte que te envergonha. Sou aquilo que você nunca conseguirá resgatar do porão, aquela que você guarda no sótão e, pra te agradar, consegue caminhar sem tocar o solo, sem fazer barulho no piso, sem deixar pegadas no chão. Porque eu flutuo e, sendo assim, me vou.
Fui os teus cinco minutos, você a lâmina afiada. Sou o teu segredo, você foi tudo, mas agora que matei suas minas... agora você é nada.
Adeus. Rita de Cássia”

biAhweRTher

sábado, 17 de dezembro de 2016

Porque o meu festival nunca foi exclusivo para exibição de filmes?

Primeiramente por que festivais de cinema se assumem "competitivos" e não me sinto bem em festividades onde as pessoas se encontram, sorriem, bebem juntas, mas no fundo querem provar que são melhores umas que as outras.
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Trabalhar com cinema, aqui em casa, é diferente do jeito como todos os meus amigos cineastas trabalham. Eu acreditava que era pelo fato de eu fazer artes hibridas e, para muitos especialistas em cinema, isto é algo que transita entre a traição e o amadorismo.
Porém, com o passar dos anos acabei aceitando o fato de que a minha desobediência resistente, a minha falta de pressa e meu gosto pela falta de foco, não me trouxe tantos inimigos assim. Gerou fofocas, batalhas e, sim, pelo menos um inimigo que quer até hoje me ver morta (chegou a me dizer isso na cara), alguns invejosos e meia dúzia de fofoqueiros que já desistiram de torcer pela minha derrota, pois a essas alturas já se viu que o meu jeito de viver e laborar não dá espaço para derrotas já que eu as incorporo no processo e as transformo.
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Mas a verdade é que desde o primeiro dia em que apareci no mundo dos cineastas com um ponto de interrogação na ponta da língua, a maioria foi com a minha cara ou, se não foi, aprendeu a me aceitar e relaxou.
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O que mais me torna inconveniente em alguns momentos, insuportável em outros e fora da turma sempre é o fato de o cinema brasileiro ter uma história baseada no machismo.
Na cidade onde moro isto ainda é muito presente, mas de modo geral noto que ainda não se confronta muito esse fato.
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Por exemplo, já vi dezenas de vezes meninas e meninos do cinema beijando os pés da Helena Ignez não por ela ser quem é, por ter transcendido a objetificação, mas por ter sido "musa" do Cinema Novo e do Cinema Marginal, esposa de "nada menos" que três monstros sagrados do cinema nacional: Glauber Rocha, Júlio Bressane e Rogério Sganzerla.
Preciso confessar que o mal estar que me causa a designação "musa" transcende o estômago e vai até a minha aura.
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Cinema, para mim, desde o primeiro momento em que peguei em uma câmera ainda muito jovem, já querendo rasgar o roteiro, é um lugar onde as pessoas envolvidas vivem. É um planeta em outro tempo-espaço, paralelo.
Neste planeta existem os mais ricos e os mais pobres, os bem comportados e os subversivos, os livre e os comprometidos, os que repetem modelos e os que não os aceitam.
Mas é um universo paralelo cheio de códigos e dogmas internos que alguns, entre eles eu, não respeitam.
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Quando dirijo um festival que mistura o cinema com outras artes e tira ele da sala e busca filmes experimentadores, sinto que alguns colegas me olham como se eu estivesse desconstruindo o templo, usando o banheiro com a porta aberta. Pois se a competição não é o princípio, os segredos são desnecessários.
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O hibridismo expõe, funciona como uma suruba criativa, inventiva aumentando nossas possibilidades de viver a vida real. Para alguns é imoral, para outros é libertação, objetivo, missão.
Em todas as minhas viagens de cinema eu filmava uma cena dos passos das pessoas comuns no lado de fora das salas, encontros, premiações, debates... Mais tarde, estudando no Instituto de Artes da UFRGS eu fazia o mesmo, ficava na frente daquele prédio filmando as pessoas que por ali passavam sem precisar de nós, sem interesse em saber qual tipo de atividade acontece dentro daquele prédio...
Ali fora do nosso limbo, dezenas, centenas, milhares de pessoas passam pra lá e prá cá vivendo suas vidas, correndo seus caminhos sem dar conta da nossa existência vaidosa, sobrevivendo sem precisarem de nós.
Chegar a essas pessoas sem ser marionete das grandes corporações talvez seja possível se nos sentirmos parte, como o menino empacotador, tal qual a secretária do dentista ou o dono da padaria. E algo me diz que deixar de lado essa necessidade de definir qual arte ou artista é melhor ou se expressa de modo mais certo, mostrar a intimidade da arte com processos abertos e vivenciar a multi-expressão talvez sejam ótimos caminhos.
Agora, se você acredita que um cineasta não é um artista, possivelmente não chegou até o final do texto.
Um beijo.
biAhweRTher

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

DO ALTO DE SUAS TORRES, OS PRÍNCIPES NOS INVEJAM

O discurso de Madonna ao receber prêmio de Mulher do Ano pela Billboard é viral. A confirma como uma das mães das feministas que minam e transfiguram o mundo pop nestes tempos globalizados.
Ela e outras da sua geração abriram na indústria machista de personalidades pops, indiscretas torneiras que foram gerando cascatas obscenas.
Hoje temos de Lady Gaga à Valeska Poposuda usando seu poder dentro da própria indústria para dar exemplo de libertação, desconstruindo a ilusão de que existe um perfil e um nicho exclusivo para a mulher feminista.
A quem interessa um enquadramento das feministas?
Quem acredita que feministas precisam ser letradas, ou discretamente maquiadas ou bem comportadas, ou "básicas", ou sem sutiã, doutoras, ou engajadas em grupos institucionalizados?
Nada disso!
Liberdade é para todas, seja uma índia velha, uma puta nova, uma dona de casa solitária, um perua, uma Madonna ou a Xuxa... uma trans, a Laerte Coutinho...
Mulher é mais que uma mãe dócil ou uma boa comunicadora, vai além do útero e da representação, transcende o óbvio, o volume do quadril e o agudo da voz.
Você pode dar o grito de liberdade dentro do seu quarto na periferia ou no microfone como mulher do ano.
Dançarinas de funk ou bailarinas clássicas, escritoras de auto-ajuda ou anarco-feministas, todas podemos e devemos viver, querer e ser.
Disputarmos para ver quem é mais feminista é tão machista quanto puxarmos os cabelos brigando pelo pau do cara imbecil que trai a sua mina e ainda sai dando risada porque as loucas se pegam por causa dele ao invés de se abraçarem e saírem avuando pelo mundo.
A guerra entre as manas tem os dias contados.
Cada vez mais garotas estão repensando o sentimento de inveja que aprenderam a sentir das mulheres "loucas"; a raiva que foram educadas para sentir das mulheres livres; a concorrência que lhes foi incutida.
Se cuidem, manas, porque essa obrigação de achar que mulher que mostra o corpo é objeto sexual pode ser uma pegadinha bem amarga. O corpo é seu, faça com ele o que bem quiser. Recatadas não são elegantes, são apenas medrosas.
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E aqui no mundo onde fazemos arte, a verdade grita.
Seja entre artistas independentes, seja entre grandes nomes, as minas mandam, hoje, nos bastidores e nos palcos.
Ok, pra isso ainda enfrentamos deus e o diabo, que são amigos inseparáveis quando o tema é feminismo.
Ainda há muitos caras com síndrome de barbie tardia, reclamando se a mina tá velha, se tá gorda, se é negra, se é trans... Mas enquanto se iludem que podem impedir que sejamos o que bem quisermos, a gente faz sucesso. Esperto é o cara que aceita, pra doer menos e desapega dos abusos que treinou e o levam a sujeitar-se à masmorra da existência humana: o principezinho preso na torre.
....
Olhe ao redor, se você é artista, e compare. Quando uma mina foda se coloca e enfrenta, ela faz mil vezes mais sucesso do que um cara que faça a mesma atividade (muitas vezes roubando ideias das suas garotas).
É que exatamente o inexplicável que trazemos de nascença e que os homens usam contra nós para exercer preconceito, domínio e exclusão; exatamente os sextos sentidos e as "loucuras" de mulher que nos fazem sofrer Gaslighting é o que nos faz destacar-nos.
Cada vez mais o empoderamento das minas está mostrando que quando uma mulher se ama, o cara inteligente não tenta competir pois tem uma grande probabilidade de sair perdendo. E é daí que vem a tortura psicológica. Tentam nos convencer de que existimos para agradar e servir homens porque, livres, descobriremos que o poder feminino é infinito.
...
Se te chamarem de louca, agradece.
Para os homens que passam pelas nossas vidas tentando nos escravizar e explorar nossos talentos enquanto nos tentam diminuir, há um único conselho:
Carinha, faz a sua, de boa, sem querer pisar na mina que está ao seu lado, pois a grande probabilidade, se quiser brincar de pódio, é você sair perdendo. Hoje em dia, a sua mina nunca está exatamente a mercê, sozinha no mundo.
Enquanto você se mantém encastelado, no mundo feminino tudo está no seu lugar, graças a nós mesmas.
biAhweRTher
Um beijo
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"Estou aqui em frente a vocês como um capacho. Quer dizer, como uma artista feminina. Obrigada por reconhecerem minha habilidade de dar continuidade à minha carreira por 34 anos diante do sexismo e da misoginia gritante, e do bullying e abuso constante.” Madonna
....

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Crônica da Noite Pacata

A moça na vendinha com o filho pequeno, olhando os preços das garrafinhas de cerveja.
O filho grita:
- Mãe, posso pegar um sorvete?
- Pode!, responde ela.
O rapaz da vendinha:
- Tu não quer levar 6 longnecks por 30 reais?
- Bá, eu ia levar uma, mas já que tenho exatamente 30 pila, me dá as 6.
E eu pensei: "Mas e o picolé da criança?"
Dois minutos depois estou eu com a minha cadela na rua e ela logo na frente, já com uma cerveja aberta, bebendo feliz da vida.
E o menino triste, sem sorvete, ao lado dela.
Sério, chorei.
(...)
Curiosamente, no mesmo prédio que ela adentrou com o menino que, só ela não percebeu, tinha uma bola de tênis na garganta,
um homem de cinquenta anos matou a mãe ano passado, e ficou convivendo com o cadáver em uma caixa que ele cimentou no quarto dela. 
(...)
Antes disso, nessa tarde, furtivamente, visitei Cecília, a peguei no colo e cantei para ela A História de uma Gata. Mas isso já é para outro blog.

biAhweRTher

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

o olhar é único, mas o festival é coletivo

Após 5 anos de descanso, pois eu precisava cuidar do meu trabalho autoral e tempo pra estudar,
estamos voltando com o FLõ, o meu filho mais complexo, mais diverso, mais plural e mais livre.


TE INSCREVE: http://livreolhar.wixsite.com/meuflo

APOIA: https://www.catarse.me/flo

ACOMPANHA: https://twitter.com/FLo_livreolhar
 https://www.facebook.com/festivaldolivreolhar

PERGUNTA: flo@cinema8ito.com

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Chape

Eu conheci bem Chapecó, na época que o André coordenava a pós de cinema lá. O lugar que mais amei e visitei algumas vezes para fotografar e viver junto à borboletas azuis foi a Trilha do Pitoco. Mas em geral era visitado por turistas, pois os chapecoenses são super tranquilos e MUITO trabalhadores e focados. Vários nem sabiam que ali pertinho da entrada da cidade estava um paraíso com suas cascatas.
Futebol é um momento solene, mas nem torcendo são muito espalhafatosos. Há pouco pra se fazer nas noites. O xópin de lá é pequeno e quando eu frequentava a cidade era bem novinho, mas uma das poucas distrações. Não era pesado como os nossos, pois as pessoas não ostentam tanto em roupas e perfumes. Eles gostam mesmo é de ficar passeando de carro no sábado, pra lá e prá cá, escutando sertanejo. Mas não fazem barulho até tarde.
A gente fazia jantares tarde da noite e ficávamos no jardim numa piscininha, no meio da semana, e os vizinhos não entendiam nada pois madrugam todo o dia e vão trabalhar. Nos sábados acordam cedo, lavam o carro, cortam a grama.
É uma cidade bem religiosa, pacata e ingênua. Uma sociedade, claro, com alguns preconceitos pois é uma população da serra, na maioria branca. Havia um mendigo só. Sério isso. E algumas vezes moças me olharam com desconfiança no aeroporto, pois era a única mulher de short embarcando sozinha a noite. Sim, isso também é sério.
A tragédia com o Chapecoense, numa cidade como aquela, é um trauma de proporção que nós, calejados da agressividade e do ódio em Porto Alegre, não teríamos condição de compreender.
Quanto à homenagem na Colômbia, é um tipo de amor que nós, brasileiros, perdemos pelo caminho. A chave caiu no bueiro.

Um beijo.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Avós Vampiras.

Quando meu filho era pequeno, eu sofria preconceito e tentavam me afastar dele porque eu não comia carne, porque eu tinha uma banda, porque eu fazia filmes, porque eu não queria fazer concurso....Tinha vezes que eu ia buscar ele na escola e a vó dele já tinha pego e levado pra casa dela, pois dizia que eu não o cuidava direito. Quando eu ia nas reuniões de pais, ela já estava lá, dava presentes pra vice-diretora. Nas fotos, eu estava sempre do lado, abatida, e ela agarrada nele, proprietária. E daí ela dizia pras tias e amigas que eu era omissa. Várias pessoas me odiavam e olhavam pra mim pensando coisas ruins, muito fui chamada de vagabunda quando na verdade eu tinha que brigar muito pra o pai dele me ajudar a não deixar levarem ele.
Eu amamentei ele até quase 4 anos, porque era um jeito de o pai dele não poder tirar ele de casa toda a hora pra levar pra casa de sua mãe.
Eu tinha sempre esse argumento da amamentação. Várias vezes eu saí de casa com ele pensando em não voltar, mas eu não sabia pra onde ir.
Era traumático. Eu fui virando uma robô porque eu sofria muito abuso psicológico. Eles me pegavam e levavam até o aeroporto e eu assinava autorização pra ele viajar com a vó. Ele foi pra Disney, foi pra Salvador, pro Rio, pra mil lugares com ela... Tinha vezes que viajavam em períodos escolares e eu brigava muito, mas o pai dele era bom na gaslighting.
Um dia ela começou a treiná-lo para tratá-la como "mãe" e não encontrei uma só pessoa que entendesse que aquilo não podia ser normal. Todos achavam que eu estava exagerando.
Então começaram as ameaças de ir na justiça e tirarem a guarda de mim, porque eu era artista, então não poderia provar que tinha condições financeiras pra dar a ele o que a vó podia. Os natais nunca eram na nossa casa e eram pesados pra mim. Foi se tornando normal uma marca em mim de irresponsável, despreparada e burra. Nada que eu fizesse, por mais sucesso que tivesse, comprovava minha capacidade como mulher e mãe pois na família era consenso que minhas conquistas eram obra, na verdade, do pai do meu filho que é considerado um grande pai, embora nem more mais no RS há anos e não seja presente.
Esses momentos horríveis tem um gosto. Há dias, quando a família me faz coisas ruins, que esse gosto volta. É como uma ressaca que não tem remédio. Acho que esse é o tipo de dor que nunca passa, mesmo que a gente nasça de novo umas mil vezes.

biAhweRTher

domingo, 6 de novembro de 2016

Domingo, 06 de novembro, 2016.

Arrotam que o comunismo não deu certo como se tal fato significasse que o capitalismo é um sucesso. 
Você se distrai defendendo a segregação, o sistema de castas, os muros e cercas que separam pobres de ricos. Você abstrai a verdade que grita a cada assalto que você chora. 
Enquanto você ostenta a roupa e o celular montados por algum trabalhador escravizado, boliviano, peruano ou sírio, você foge da verdade. Imigrantes ocupam as ruas de Paris, crianças índias são assassinadas por jagunços dos coronéis no extinto "pulmão do mundo" no Brasil.
Você se ilude com seus brinquedos enquanto jovens ocupam escolas, povos esquecidos confrontam a polícia nas ruas do planeta Terra.
Mães se perdem dos seus bebês famintos nas fronteiras carcomidas. Você sorri e segue com suas sacolas de compras, atrás da dieta da moda, o cabelo da moda, a frase de efeito da moda, o tutorial de moda. Milhares de humanos e não humanos comem seu lixo, mães humanas e não humanas choram e sangram. Você descarta a empatia e segue, ruminando seu hambúrguer.
Milhões, neste exato instante, vagam esfomeados por desertos, estradas, pequenos botes nos mares tristes, longe das praias fechadas, usurpadas pelas grandes fortunas.
Você se intromete, censura o buraco que seu vizinho usa ou não para fazer sexo enquanto um senhor de gravata italiana ferra você e o seu vizinho.
O comunismo não ter dado certo não é o que deveria nos importar agora. O que nos mata, o que nos assassina, o que nos suicida é o capitalismo.
Não é mais no cinema, nos livros de ficção nem nos quadrinhos. Não é o passado mal contado nem um futuro distante. É agora.
A cada agressão entre eu e você, a cada agressão sua ao morador das ruas, a cada vítima da violência policial, a cada vítima da barbárie contemporânea. O dia da invasão dos castelos e condomínios por parte dos esfomeados e revoltados é hoje e não adianta você festejar porque o país matou o PT, pois essa guerra tem milhares de anos, antes de mim, de você, e do PT.
Não sobrará pedra sobre pedra, não existirão muros nem cercas elétricas, não haverão milícias nem feudos. Não adiantam câmeras nem todas as trancas. Nada vai impedir que uma esmagadora maioria de renegados se revolte contra os senhores do capital e seus capachos.
Ouça as vozes, ele já estão aqui na rua e já não há mais diálogo. O medo que os escravizados sentiam do dono das terras vem dando lugar ao ódio, as cadeias não tem espaço para todos os ladrões de pão injustiçados, violadores culpados, estupradores, psicopatas, esquartejadores, mulheres enlouquecidas, crianças que desconhecem os sonhos.
O caos está feito e não foi o socialismo, o comunismo, o esquerdismo, os ripongas, os maconheiros... até porque eles foram vencidos.
A bestialidade é hoje. Parabéns, o capitalismo venceu.
Benvindo á selvageria pós colonial.

biAhweRTher

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O dia mais incrível é sempre hoje.

O dia mais incrível é sempre hoje.
Eu sou tri positiva sempre. Por exemplo, to tri doente e vou ter que fazer 3.452.943 exames. Mas isso tem um lado muito bom pois fiquei na cama até meio dia e assisti Tubarão. É um filme tenebroso pra quem defende animais. Odiável, apesar daqueles ótimos figurinos anos 70.
Depois o Gabriel chamou pra mim o táxi pra eu me arrastar pro médico. Eu nunca me arrumo, mas quando estou doente fico 3 horas me enfeitando, porque sou saudável demais pra sair pra rua com cara mórbida.
Me fui.... o táxi mais velho que o Papa. Rangia ao sabor do vento, sob o cinza outonal da nossa primavera.
O motorista era estudante de Teologia, falava mal do vício das pessoas pelo uátizap, mas ficava lendo mensagens. Me falou de Cristo, que ele previu essas religiões eletrônicas que vendem boa sorte. Me disse que os evangélicos de igrejas modestas e realmente servas do Senhor estão bastante horrorizados com o que as igrejas xópin, dos pastores-políticos, estão a prometer, deturpando a busca pela pureza da alma.
Eu queria descer do táxi pra entrar na clínica, mas ele estacionou e ficou uns 5 minutos tentando me converter.
A secretária do médico era uma senhora de uns 55 anos que não foi com minha cara. Eu sei, eu sou simpática demais com recepcionistas e isso irrita. Reclamou porque eu disse só o meu último sobrenome; se zangou porque eu esqueci o nome do médico já que era minha primeira vez ali; ficou braba por o coiso da unimed tava demorado...
O médico era um senhor de mais de 70 anos. Fez gracinha, me chamou de lindinha e depois de apalpar minha barriga disse que ela estava bem boa. Quando meu filho marcou a consulta pra mim, cheguei a dizer pra ele tentar uma médica mulher. É que desde os 13 anos tenho péssimas experiências com médicos senhores de idade. Não sei se é azar... Desculpa, não gosto de gracinha comigo dentro do consultório. Já não basta uma pessoa estranha metendo a mão na gente? Não precisa sorrisinho, bunitinha, cuidadinho, vozinha.
Táxi da volta, um guri todo sarado com umas tribais saindo pelas mangas justas. Ficou me contanto o porque de votar no Junior Marchezan. Achei curioso porque ele metia o pau na soberba da classe média, reclamava da falta de segurança para as famílias pobres, estudantes, trabalhadores da periferia. Falava em favor dos moradores de rua e que há pessoas que estão no crime porque não tem emprego, porém acha que grande parte dos jovens do crime tem jeito. Mas por fim, vai votar no Junior porque a campanha publicitária é melhor.
Legal, não discuto.
Em casa, rola um trabalhinho pra fazer de noite. Eu vou. Ficar doente em casa é chato pra caralho e além do mais, se tu tá te sentindo mal, acho que as imagens da tua câmera ficam mais sensíveis, entende...?
Dois beijos.
biAhweRTher

domingo, 23 de outubro de 2016

Missa Dominical

Claro que uma pessoa, ateia ou religiosa, tem seus defeitos e suas belezas. Ninguém é puro só por que acredita em Deus; ninguém é justo só por que decodifica os grandes pensadores.
Porém, minha tendência é confiar mais em pessoas ateias por motivos gritantes subjetivos e muito por experiências pessoais. Já vi muita gente grudada num rosário e vivendo sob a égide dos movimentos mais preconceituosos da história.
Simplificando, se você respeita as outras espécies, se você se incomoda com a desigualdade, sofre com o sofrimento alheio e luta por um mundo melhor sendo ateu, sua essência é pura por que é natural em você o sentimento de justiça.
Agora, se você não sabe como ser uma pessoa legal se não for obrigado a crer que há um senhor zangado, invisível e opressor lhe fazendo tremer diante do pecado para que você se obrigue a respeitar o próximo... daí.. poxa, seu caráter inspira cuidados.
Religião é como as drogas, você escolhe a sua favorita mas pode muito bem viver sem ela a não ser que você seja uma pessoa propensa a se entregar aos vícios. Eu adoro umas três religiões. Meu pai era ateu e não curtia esse meu lado místico, mas eu achava que era como tomar suplemento alimentar sabe. Em casa me davam terragran pro corpo e livros pra mente, na rua eu curtia entrar na igreja ou visitar a umbanda junto com a minha vó como quem toma uma vitamina pra alma. A mitologia da umbanda é linda, a igreja católica quando está vazia em seus ecos me dá uma certa paz. Depois comecei a curtir budismo e tive minha fase de visitar Três Coroas que, no final dos anos 90, virou modinha... Mas estou sabendo que eu, sozinha, é que preciso me melhorar e respeitar os outros. Só depende de mim ser alguém descente e honesta e isso eu aprendi com meu pai ateu que conhecia a bíblia de trás pra frente pois considerava uma publicação política e foi o cara mais digno, justo e tomado pela empatia que já conheci..
Um beijo.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Sobre dividir processos criativos com homens.

Passei a vida entre uma maioria de meninos. Nas bandas que toquei, era só eu entre garotos. Nos meus filmes, uma maioria de rapazes. Nas empresas onde trabalhei (sim, eu também, antes de me aceitar artista, fui escravinha de senhores cretinos) e até na minha primeira faculdade, Administração. E fui uma coisa horrorosa quando era casada: a mulher por detrás da obra do homem. Coisa que muitas garotas ainda fazem, infelizmente.
Havia uma tensão, uma necessidade de provar o tempo todo, uma ansiedade, uma apneia, menos direito à voz, várias situações de assédio. Houveram centenas de episódios onde eu sabia que estava sendo excluída de situações, como numa confraria de paus, embora eu fizesse parte ativa (muitas vezes a mais ativa pois mulheres sabidamente são produtoras dedicadíssimas) desse ou daquele grupo de trabalho. 
Era difícil trazer a baila sensações de desconforto porque, não raro, alguém desprezava, outro me chamava de paranóica e sempre terminávamos na melhor saída desmobilizadora e desmotivadora que os homens encontram: "Está na TPM?"
Faz pouco que me entreguei primeiramente ao que é meu - artisticamente falando -, aos meus desejos e sonhos antes dos sonhos e desejos dos outros. 
Tenho buscado equipes de mulheres e gays. Não é por acaso, é opção. 
Há em mim uma escolha de trabalhar com poucos homens, até porque eles trazem certos preços que já não me sinto disposta a pagar. Em geral, tem mais preguiça de escutar e acham chatas as contextualizações e os processos que fogem de modelos pré-prontos. São mais arrogantes, se enrolam mais pra se entregar com amor a um projeto. Não digo que não consigam, mas é preciso ter paciência com eles até que relaxem. 
No mais das vezes, tem um vício de duvidar de metodologias orientadas por mulheres, tentam modificar o que já foi decidido num ímpeto competitivo que, muitas vezes, nem percebem, é inerente à sua educação; sentem dificuldade de serem dirigidos por mulheres sem antes desconfiarem. Relutam a entregar-se e isto trunca os processos e atrapalha substancialmente a circulação das energias.
Apesar de terem esses vícios, inconsciente coletivo, cultura de superioridade, aceito homens nas minhas equipes pois acho muito positiva a diversidade, acho necessária. 
Contudo, neste momento, estou preferindo que sejam minoria os homens nos meus ambientes de trabalho porque perde-se tempo demais preparando a recepção aos carinhas, sabendo-se que a maioria chega com uma certa altivez desnecessária, em posição de defesa, pouco a vontade; menos propensos a relaxar e gozar do trabalho coletivo; mais disponíveis a serem o centro em lugar de simplesmente parte e eu, nesta fase da vida, já não me sinto obrigada.
Um beijo.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

GASES BOVINOS E O EFEITO ESTUFA.

Vários amigos, assim como eu, na fatídica noite do domingo das eleições, desabafaram a auto-crítica, óbvia conclusão de que somos um povo servil, moralista, consumista e apaixonados por essa situação de adoradores de uma casa grande que nos atira seus restos.
Passadas as horas, ânimos menos exaltados (a gente se acomoda e nos adaptamos rápido), estou lendo verdadeiros desagravos.
Especialmente aqueles diretamente envolvidos com educação, passaram a analisar a situação política do país por um viés, talvez, mais vitimista... me desculpem.
A lógica que vai se moldando é a de que estaríamos, ao sair do sério com a vergonha nas urnas, culpando o povo e a esquerda e esquecendo de culpar os tentáculos do #Golpe, a malícia dos senhores poderosos, a podridão nos castelos...
Fico em dúvida sobre isentar a todos nós. O povo brasileiro já saiu dos limites da fome e a escola estava a cada ano mais inclusiva. Ao longo do governo Lula/Dilma, as pessoas começaram a "consumir" e fizemos festa para esse fenômeno que, aliás, irritou muito a cultura das castas. Lembram dos episódios de repulsa porque os antes descamisados agora desfilavam em aeroportos?
O que acontece, a meu ver, é que seja rico, seja pobre, o país tem síndrome de dona Florinda. Quando nos apresentaram possibilidades, logo pensamos em ter um carro, nunca investimento pessoal em cultura - só pra dar um exemplo.
De minha parte, essa era uma das minhas náuseas em relação às gestões do PT no planalto. Me parecia que o "poder de compra" era mais importante do que eliminarmos o poder das construtoras, as propinas, a morte do povo índio em nome da monocultura e do desmatamento... O que importava era baixar os impostos para as pessoas comprarem geladeiras e carros (o Brasil é apaixonado por carros, lembram?). Não perceberam que esse marketing era um tiro no pé?
Não acho que é culpa do PT, claro, pois desde os portugueses e dos jesuítas, o Brasil se mostrou um país ingênuo que se deslumbra com coisinhas, espelhinhos e celulares.
Simplicidade, em países progressistas, é ouro, aqui é uma vergonha. Ricos, médios ou pobres, somos essencialmente "consumidores" e não vemos nenhum problema em nos reduzirmos a isso. Somos caipiras que não valorizam o que há de bonito na caipirisse. Ainda estamos na fase de nos deslumbrarmos com as luzes da cidade e quando as pessoas perceberam que para ser um país sério, teríamos que ser menos consumistas, fizemos birra e nos jogamos no chão do super mercado.
A gente elege playboys e senhoras de laquê por livre escolha. Eles não vão dividir o brioche conosco, mas ao menos podemos adorar o inalcançável.
Se Lula é como nós mortais, ele só pode ter roubado os pedalinhos, porque nossos filhos não tem que ter pedalinhos.
Se Marcela é loira e Temer é "Maçom" (brasileiro tem tesão pela maçonaria mesmo não sabendo o que é isso), ela e ele tem o direito de ocupar a presidência e devolver a ela os ares de castelo e não queremos nem saber se eles são investigados por milhões e trilhões de pedalinhos escondidos no exterior.
Nós sabemos que os eleitos moralistas e fascistas são cretinos e que posamos de idiotas, mas não estamos nem aí.
O guri pobre e o guri rico querem a mesma coisa: um tênis bem caro, um carro bem caro, uma mulher peituda. A diferença é que um, sem pai, rouba ele mesmo, o outro espera o pai articular um roubo numa sala atapetada.
Eu sei, você vai citar a força do povo da caatinga e dos imigrantes como exemplo de força. Mas essa qualidade já não é da maioria há décadas. Compramos roupas e celulares costuradas por escravos e estamos felizes assim porque nos parece moderno.
Não consigo dividir o povo e achar que a direita domina sozinha.
A esquerda deu poder à direita porque é tudo a mesma coisa.
Não há esquerda ou direita, há ladrões sendo eleitos porque sofremos de uma mania de banalizar nossa existência.
Somos aquele escravo que festeja o nascimento do bebê da sinhazinha.
Um beijo.
biAhweRTher

sábado, 17 de setembro de 2016

O Retrato das Costas

Tenho uma teoria de que o cinema gaúcho não se reinventa porque as pessoas se fecham demais em seus grupos e não se disponibilizam a conhecer aqueles que vivem aqui mas experimentam. Por que sim, você não precisa ser gringo para experimentar.
Por exemplo, as pessoas que fazem o cinema tradicional costumam me encontrar e perguntar o que eu ando fazendo. Em geral, pelo fato de eu ter deixado de participar dos festivais tradicionais, de tapete vermelho, alguns acham que devo estar vivendo de rendas (rolava até uma lenda de que eu sou rica e só por isso brincava de desconstruir os cerimoniais).
Sinto, por experiência e por me espraiar sem turma fixa, que por estar fora de um "circuito", na verdade posso até estar mais ativa do que as pessoas que se aprisionam ao tempo-espaço dos festivais onde um filme perde o prazo de validade em dois anos e você não tem mais tantas oportunidades para ele.
Sendo que eu misturo artes visuais e... enfim, 8ito artes no meu projeto de vida, consigo fazer do meu trabalho algo atemporal em muitos sentidos.
Primeiramente, todos os anos consigo me expor em projetos no exterior sem precisar provar nada para as bancas dXs senhorXs entendidXs com sua pompa, ordens e clichês.
Segundamente, sou livre para levar o tempo que me parecer melhor para terminar um trabalho ou mesmo levar a público em forma de work in progress sem que isto soe subversivo demais.
Dando uma entrevista nesta semana, cheguei a me deter nesta parte, que talvez seja a mais incrível pra mim, de eu poder usar sem preconceito nem medo tanto a internet, como rua, como espaços de arte ou eventos de multiexpressão na busca pelo público e, deste modo, encontrar pessoas de idades e pensamentos até opostos que me acompanham como persona ou a projetos meus em especial, entendo as transformações, processoss e o meu crescimento.
Vejam, colegas, vocês precisam sair do casulo e olhar o mundo e perceber que existem diferentes conceitos, metodologias, entendimentos no modo de expressar uma obra audiovisual.
O fato de um profissional não participar da corrida pelo pódium dos festivais glamourosos, bem como o fato de este profissional desconstruir os modelos de roteiro, produção e pós produção não leva o mesmo a ficar parado. Muito pelo contrário. O nome disto é coragem, me parece... talvez...
Quando estudo meu público, noto que estou conseguindo o que quero, que é renegar a busca pelo "público alvo". Pois né, eu não sou atleta do tiro com arco!
Para me conhecer, gostando ou não, seguindo ou abandonando, tenho visto pessoas de 18 a 70 anos, de variadas cidades, culturas e gêneros. Bem, amores, se batesse no peito abandonando a minha vida sem foco e me assinasse cineasta gaúcha.. hum, acho que eu seria infeliz e teria um público homogêneo demais.
Eu diria que toda a vez que alguém - em especial pessoas que lideram entidades de cinema e tomam pra si atividades como mapeamento, difusão, fomento, diversidade e inclusão - me encontra e pergunta o que ando fazendo, quando eu estou entre as pessoas do meio que mais tem seguidores, links produtivos e incessante atividade, fico pensando que o mundo do cinema tradicional realmente preferiu acomodar-se e não vale a pena nem tentar colaborar para que enlouqueça um pouco.
Se você é do "meio" e não sabe o que ando fazendo é porque não sabe o que os fazedores de arte independente andam fazendo. Se você dirige uma entidade e só está inteirado dos trabalhos de festival, diria que o fato fica preocupante, pois, em tese, você deveria saber muito bem o que ando fazendo e como me viro para buscar recursos para o meu trabalho.
Conhecer os diferentes olhares, mesmo os incomodativos, contribui enormemente no trabalho de todos, então me parece meio ruim para o público quando a maioria das pessoas que preparam as obras que nos retratam só acompanha o trabalho dos adeptos obedientes, da corrida glamourosa, das fichas de inscrição, dos prazos, dos jurados-sempre-os-mesmos e das cerimonias sob controle.
Por tudo isso (e vou tentar postar esta crônica nas páginas de entidades de cinema), na próxima vez que você me encontrar, não pergunte o que ando fazendo ou, pior, se parei de filmar, simplesmente pelo fato de não ter saído uma matéria na ZH sobre meu mais recente trabalho. Para não ficar mal, faça de conta que se interessa pelo mundo fora da casta e já venha me dando os parabéns. Prometo que eu vou ser legal e fingir que acredito que você sabe o que acontece na vida aqui fora.
Gentilezas
biAhweRTher

sábado, 27 de agosto de 2016

Vítrea

Sobre mim, o manto da invisibilidade
Hoje visto a camisa de força dos normais
Especular, recebo o sol e desintegro
Descarnada, pela enxovia vigio a vida 
Sinto! Um raio penetra meu nada
Desigualo, transpareço, permeio
Me movo, saio.
biAh weRTher
(Série Minimal - Hospital Psiquiátrico São Pedro.)


biAhweRTher Estúdio Multicriativo

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Às mulheres que odeiam mulheres.

Meu propósito é não ser inimiga de qualquer outra mulher simplesmente porque algum homem resolveu que devemos nos odiar, como se fôssemos peças de um jogo de poder masculino.
Quando meu filho tinha uns 5 ou 6 anos, uma atriz carioca ligou pra minha casa e me disse coisas pesadas sobre os horrores que eu fazia com o pai do meu filho. Eu nem sabia que ela existia, mas eles tiveram um caso rápido e ela sabia tudo sobre uma pessoa que eu nunca fora e imaginava que nós dois não estávamos mais juntos, enquanto para todos ao nosso redor nós éramos dois jovens pais artistas e queridos. Era uma lenda o que ele contara a ela, vitimando-se por não encontrar melhor método para uma conquista.
Ela tinha uma voz forte e poderosa enquanto eu, todo mundo sabe, tenho voz de criança e me intimido com gritos, então foi uma conversa com ares de uma mulher dando ordens pra uma menina. Depois ainda me enviou um e-mail citando grandes teatrólogos, sobre a liberdade. Nunca respondi nada, mas sei que até hoje eles são amigos e ela pensa que sou uma dona de casa louca, emboletada, recalcada, feia e frígida. Deixa pensar.
Minha curiosidade sobre a guerra entre mulheres começou naquele momento, pois acho que ganhei uns mil cabelos brancos com o susto daquele contato inesperado.
Descobri que ela era mais velha, já tinha uns 40 anos e era mais forte do que eu como mulher. Parecia muito resolvida, bem relacionada no Rio e com um pensamento feminista. Vi nela uma pessoa bacana.
Então, sendo tudo isso, porque ela acreditara que eu seria totalmente avessa ao que sou de fato? Porque ela não me perguntara nada e saíra me definindo a partir do que ouvira de um carinha de vinte e poucos anos que dependia de mim para se sentir seguro e gritar "ação" nos seus filmes?
Esta triste questão ficou mais forte em mim conforme percebi que a comunidade feminista às vezes pode ser machista sem perceber.
As coisas foram andando na minha vida e eu fui escondendo estes e outros abusos piores como se, de fato, devesse algo. Quem sabe eu não era mesmo uma louca?
No final de 2014, nada mudara. Naquele início de verão, recebi uma longa mensagem de uma mulher de SP, estudante de psicologia, mãe de uma adolescente e produtora cultural. Se você visse o perfil, acharia bonito o seu jeito resolvido como mulher e, vendo meu modo, pensaria que seríamos boas amigas.
Mas, ao contrário, ela me acusava de estar perseguindo como uma psicopata um homem com quem ela estava querendo ter algo mais sério. Esse homem era o de sempre, um cara que me fizera coisas muito ruins e tentava manter a relação íntima comigo, já tendo colocado droga em minha bebida. Do nada, para criar laços e despertar nela uma vontade de protegê-lo, ele resolveu contar a ela uma velha história às avessas.
Minha pergunta continuava no vácuo e minha garganta não tinha voz.
Por que tantas mulheres acreditam em qualquer fofoca masculina e se apiedam e resolvem tomar conta deles se tornando inimigas de outras mulheres sem conhecê-las?
Por que as mulheres não tem coragem de conversar entre si nem curiosidade da versão feminina sobre uma espécie de guerra que a sociedade machista alimenta entre nós?
Ontem postei um texto discreto sobre Gaslight.
Cinco garotas de idades absolutamente diversas vieram no meu inbox e contaram situações de abuso por parte de namorado, ex-marido, pai, diretores de projetos nos quais trabalham e, pasme, amigas defensoras do poder masculino. As situações vividas por elas são assustadoramente semelhantes às que vivi e vivo. Pedi que se manifestassem em resposta ao meu post, pra me fortalecer pois gostaria de não me constranger em falar mais abertamente, gostaria de trocar e me unir. Quero muito criar um canal para falar da "desmaquiagem".
Todas as 5 me disseram que não podem falar publicamente a respeito pois ficariam constrangidas, porque temem, porque as pessoas que cometem abuso psicológico contra elas tem apoio até mesmo de seus familiares ou de outras mulheres que acreditam que elas são loucas embora só tenham conhecido uma versão dada pelo homem que as abusou e resolveu vitimar-se diante de suas pretendentes virtuais.
Além dessas mulheres aparentemente resolvidas, com seus batons vermelhos, que tomam as dores dos rapazes vítimas, há ainda as amigas, mães, avós e tias que sempre vão dizer que você não deve se expor relatando que foi abusada sistematicamente por um homem considerado socialmente um cara legal e querido.
Como me disse o homem que roubou um projeto meu junto com uma mulher que jura que eu o persigo mas nunca perguntou minha versão dos fatos:
- Tu acha mesmo que vale a pena sair contando que te excluí do filme e que a ideia do projeto era tua? Todo mundo te acha louca, tu tem vários inimigos no cinema. Nem tuas amigas vão acreditar em ti.
Sim, enquanto eu ficar calada pra não ser deselegante e ele espraiar sem que eu me defenda o que bem entender sobre minha personalidade, talvez haja quem não acredite em mim.
Sabem, no momento de vida em que estou, sendo que já provei que nenhum homem fez minha carreira mas eu fiz a de vários, e que não tenho medo de passar fome caso todos se voltem contra mim; apesar de parecer tão frágil nos meus 53 quilos, sendo que não me assusto com o fato de algumas mulheres tomarem partido de algum homem que eu precise enfrentar,
acho que resolvi correr os riscos.
Se eu fosse vocês, gurias, parava de brigar por causa de homem.
Em lugar de se distrair com tolas competições, olhe pra dentro e preste muita atenção em situações sistemáticas que ocorrem com você com a desculpa de que é brincadeira ou até com ares de preocupação e cuidado. Preste atenção em típicos assédios que muitas sofrem dentro de suas próprias casas diariamente como uma tortura chinesa lhe tornando dependente e tirando a vontade de enfrentar os desafios: "Você é louca", "Nenhum homem vai te aguentar", "Ninguém mais vai te amar", "Você nunca vai conseguir", "Você está gorda", "Você é uma frígida", "Você é uma louca". "Você é louca", "Você e louca"...
Assinado: A rapariga mais corajosa da cidade.
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Gaslight

Tantos blogs e canais sobre como a gente faz para maquiar nossas verdades e "defeitos". Dicas pra disfarçar isso e parecer aquilo. A melhor depilação, o volume e o tom... Máscaras e máscaras em favor do medo e da submissão.
Me sinto a margem. Acordo nos anos 1950 e passo o dia procurando as saídas para o presente. Há tanta coisa que eu queria dividir mas, aparentemente, só eu sinto, vejo, sofro. Tem dias que sinto como se eu fosse a única a perceber algo errado e que há sempre alguém com o poder de desligar a minha luz simplesmente porque nasceu com um privilégio, pacto silencioso de toda uma sociedade. Não acontece com você de às vezes se sentir exausta de uma luta de entrelinhas? Como um escudo invisível que todos sabem que ali está mas fingimos que não está e se eu disser que vejo, alguém com um pênis vai dizer que estou louca e que ninguém vai me aguentar, ninguém vai me amar se eu continuar estragando este lindo dia de sol e normalidade imaginando vultos; e alguma amiga dirá que isso não se comenta publicamente porque estaremos nos expondo e pode ser pior.
Mesmo que eu usasse pintura na minha cara, ainda assim sentiria uma falta tremenda de lavar o rosto e sair pra rua e ver mais mulheres discutindo, relatando como elaboram o que há embaixo da maquiagem, nos eventos de bate papos superficiais, quando sabemos que grande parte de nós esconde sistemáticos abusos morais, emocionais e gaslight. Só eu noto que, em nossa cultura, muitos homens confundem amor com dominação e abuso e que por gerações e gerações isto é tido como normal?
Queria mil canais sobre Não Maquiagem. Sinto uma vontade do tamanho do mundo de escutar que não estou louca, que não preciso mais disfarçar.‪#‎GaslightNuncaMais‬
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