sexta-feira, 15 de julho de 2016

No meu país

No país onde vivo, é rotina acordarmos com notícias de que jovens gays foram sequestrados, torturados e barbaramente mortos. No meu país, vários religiosos seguidores de pastores extremistas festejaram o ataque à uma boate em Orlando há algumas semanas, onde dezenas de pessoas foram mortas. Para eles era a justiça divina.
No meu país, é comum sabermos notícias a respeito de grupos fora da lei, pagos por latifundiários que assassinam crianças indígenas.
Em meu país, cresci sabendo que grupos paramilitares atacam com armas de fogo, na calada da noite, grupos de crianças sem teto, enquanto dormem sem pai nem mãe. E turmas de jovens de boas famílias assumem a identidade dos piores espectros, ateando fogo nos corpos famintos, desenganados dos moradores das rua
No meu país, a polícia é treinada para desconfiar de pessoas negras, pobres ou que não ostentam riquezas, sequestrando e assassinando friamente todos os dias pais que estão voltando do trabalho, mães que saíram pra comprar o pão, crianças que brincam diante das suas casas humildes, jovens que estão voltando de uma festa simplesmente porque são jovens cheios de vida, assim como os meninos ricos da sua idade a quem são reservados mais direitos.
No país onde vivo, em nome da religião, muitos líderes da política e da igreja incentivam seus seguidores a acreditar que as dezenas de estupros - muitos deles coletivos - sofridos pelas mulheres são culpa das vítimas.
O país onde nasci é um dos países mais inseguros, cheios de preconceito, fundamentalistas e agressivos do planeta.
No meu país, há centenas e centenas de grupos organizados para massacrar cidadãos ou mesmo templo de religiões diferentes da sua crença, na calada da noite, disseminando medo e terror.
Por isso, quando vejo os atos terroristas que estão ocorrendo no mundo, não me sinto distante, não me sinto num país de mais sorte, não acredito que o lugar onde vivo está livre de uma guerra santa.
O país onde vivo, amo, trabalho e tenho sonhos é mais um lugar perigoso, que sangra devastado, onde terroristas atacam inocentes; onde o o ódio é disseminado em nome do poder, 
das riquezas e de um Deus que pode ser o signo de muitos pesadelos.
Amém.
]bw[

terça-feira, 12 de julho de 2016

Quem matou a casa do Mario Quintana?

Fazer arte é paz, exibi-la é uma guerra.
Não tenho me pronunciado ou participado efetivamente das lutas para salvar a CCMQ, a Sala PF Gastal ou mesmo a TVE...
Eu não tinha nem 19 anos quando comecei nesta vida, então me espraiar pelos espaços culturais desta e de tantas outras cidades do país era mais do que mera burocracia. Na minha sede, com tanta fome, me sentir parte era como se um mundo mágico abrisse as portas para as minhas ideias e pessoas já reconhecidas me dessem boas vindas ao seu planeta livre.
É que, o meu olhar muito cheio de asas, via tudo como um lar, independente da idade das pessoas, da sua relevância, fama, da arte em que eram especialistas, da casa onde estariam ocasionalmente seus espetáculos.
Era o mundo das artes, onde eu queria morar fosse eu filiada a um partido, anarquista ou alienada, acadêmica ou da rua.
Até hoje, me sinto grata por ser mais uma entre tantos toda vez que participo de algum momento com gente foda, porque pra mim tudo é mais difícil já que sou considerada "polêmica". As pessoas demoram mais quando deparam com o meu nome.
De verdade, sofri muitas perseguições porque nunca fiz acordos pra usar recursos e espaços públicos. Nunca me liguei a um partido e nunca puxei o saco. Se eu via gente se beneficiando por vias não éticas eu ficava puta da vida e, ingênua, ia nas reuniões pra colocar em cheque o nosso modo de pensar a cultura como o gaúcho da casa grande que divide a sociedade em castas.
Pronto, arranjei mil inimigos bem mais fortes e ricos que eu... Até hoje, aqui e ali, encontro pessoas que me perseguiram. Uns mantém os mesmos olhos sobre mim, ferinos. Outros se redimiram e hoje são meus pares e me fazem carinhos.
Pensar na morte desses espaços que são de toda uma população e não foram regados,
me faz sofrer como alguém que sabia que tinha algo caminhando mal, mas eu era uma ninguém e todos me chamaram de louca, sofri alijamentos e, claro, muito machismo que é o tempero que não pode faltar.
Diferentes da TVE e da Rádio Cultura, que desde a minha adolescência, independente do quanto estivessem caindo aos pedaços no jogo dos partidos políticos, jornalistas e outros funcionários nos recebiam com os braços abertos;
as casas culturais que tínhamos para desenvolver nossos projetos, sempre tiveram uma cortina política que manejava os gestos dos seus gestores, repetindo critérios desgastados. Uma precaução injustificada residia sobre suas mesas. Se você passasse por ela, o sol se abria para o teu encontro com o público, mas o problema era passar. Muitos de nós, ultrapassamos a mata fechada das seleções com uma foice.
Existiram momentos em que sentei nas salas de senhores importantes desta cidade e os enfrentei e exigi espaço para meus projetos. A última vez foi nos 10 anos do Cinema8ito, quando precisei ir à público para ser recebida e poder usar por uma semana uma das salas da CCMQ para fazer uma retrospectiva dos nossos filmes.
Mês que vem,, por exemplo, o meu filme mais importante faz 15 anos e, apesar de sua relevância como curta brasileiro, aqui em Poa não haverá um só "curador" que o festejará, então se eu quiser fazer um evento vou ter que me preparar pra mendigar uma sala, algum estagiário vai ficar responsável por me dizer que tem que esperar a apreciação de algum diretor que sabe muito bem quem eu sou e de qual filme falamos mas vai me deixar esperando e esperando e, se eu não falar grosso, vai passar a data e... nada de evento.
Para mim, tais atitudes de uma política rançosa é que estão matando os nossos espaços.
Ou seja, não são só os senhores cretinos da política, mas nós como produtores culturais que precisamos repensar nossas micro políticas.
Vários de nós, por não serem de algum partido ou serem contra as vantagens que uns tem por serem amigos de alguém e "bons moços", sofreram dissabores ao longo das suas carreiras.
Há ainda os espaços não públicos, mortos pelas redes midiáticas porque a liberdade de expressão dá menos lucro... Nós aceitamos quietinhos e fomos correndo lamber as botas da grande mídia.
Em minha carreira, negociei com vários gestores de casas de cultura pelo país todo, secretarias, entidades e até no MinC, observando a característica de cada um com esse meu jeito meio autista e essa mania de ir sozinha em reuniões com secretários de cultura e diretores escolhidos pelos partidos da ocasião ou porque são famosos.
Fui aprendendo desde cedo que haviam partidos políticos envolvidos com cada casa pública de cultura nesta cidade, estado, país, então eu fazia uma política da simpatia com os senhores atrás das mesas para ser aprovada a minha entrada e, depois, era com os funcionários, já meus conhecidos que eu objetivava os projetos e não precisava usar uma máscara.
Sobre a Casa de Cultura Mario Quintana, quantos momentos lindos dirigi ou participei como convidada nos teatros, cinemas, corredores, salas de oficinas... Desde o meu grande festival que ocupava vários espaços da casa e de outras por vários dias a eventos coletivos como os últimos que participei: em 2010, projetei nas paredes do prédio que já pedia socorro, em 2014 fui VJ em um espetáculo no Teatro Bruno Kiefer.
Assim como tantos outros, a CCMQ é um dos espaços públicos que estão misturados na nossa existência como artistas, experiências que deveriam apenas nos fortalecer pra nos manter crescendo, nunca nos entristecer a ponto de pensarmos em desistir.
Minha geração, ao ver as portas das casas públicas se fechando solenemente para a maioria, começou no início deste século os coletivos, que são pequenas casas livres de convivência e residência, são nichos, diversidade, alternativas. Contudo, há projetos que desenham-se para públicos mais amplos e espaços maiores e tal opção já não temos a não ser que façamos um trabalho sem personalidade.
Quando os espaços de cultura definham é como se a história pessoal de todos nós, artistas, morresse um pouco pois elas estão misturadas com a gente, circulando nas nossas veias assim como nós circulamos em seus corredores sentindo o perfume das invenções que nos alimentam.
biAh weRTher