sexta-feira, 22 de abril de 2016

Catártica

Sobre trabalhar com imagens, tem horas que um nadinha tira umas reações desproporcionais da gente, como se estivéssemos conquistado um grande feito, mas é só um brilhinho num cantinho do olho do retratado que, muito possivelmente ninguém vai notar. 
No meu trabalho tem dias assim, quando fico quieta no meu canto observando as pessoas. Das milhares de gentes que eu já filmei, fotografei, fiz escultura, desenhei, vesti, tirei a roupa... creio que nenhuma me conhece como eu a conheço. Não é situação privilegiada porque isto tem algo de solitário e a gente fica meio louca, falando sozinha, festejando grãos e pixels.
É difícil não se sentir íntima e não aprender a gostar das pessoas porque tu estuda seus trejeitos, poros, destaca suas belezas ocultas, corrige suas imperfeições, sabe como são seus cílios, veias, a ponta do nariz, os pelos; onde se esconde o brilho, um resto de sorriso, timidez e poucas vergonhas. 
Posso ficar vários dias olhando e trabalhando em alguém e a pessoa nem sabe, nem suspeita porque, em geral, pensam que fazer um retrato é como fazer uma selfie no instagrão. Mas não é, é muito mais intenso e vivo, vívido. 
Passo por 3 fases: olhar, registrar e melhorar, sendo esta última uma interferência que nem o retratado pode perceber. A pessoa tem que pensar que ela é assim. E é mesmo. Só uma questão de sombra e luz.
Por isto, eu posso esquecer o nome, a voz, quanto me pagou ou se me deu um calote ou se nem me conhece e nem sabe que eu a registrei; se era legal ou antipática; mas não esqueço mínimas coisas, como a vergonha por causa de uma marca, a preocupação com um invisível sinal ou alguma coisa que está oculta por trás de um olhar distante.
biAh weRTher

sábado, 16 de abril de 2016

Sábado. Um dia antes.

Você tem vergonha do nordeste? Você odeia médicos cubanos? Você diz que tem sangue europeu? Criança pobre te dá nojo e você fecha o vidro do carro? Você colocou porcelanato em cima de toda a sua história? Você finge que nunca comeu mortadela? Você já não colhe nada no quintal, você não tem mais quintal mas um projeto paisagista na varanda? Você acha que apoiando o golpe será abençoado pelos clãs que centralizam as riquezas do mundo?
Não se iluda, você É um latino americano, você tem sangue índio, você tem história negra, você foi colonizado e seus entes lutaram por liberdade.
Você é um serviçal da casa grande com direito a uma roupa limpa, nada muito além disso. Você é um de nós, orgulhe-se e pare de trair os seus, pare com essa vergonha do espelho.
Depois não diga que eu não avisei.

]bw[

quinta-feira, 14 de abril de 2016

A mesma carta

Acho ingenuidade quando as pessoas que trabalham por um audiovisual independente em todos os sentidos da independência, inclusive o criativo - que se ferra nos critérios de seleção para incentivo, difusão e distribuição - organizam fóruns de debate e só lembram de convidar os oficiais representantes da categoria. 
Ora, pra você lutar por representatividade, não pode colocar numa mesa redonda um só lado. Você precisa chamar a rua, pesquisar e dar voz a coletivos ou indivíduos que caminham por fora pois as entidades representativas, no mais das vezes, representam interesses de uma minoria.
Pra ser democrático, um fórum de debates precisa trazer os subversivos, sob pena de você organizar um evento onde a carta final será a mesma que foi escrita nos outros 489 eventos ocorridos nos últimos 40 anos e isto só vai funcionar para fortalecer institucionalmente caras que vivem acumulando cargos de presidentes e diretores de associação disto, fundação daquilo e, na verdade, passam a vida viajando, dando discurso em microfone e advogando nos foiers e salas fechadas as suas causas pessoais.
Sim, há tempos repito o a mesma coisa e nada ainda ocorreu pra me fazer mudar tal ponto de vista sobre o modelo excludente como se dirigem as associações de cinema.
Mas mesmo que a expectativa de todos fosse contemplada, ainda assim acho sem futuro uma proposta de debate onde só são convidados os cnpjs poderosos, o poder constituído, os chapa branca e os bons moços.

Assinado: A cineasta mais outsider da cidade desde 1997.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

É o olho!

Há uns 5 anos, durante uma das oficinas itinerantes que eu fazia pelo país, na hora do debate de abertura do evento, numa faculdade no Centro Oeste,
um aluno pediu a palavra, contou que tinha ganho de seu pai uma super câmera (acho que na época a bambambam era a 5D), que curtira meus filmes e perguntou sobre um em especial, que eu dissera ter exibido muito mais no exterior em eventos de multiarte e, o pouco que mostrei no Brasil, foi através de vídeo instalações.
De fato, era um experimental super simples que fiz totalmente sozinha, da produção até a trilha sonora. Para mim ele era muito mais uma vídeo arte e foi nesta fase criativa que eu comecei a entender que aquilo que eu tinha dado o título de Cine Desconstrução nada mais era que arte, até porque já exibia os trabalhos misturando um conceito VJ, eu sempre saia da sala escura, era mais forte do que eu não considerar finalizados os filmes a ponto de dar uma data pra eles e conseguir inscrever em festivais tradicionais.
Enfim, o garoto teceu elogios rasgados ao meu trabalho e depois perguntou qual câmera usava e qual o software. Os olhos dele me diziam que esperava sobrenomes.
Não são incomuns estas perguntas, grande parte das pessoas imagina que a câmera faz o fotógrafo ou o cineasta e não o contrário, só que a autoria está no olhar.
O filme em questão era o "Cantilena", cuja primeira versão foi rodada com uma mini dv, uma cibershot, uma webcam e ainda juntei uns restos de um super8 que eu nunca tinha terminado. Depois, na versão final, já andava mais clean e reeditei só com as cenas em mini dv. Hoje, talvez a chuva... ele foi rodado no mar, eu o coloquei na timeline pra repensar seu som.
Gentilezas \o/
biAh weRTher

sábado, 9 de abril de 2016

Você não está ensinando demais sobre o ódio?

Quando eu fiquei grávida do meu filho, apesar de estar vivendo uma época radicalmente vegana, de já me entender como uma menina tomada pela contra cultura e já ter noção de que sem leitura uma pessoa cresce idiotizada, a única meta que me dei no mesmo dia e hora que soube levar outra pessoa dentro de mim foi:
- Vou crescer junto com ele. Irei ensiná-lo a dizer "Eu te amo" com todos os seus sentidos como se fosse algo absolutamente normal porque eu vejo a minha geração crescendo com problemas pra amar e percebo nossos pais não sabendo expressar seus sentimentos,
Então, ele não terá vergonha de fazer declarações bonitas e vai escutar isto de mim todos os dias, daí sairá da sua boca muito mais naturalmente do que qualquer outra ideia ou sentimento.E quando alguém disser que estamos tornando o amor algo comum, mundano demais porque amor é algo raro, a gente vai dizer que é esta a ideia, fazê-lo parte e não apenas sonho.
Ele mamou até os 3 anos, vivíamos pelados pela casa e tomávamos banho juntos até ele ter 7 anos e, naturalmente, claro, havia a convivência com os instrumentos musicais, as lentes de cinema, os livros e quadrinhos sem que eu precisasse me preocupar em lhe impor esta ou aquela referência, pois eram rotinas mais aceitas pelo mundo que nos cercava e cerca do que saber amar.
Porém, o amor, isto sim era, é preciso ensinar porque o mundo dizia e diz que confessar o seu amor pelos outros é ridículo, que amor é caro, precioso e perigoso; que é dependência, é se expor, se humilhar, diminuir-se, vulgarizar-se.
Nunca fui ou serei uma boa mãe, a única coisa que ensinei ao meu filho foi saber dizer Eu te amo, nada mais.
]bw[

domingo, 3 de abril de 2016

Quem não tem impeachment caça com bullying.

Claro que não leio a tal revista "ISTO NÃO É jornalismo". 
Foi no blog do Marcelo Rubens Paiva que acabei conhecendo os detalhes do texto abusador, representativo, inclusive, dos xingamentos vazios que vem sendo cuspidos em caixa alta nas ruas digitais e palpáveis sempre que alguém tenta um debate sóbrio.
Uma cliente minha, causalmente psicóloga, me dizia faceira quando a Dilma ganhou e os eleitores do Aécio começaram a prometer golpe: - Foda-se! A dialética morreu!!!
Nessas horas a gente fica em silêncio porque você não tem como entregar um dicionário pra pessoa sem levar uma porrada. Tudo bem, ela já tinha pago a obra que me comprou (um retrato de grito embaixo d'água) e está lá, no meio da sua sala dialogando com ela de algum modo. Eu acredito!
Voltando à metodologia do caos, após as publicações alegando que a presidenta está louca, se você usar um raciocínio lógico verá que a situação do país é pesada e perigosa, sim. Mas não pelo que dizem as manchetes. O perigo vai além de todos os assuntos disfarçados. Não é a corrupção, não é pedalada das pitangas secas, não é o imposto. O que fere os intolerantes é deixar o outro viver.
O assunto já vinha gritando dentro de nós, mulheres desobedientes, dentro dos negros que querem direito a universidade pública, dentro dos gays... Os gritos alertando para os perigos reais se perdem diante da gritaria geral por mais bolsas de marca e mais passeios à Disney.
Chamar uma mulher de louca é praxe na nossa sociedade, mas isto não é uma brincadeira!
Certa vez, em meu blog, escrevi que há momentos no meu trabalho e na vida pessoal, onde a saída machista recorre tanto ao gaslight que já pensei em levar na mochila um atestado de sanidade para esfregar na cara de cineastas desonestos que me roubaram projetos e foram para reuniões do outro lado do país alegar que sou só uma louca ou a ex-namorados que não foram legais e se defenderam em conversas masculinas alegando que sou apenas uma louca. É que nunca estamos presentes nessas horas pra um diálogo. Não ocorreu ao repórter ligar pra Dilma e perguntar se é verdade que ela anda meio louca? Ok, estou brincando, claro que dar voz a ela não era a ideia.
O que a pseudo revista praticou é comum em cada canto do nosso país e tem toda uma sistemática, não é piada ingênua, não vem assim do nada. Você começa a gerar a malícia e cria a rede de intrigas com temperos picantes de modo que a parte da comunidade que curte uma fofoca não vai se perguntar onde está a fonte. Depois que sai pra rua, é lenda, não precisa provas, só precisa passar adiante.
A proporção desse desvio de caráter da nossa sociedade fica gigantesca quando a vítima é a própria presidenta da república, demonstrando que o nosso país está pra qualquer coisa e é um lugar perigoso de se viver não pelos assaltos. Não há grades nos jardins que nos defendam do abuso moral, emocional e físico que vai destruir gerações.
Não duvidem se amanhã estiverem montando fogueiras pra queimar bruxas na rua.
Daí você, depois do enjoo, percebe que tem um lado muito bom o terrorismo machista que o país vem sofrendo.
Quando tão recorrente modelo de abuso toma uma proporção inacreditável e parte da sociedade consegue não vomitar diante do que fez a pseudo revista alarmista, a gente sabe que não tem como passar despercebido.
Todas as mulheres trabalhadoras, mães, mantenedoras de lares, gerentes de banco, faxineiras, desempregadas, solteiras, casadas, homossexuais, católicas, macumbeiras, ateias e atoas, ao lerem a tal reportagem, vão reconhecer momentos em que sofreram abusos morais, ainda que neguem porque são a mulher do Eduardo Cunha, por exemplo. Você só não passou por isto se ainda não nasceu!
Quando não se tem argumentos contra uma mulher que se mostra forte, dizemos que está louca. Uma mulher sabe o que isso faz com nossas vidas.
Comecei faz horas a sentir mais vergonha que orgulho do nosso atual país. As crianças índias estão mortas. Bolsonaro vive. Um transgênero é morto por dia no país mais transfóbico do planeta. Até o rock'n'roll é tomado por uma maioria de machistas. O holocausto animal é um tema inimaginável diante da queda no poder de compra. O Brasil é o país que mais dá comida envenenada para suas crianças. Senhoras de bem, entre rosários, se riem vingadas vendo a presidenta ser desrespeitada do modo mais sujo em público com acusações sem fonte, diagnosticada como louca porque não conseguiram lhe arrancar do cargo por desonestidade.
É a melhor aula de bullying que um país já deu em uns 50 anos, quiçá 500.
A única saída, neste caso, é as mulheres estarem unidas, não entrando em jogos e tomando vergonha na cara.
Fica dentro de mim sempre uma pergunta... O que pensam as colegas próximas, as filhas, mães e mulheres desses jornalistas e desses congressistas que não respeitam nada nem ninguém em nome de poder e dinheiro? Como vivem as mulheres desses marginais. Elas jantam em Dubai, mas são mais felizes que as esposas dos traficantes ou dos mafiosos? O pecado de Dilma é não ter marido?
Eu que sempre gostei de chorinho, mamãe oxum, literatura, cinema e roque nacional, há uns meses, ando pensando seriamente em sair do país. Muito seriamente...
]bw[