sábado, 27 de agosto de 2016

Vítrea

Sobre mim, o manto da invisibilidade
Hoje visto a camisa de força dos normais
Especular, recebo o sol e desintegro
Descarnada, pela enxovia vigio a vida 
Sinto! Um raio penetra meu nada
Desigualo, transpareço, permeio
Me movo, saio.
biAh weRTher
(Série Minimal - Hospital Psiquiátrico São Pedro.)


biAhweRTher Estúdio Multicriativo

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Às mulheres que odeiam mulheres.

Meu propósito é não ser inimiga de qualquer outra mulher simplesmente porque algum homem resolveu que devemos nos odiar, como se fôssemos peças de um jogo de poder masculino.
Quando meu filho tinha uns 5 ou 6 anos, uma atriz carioca ligou pra minha casa e me disse coisas pesadas sobre os horrores que eu fazia com o pai do meu filho. Eu nem sabia que ela existia, mas eles tiveram um caso rápido e ela sabia tudo sobre uma pessoa que eu nunca fora e imaginava que nós dois não estávamos mais juntos, enquanto para todos ao nosso redor nós éramos dois jovens pais artistas e queridos. Era uma lenda o que ele contara a ela, vitimando-se por não encontrar melhor método para uma conquista.
Ela tinha uma voz forte e poderosa enquanto eu, todo mundo sabe, tenho voz de criança e me intimido com gritos, então foi uma conversa com ares de uma mulher dando ordens pra uma menina. Depois ainda me enviou um e-mail citando grandes teatrólogos, sobre a liberdade. Nunca respondi nada, mas sei que até hoje eles são amigos e ela pensa que sou uma dona de casa louca, emboletada, recalcada, feia e frígida. Deixa pensar.
Minha curiosidade sobre a guerra entre mulheres começou naquele momento, pois acho que ganhei uns mil cabelos brancos com o susto daquele contato inesperado.
Descobri que ela era mais velha, já tinha uns 40 anos e era mais forte do que eu como mulher. Parecia muito resolvida, bem relacionada no Rio e com um pensamento feminista. Vi nela uma pessoa bacana.
Então, sendo tudo isso, porque ela acreditara que eu seria totalmente avessa ao que sou de fato? Porque ela não me perguntara nada e saíra me definindo a partir do que ouvira de um carinha de vinte e poucos anos que dependia de mim para se sentir seguro e gritar "ação" nos seus filmes?
Esta triste questão ficou mais forte em mim conforme percebi que a comunidade feminista às vezes pode ser machista sem perceber.
As coisas foram andando na minha vida e eu fui escondendo estes e outros abusos piores como se, de fato, devesse algo. Quem sabe eu não era mesmo uma louca?
No final de 2014, nada mudara. Naquele início de verão, recebi uma longa mensagem de uma mulher de SP, estudante de psicologia, mãe de uma adolescente e produtora cultural. Se você visse o perfil, acharia bonito o seu jeito resolvido como mulher e, vendo meu modo, pensaria que seríamos boas amigas.
Mas, ao contrário, ela me acusava de estar perseguindo como uma psicopata um homem com quem ela estava querendo ter algo mais sério. Esse homem era o de sempre, um cara que me fizera coisas muito ruins e tentava manter a relação íntima comigo, já tendo colocado droga em minha bebida. Do nada, para criar laços e despertar nela uma vontade de protegê-lo, ele resolveu contar a ela uma velha história às avessas.
Minha pergunta continuava no vácuo e minha garganta não tinha voz.
Por que tantas mulheres acreditam em qualquer fofoca masculina e se apiedam e resolvem tomar conta deles se tornando inimigas de outras mulheres sem conhecê-las?
Por que as mulheres não tem coragem de conversar entre si nem curiosidade da versão feminina sobre uma espécie de guerra que a sociedade machista alimenta entre nós?
Ontem postei um texto discreto sobre Gaslight.
Cinco garotas de idades absolutamente diversas vieram no meu inbox e contaram situações de abuso por parte de namorado, ex-marido, pai, diretores de projetos nos quais trabalham e, pasme, amigas defensoras do poder masculino. As situações vividas por elas são assustadoramente semelhantes às que vivi e vivo. Pedi que se manifestassem em resposta ao meu post, pra me fortalecer pois gostaria de não me constranger em falar mais abertamente, gostaria de trocar e me unir. Quero muito criar um canal para falar da "desmaquiagem".
Todas as 5 me disseram que não podem falar publicamente a respeito pois ficariam constrangidas, porque temem, porque as pessoas que cometem abuso psicológico contra elas tem apoio até mesmo de seus familiares ou de outras mulheres que acreditam que elas são loucas embora só tenham conhecido uma versão dada pelo homem que as abusou e resolveu vitimar-se diante de suas pretendentes virtuais.
Além dessas mulheres aparentemente resolvidas, com seus batons vermelhos, que tomam as dores dos rapazes vítimas, há ainda as amigas, mães, avós e tias que sempre vão dizer que você não deve se expor relatando que foi abusada sistematicamente por um homem considerado socialmente um cara legal e querido.
Como me disse o homem que roubou um projeto meu junto com uma mulher que jura que eu o persigo mas nunca perguntou minha versão dos fatos:
- Tu acha mesmo que vale a pena sair contando que te excluí do filme e que a ideia do projeto era tua? Todo mundo te acha louca, tu tem vários inimigos no cinema. Nem tuas amigas vão acreditar em ti.
Sim, enquanto eu ficar calada pra não ser deselegante e ele espraiar sem que eu me defenda o que bem entender sobre minha personalidade, talvez haja quem não acredite em mim.
Sabem, no momento de vida em que estou, sendo que já provei que nenhum homem fez minha carreira mas eu fiz a de vários, e que não tenho medo de passar fome caso todos se voltem contra mim; apesar de parecer tão frágil nos meus 53 quilos, sendo que não me assusto com o fato de algumas mulheres tomarem partido de algum homem que eu precise enfrentar,
acho que resolvi correr os riscos.
Se eu fosse vocês, gurias, parava de brigar por causa de homem.
Em lugar de se distrair com tolas competições, olhe pra dentro e preste muita atenção em situações sistemáticas que ocorrem com você com a desculpa de que é brincadeira ou até com ares de preocupação e cuidado. Preste atenção em típicos assédios que muitas sofrem dentro de suas próprias casas diariamente como uma tortura chinesa lhe tornando dependente e tirando a vontade de enfrentar os desafios: "Você é louca", "Nenhum homem vai te aguentar", "Ninguém mais vai te amar", "Você nunca vai conseguir", "Você está gorda", "Você é uma frígida", "Você é uma louca". "Você é louca", "Você e louca"...
Assinado: A rapariga mais corajosa da cidade.
]bw[

Gaslight

Tantos blogs e canais sobre como a gente faz para maquiar nossas verdades e "defeitos". Dicas pra disfarçar isso e parecer aquilo. A melhor depilação, o volume e o tom... Máscaras e máscaras em favor do medo e da submissão.
Me sinto a margem. Acordo nos anos 1950 e passo o dia procurando as saídas para o presente. Há tanta coisa que eu queria dividir mas, aparentemente, só eu sinto, vejo, sofro. Tem dias que sinto como se eu fosse a única a perceber algo errado e que há sempre alguém com o poder de desligar a minha luz simplesmente porque nasceu com um privilégio, pacto silencioso de toda uma sociedade. Não acontece com você de às vezes se sentir exausta de uma luta de entrelinhas? Como um escudo invisível que todos sabem que ali está mas fingimos que não está e se eu disser que vejo, alguém com um pênis vai dizer que estou louca e que ninguém vai me aguentar, ninguém vai me amar se eu continuar estragando este lindo dia de sol e normalidade imaginando vultos; e alguma amiga dirá que isso não se comenta publicamente porque estaremos nos expondo e pode ser pior.
Mesmo que eu usasse pintura na minha cara, ainda assim sentiria uma falta tremenda de lavar o rosto e sair pra rua e ver mais mulheres discutindo, relatando como elaboram o que há embaixo da maquiagem, nos eventos de bate papos superficiais, quando sabemos que grande parte de nós esconde sistemáticos abusos morais, emocionais e gaslight. Só eu noto que, em nossa cultura, muitos homens confundem amor com dominação e abuso e que por gerações e gerações isto é tido como normal?
Queria mil canais sobre Não Maquiagem. Sinto uma vontade do tamanho do mundo de escutar que não estou louca, que não preciso mais disfarçar.‪#‎GaslightNuncaMais‬
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