sábado, 28 de janeiro de 2017

FÁCIL É VOCÊ!

Fácil não é a mina que faz sexo com um cara no dia em que se conheceram porque os dois ficaram a fim.
Fácil é a mina que aceita estupros, agressões e assédio moral do seu companheiro por anos a fio sem nunca revidar, nunca dizer não, nunca denunciar, aceitando sua própria morte em vida apenas porque ele a sustenta.
O que os machistas e as machistas não tem inteligencia suficiente para entender é que a mulher livre não é o "objeto fácil", que "não se valoriza" e "dá pra qualquer um".
Fácil, objeto, dá pra qualquer um a mulher que usa o corpo como moeda de troca na sociedade carola onde a menina ainda é um produto que as famílias guardam junto com os lençóis.
A mulher livre sexualmente não é aquela que diz sim pra todo mundo, até porque dizer sim é um direito e não um dever.
A mulher feminista é aquela que sabe dizer NÃO e pronto mesmo sendo parte de uma sociedade machista e perigosa.
A mulher livre não oferece perigo para as recatadas do lar simplesmente porque ela não quer nem saber dos cretinos que passam a vida fazendo mal às suas mulheres fáceis e manipuláveis que disputam homens horrorosos só pra dizer que estão "seguras" numa cultura onde estar com um homem ao lado é segurança.
A jovem feminista sabe que lavar cuecas e ser agradável é armadilha e nunca segurança.
A mulher feminista não quer sair por aí bem louca pensando só em dar pra todo mundo sem pensar em outra coisa na vida. Essa é a moça ninfomaníaca, que pode ser feminista ou machista, pois ninfomania é uma doença.
A moça feminista não é "fácil nem difícil", mas apenas uma pessoa que luta pela igualdade e dignidade. Andar como quiser, usar a roupa que bem entender, atuar no seu ambiente como melhor lhe parecer, ser respeitada no seu trabalho e não escutar "brincadeiras" de senhores cretinos 25 vezes por dia.
A feminista é aquela que não vai jogar o jogo do consumismo de pessoas. Dirá não quando não quer e ai de quem fingir que não entendeu.
Feministas não saem dando pra todo mundo. Ou algumas sim, assim como algumas machistas também e cada uma sabe de si. Se não for forçado e não machucar ninguém, transe com quem quiser, onde e quando quiser.
Pessoas (homens e mulheres) que respeitam o feminino, não vêem o corpo e a sexualidade como produto, como moeda, como consumo, como antropofagia, como prisão.
Assim, dar pra qualquer um não é coisa de feministas, mas de mulheres que se entregaram ao medo.

"Qualquer um" não é necessariamente o cara que transa com uma mina no dia em que a conhece simplesmente porque os dois ficaram muito a fim.
"Qualquer um" pode ser o marido que faz Gaslighting com sua mulher por anos a fio, simplesmente porque a sociedade lhe garante mais segurança.
Então, pare com essa bobagem de advogar a causa do seu algoz. Isso tem nome, é Síndrome de Estocolmo.
Pare de ser medrosa, deixe de ser tão fácil!

biAhweRTher

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O TEMPLO

Tenho escrito tantos textos para o FLõ festival do livre olhar, para o blogue e etc que voltei a sentir dor nas mãos, especialmente o sofrido dedo indicador da mão direita. Mas são belas as minhas mãos, acho eu... Tem dias que fico como as crianças, deitada na rede olhando as mãos contra a luz do sol, movendo os dedos e contanto as linhas. Daí eu toco umas músicas e gravo pequenos vídeos dos dedos tocando as cordas.
Dedos são o ponto final ou início do corpo?
Não sei se meu corpo é tão bonito como eu penso que é.
Muito provavelmente não. Mas só o fato de ele aguentar a vida difícil que levo já o faz meu herói. Não me curvo, ajeito a coluna.
A maior parte do ano o carro que divido com o meu sócio, fica lá em SC. Fico com ele no verão e em julho, apenas. Mas daí fico com as câmeras e lentes a maior parte do tempo, coisas de sociedade entre pessoas que foram casadas e ainda são sócias.
Agora, estamos com um carro zero que tem alguns dias apenas, e eu já vou me despedir, mas fico com as câmeras aqui pra rodar meus trabalhos...
Enfim, ficar tantos meses do ano a pé, com câmeras e projetores e pedaços de cenografia e 30 quilos nas costas pra lá e prá cá não é coisa pra gente fraca. 
Tem dias que dói até a alma e depois ainda olho meu corpo no espelho e quero ele bem, expressivo, falante,
pois ele também é objeto do meu trabalho de arte, retratos nus, espelho dos meus gestos. O levo para massagens e sessões de reiki. Ele agradece e me sorri após o banho de sal grosso com ervas. 
Meus ouvidos gritam. 
Meu quadril tem um defeito de nascença que me ensinou sobre viver com dores eternas que se agravaram com os desrespeitos médicos que sofri durante o parto do meu filho, quando quase fui a óbito e quase me tornei mais um ser etéreo, sem corpo.
Resisto.
Meu corpo é líquido. Quando caminho deixo as ondas e curvas levarem meus movimentos pois detesto ângulos.
Meu corpo é um mini mundo cheio de micro seres vivos com quem preciso conviver e dialogar. 
Sou aquilo que entra em mim, me alimenta e hidrata, forma e cor. Se comer mágoa, serei cinza. Se beber água, serei transparente. Se ingerir pessoas, ficarei doente.
Sou um ecossistema e isso é um milagre.
Meu corpo é a terminação nervosa dos meus sonhos, onde se concretizam, se efetivam ideias que, para muitos, são impossíveis.
O meu corpo é objeto do meu prazer e da minha libertação. Dele emanam redemoinhos, espelhos e pêndulos. Dói e sorri, treme e ressona.

Quando alguém toca meu corpo sem permissão sou um tatu bola, viro bicho, viro náusea, sou ódio, sou tristeza.
Dos meus dedos e pulsos machucados e cheios de marcas da vida artística saem as ondas de energia criativa, respostas e perguntas. 
Do meu umbigo, feixes de luz me conectam com o universo.
Graças ao meu corpo sou única e sou apenas mais uma.
Um beijo
biAhweRTher

sábado, 21 de janeiro de 2017

Livre olhar. Liberdade para filmar.

Assisti pela primeira vez "Diavolo in corpo", Marco Bellocchio, 1986.
Imagino que deva ter sido polêmico na época, devido às cenas de sexo verdadeiro entre os protagonistas. 
Pessoalmente, gostaria de rodar uma cena de sexo explícito em um filme que ainda não pude começar a tentar recursos devido ao excesso de projetos atuais. Mas o meu roteiro pede sexo a vera.
Ok, sei que vai dar uma puta incomodação. Até fumar cigarros em cena querem proibir. A ficção no cinema e no teatro, pra alguns desentendedores de arte, não pode buscar a perfeição.
Lembro de assistir algumas entrevistas coletivas do "Antichrist", Lars von Trier, 2009. Certos jornalistas, diante de uma obra impactante como aquela, só conseguiam pensar nos órgãos genitais do elenco, como se nunca tivessem visto antes ou ficassem pelados só de olhos fechados. Chegavam ao cumulo de perguntar à Charlotte Gainsbourg porque havia aceitado fazer cenas reais de sexo. Ela respondia com sua elegância implacável: - Porque o roteiro pedia.
A atriz tem seu corpo como instrumento e o entrega à obra.
O jornalista tem seu ponto de interrogação como ferramenta e o vende para o senso comum. Calma, não estou generalizando. Nem toda a atriz é destemida e nem todo o jornalista é boçal.
Voltando ao Diabo no Corpo, assim como outros filmes não pornográficos onde há cenas reais de sexo - para quem trabalha com elenco pode ser óbvio o que penso - a intimidade dos atores os fez se saírem mais do que bem em todas as demais cenas. A cena de sexo oral é boa justamente porque não tem o apelo obrigatoriamente fake dos filmes pornográficos. Gostei bastante da naturalidade e me parece que foi nesse laboratório que se desenhou todo o resto. 
Só um parêntese. Eu dou spoilers sempre e não peço desculpas porque não vejo cinema como um joguinho de abobadinhos que não querem ter o sustinho atrapalhado. Geralmente, assisto os filmes fora do seu prazo, acho que tem mais graça, então me sinto mais a vontade ainda pra fazer spoiler, já que a maioria das pessoas já viu mesmo.
Enfim, porque cenas de sexo bem filmadas ajudam a performance de um elenco? Ah, isso é óbvio. Se você tirou a roupa no set, as personagens entram mais fácil. E se você transa com o colega de cena (em cena, não estou falando de fofoquinha sobre casos entre colegas de trabalho), você derruba barreiras que precisam não existir para um filme ser bom.
Os laboratórios que vivenciei como elenco e-ou diretora sempre foram ricos de estratagemas para nos sentirmos mais íntimos e, claro, no processo haviam momentos de trabalhos corporais coletivos que operavam milagres. Daí minha teoria de que quando há cenas de sexo, sejam elas reais ou não, os laboratórios para dar veracidade às cenas vão colaborar imensamente para outros momentos, sejam eles de tensão, briga, despedida, reencontro...
Ok, tomara que isso não faça, como sempre, um monte de senhores se assanharem com piadinhas achando que vou querer transar com eles porque falo abertamente sobre sexo no cinema.
E tomara que não pensem que estou querendo criar um modelo de preparação de elenco que envolva sexo. Não é nada disso. Cada filme é um filme. Estou apenas refletindo sobre o fato de, em pleno 2017, ainda fingirmos que sexo não existe e ficarmos no "ai meu Deus" quando aparece num filme, porém se o filme for pornô com um sexo agressivo machista e ruim, pode. Daí tantos degenerados, abusadores e cretinos espalhados pela sociedade a fora. No dia em que olharmos com liberdade e naturalidade a vida e a arte e onde elas se cruzam, acho que estaremos adultos enquanto humanidade.
Um beijo
biAhweRTher

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

1999 .... ASSISTA O FILME MAIS LOUCO DA DIRETORA DE ARTE MAIS ASSUSTADORA DA CIDADE!

Hoje volto para a beira do mar. Trabalhar no FLõ sob as ondas por uns dias. 
Mas antes de pegar a estrada com as minhas gatinhas quero mostrar um filme que disponibilizei no meu Vimeo nesta madrugada, após muitos anos de pedidos do elenco para que eu o fizesse.
CHAMA-SE "O Fim", Dirigi produção e arte. Fiz a locução, inventei elementais e seres estranhos e pintei corpos nus.
Foi rodado numa quente madrugada de janeiro de 1999, nas catacumbas do CEUE, em super 8. Usamos PlusX e Ektachrome até onde me recordo, mas meus alfarrábios de cronogramas e riders técnicos tem tudo anotado, isso é sempre bem bacana de lembrar e comentar. Os diários de pré produção, rodagem e estréia desse filme valeriam um livro.
Eu tinha vergonha dos meus primeiros porque, sendo uma jovem confrontadora e diferente, passei muito bullying.
O FIM, na verdade não foi meu primeiro filme, em 1997 nós começamos a rodar o 16 mm "A Verdade às Vezes Mancha" e em 1998 comecei a Rodar "Lilith... a Última Viagem do Século". Lilith... rolou o país e fez muitos fãs, estreou em 1999 também, se não me engano. O "Verdade" só estreou no ano 2000, junto com o meu 35 mm "Suco de Tomate" que foi muito mais famoso e rodou o mundo. Naquela época valorizávamos Gramado, mas ninguém aplaudia nossos filmes.
Nossos amigos faziam filmes legais, engraçados ou com citação de grandes mestres. E tinha os filmes loucos do Cristiano Zanella, que eu amava. Mas era quase só eu de mina. Dirigindo eram menos minas ainda. Os filmes passavam e a galera se abraçava e se beijava. Os meus passavam e todo mundo ficava em silêncio.
Eu ia ganhando fãs lá fora enquanto viajava com os filmes, levando oficinas e mostras, o Cinema na Mochila... mais tarde, o FLõ festival do livre olhar.
Mas os prêmios eram mirrados porque ninguém sabia o que fazer com o que nós fazíamos. Alguns jurados vinham se explicar. Ganhamos prêmios de júri popular e isso é bom, mas nunca achei bonito não me reconhecerem como a grande diretora de arte que sou. Isto me magoava muito, pois os entendidos sabem que sou foda e meus amigos que ganhavam prêmios dirigindo arte sabiam que sempre mandei ver como ninguém. Nunca mandei assistente de arte ao xópin pedir roupinha emprestada e pouco aluguei objetos. Sempre desenhei, fiz maquete e construí cada ponto de luz, cada roupa maluca. Fiz mesas. cadeiras e camas penduradas em árvores para nossas cenas...
Enfim... ASSISTAM "O FIM". É um filme de quando eramos crianças mas nele há muitos nomes que hoje são os fodas das artes aqui no sul. O diretor João de Ricardo é um deles. Messias Gonzalez e muitos outros que depois eu linco. E tem até o Carlos Carneiro, que tinha 20 anos, já era a pessoa mais querida e foi assistente pra comprar cerveja pro André Arieta(sem minha cerveja, não rodo) e (quase) aparece no final, como um policial.

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Sobre críticos e agressores.

Observei que toda a crítica, até a mais injusta e maliciosa feita pelo pior inimigo, pode ser interpretada e utilizada para o meu bem. Claro, nunca o nosso olhar entende exatamente o que outra voz nos dirige pois as partículas se reposicionam no caminho entre nós e fica só a impressão, a marca do gesto que define se a mensagem é de amor, de ódio, de vingança, de agradecimento... O resto, o texto, é bobagem.
Não são plenamente os critérios alheios que importam numa crítica, mas um diálogo paralelo. Só o receptor da mensagem tem o poder de definir se o tiro é de chumbo ou de pétalas, nunca o crítico mensageiro. A crítica para o crítico é como a obra para o autor, depois que sai, é desconstruída e reinterpretada e não há o que ele possa fazer a respeito.
Assim, concluí que uma crítica, mesmo que muito peçonhenta, é como um anagrama que só cabe a mim transpor,
 Depende apenas de qual parte minha vai recebê-la. Pode ser o umbigo, pode ser o cérebro, pode o coração ou uma parte que não sabia que havia em minhas entranhas ou almas.
Escolher com quais olhos vou escutar e ler é primordial pra que eu saiba fazer uso, ou não, dos olhares extrínsecos.

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A crítica ganhou sinônimo de agressão, quando não é. Quando é agressão, não é crítica. Já recebi críticas bem ácidas de pessoas inteligentes e formadoras de opinião. Era pessoal, pois sou muito politizada e, em nosso meio, se você confronta o estabelecido vai pra fogueira sem dó. Só que aquelas pessoas eram entendidas, tinham a voz e o direito à crítica em espaços especializados. Apesar de injustas, eram formais e eu tinha que fazer uma limonada com elas. Daí, aprendi que mesmo que seja uma crítica maldosa, sem ética e tendenciosa, você sempre vai tirar algo de bom que pode ajudá-la a melhorar. Nem que seja aprendendo a controlar o ego, a ser fria ao ler coisas horrorosas a seu respeito, a saber cozinhar o tema antes de sair dando respostas.

Assinado: A leonina menos egocêntrica da cidade (ou não).

Tudo menos inveja.

Quando der aquela incontrolável vontade de invejar algo legal que alguém fez, saia correndo, se ame e goze.
Depois volte do seu canto com a paz de quem está satisfeito, conheça de novo a invenção do outro e pense:
"Puxa, que coisa bem linda isso! Mais uma pessoa genial como eu, a fazer coisas incríveis que melhoram esse mundo louco, cheio de ódio contra o qual temos que lutar".
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Entende? Não inveje, faça parte \o/
Todo mundo sabe, mas nunca é demais repetir que o pior inimigo do invejoso é ele mesmo. É como servir-se da própria carne aos poucos.
O remédio é amar-se. Gostar de si.
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Observei que o senso comum, essa mania de que só celebridades e ricos de ocasião são possuidores
de dons especiais sobre-humanos é o combustível maior da cobiça que leva a essa raiva cega geradora dos zumbis do século XXI, se esfolando uns aos outros no trabalho, em casa, na escola, no xópin...
Tudo isso não é você, são bobagens que a publicidade, o mau jornalismo, o seu patrão e os rotuladores contratados pelas grandes corporações andam colocando na sua cabeça fragilizada.
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A sofreguidão é tanta no seu coração, que até o tom de voz dos ídolos destes tempos é desesperado. Já notou que cantores, apresentadores, blogueiros, pastores... todos esses milionários que moram em um portal inalcançável que fica do outro lado da tela, todos eles gritam até quase jogarem os pulmões na sua cara? Quando você está em paz, essa gritaria não te representa.
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Você, entretanto, é livre para considerar anormais as emulações obrigatórias, mesmo que alguém te ache um mentiroso por não sentir inveja, gostar da sua vida e não querer a do outro.
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Há modos simples para não se deixar levar por esse surto de sofreguidão que assola a globalização padronizadora dos gostos e o achatamento das ideias e essa mania de sentar diante das telas e ver o quanto o outro é melhor, mais bonito e rico que você. Esse jeito é se gostar, é duvidar da maioria, se conhecer, falar sozinho, se descobrir brilhante e, claro, se masturbar.
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Estão mentindo pra você que você é um invejoso quando seus olhos discordam da maioria e não acham geniais as duplas sertanejas só porque são ricas, nem linda demais a mulher dos lábios injetados só porque está em todos os programas dando entrevista. Essas imagens recorrentes adoecem você e esse é o princípio do surto de zumbis eletrônicos.
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Você não é proibido de discordar e não é invejoso por ser crítico, você apenas está a caminho de ter o seu próprio olhar.
Há em você uma pessoa bem mais impressionante do que há em muitos que você inveja, então se prestar a ser mais um invejando e pincelando ódio no mundo é uma perda de tempo idiota.
Não invejar, é simplificar, é libertador.
Um beijo.
biAhweRTher
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

SOBRE HOMENS INCOMPLETOS E SUA INUTILIDADE

Já me aconteceu de ter parceiras incríveis trabalhando comigo em pré produções e, do nada, elas terem que sair de projetos porque nos dedicamos demais e os carinhas delas começavam a exigir que se afastassem. Teve um ano do FLõ, que a pessoa mais apaixonada pelo projeto foi obrigada a sair e sofreu muito. Era o namorado ou o festival.
Quando se trata de processos livres - não falo de arte vendida em galeria de xópin, mas de hibridismo, festivais independentes, filmes e etc - a gente dorme e acorda com o trabalho porque não existe o critério padrão de espaço-tempo. Não há um relógio que desligue sua criatividade, não há uma parede que defina o local da sua sensibilidade. Tudo e todos são referências e inspiração.
Não estou aqui dizendo que se trata de uma regra, estou apenas elaborando sobre minha experiência como liderança de coletivos, que começou lá nos anos 90 e não é nada pequena.
Desculpae os meninos machos, mas é bem recorrente que quando você está trabalhando só com manas, gays ou rapazes já conscientes da relevância do seu eu feminino,
as coisas vão rolando muito mais intuitivas, profícuas e menos desconfiadas, burocráticas.
NÃO estou dizendo que um grupo sem machistas é perfeito, digo que é necessário. Claro que há discordância entre pessoas criativas e isso é importante, faz parte, é salutar, empurra pra frente. Óbvio que meninas se estranham no meio do processo.
Mas quando há um homem na equipe ou há um homem, de fora, com poder de decisão sobre as escolhas de uma das mulheres da equipe, tudo fica mais truncado e começam a surgir desconfianças.
Dialogar com mulheres, gays e homens femininos sobre processos criativos e levar adiante tais processos é algo parecido com as ondas do mar. Uma complementa, continua a outra.
Nada é duro demais porque a arte necessita de adaptações, a produção e as tomadas de decisão encerram nuances e subjetividades, tal qual as próprias obras que iremos expor, exibir, performar.
 A necessária humanização de um grupo, a sensibilidade de saber que cada qual tem seu tempo e para cada um o tratamento e as expectativas são diferentes... são itens muito mais facilmente alcançáveis quando todos os homens envolvidos são humanos já treinados para entender, aceitar e festejar o feminino que habita todos os seres vivos.
Claro, as linhas curvas dos relacionamentos não deveriam faltar em qualquer local de trabalho, não importa qual a matéria, mas isso é um crescimento que a humanidade ainda levará uns mil anos pra compreender.
Porém, quando o trabalho envolve arte, daí todos os espinhos fálicos e todos os cantos angulares das relações devem ser p r o i b i d o s. Simples assim. Num coletivo que trabalha com arte, não cabem pessoas que vêem as mulheres como seres menores a precisar de alguém que pense por elas. Em um coletivo que trabalha com expressões artísticas não cabem homens que pensam que todos os gestos de uma mulher são recatos para seus pênis. Pessoas que oprimem a si mesmas inutilizam as vivências saudáveis, minam, desmotivam, corroem.
Gentilezas \o/
biAhweRTher

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O mesmo diário.

Balanço na rede amarela, olhando, escutando, me afogando no mar. Ao meu lado, Júlia Albertine, perra leal. Ao redor as felinas, Uma e Glau, uma atenta, outra preguiçosa.
Praia vazia.
Foram-se como chegaram, histriônicos, eletroeletrônicos, glutões, alcoolizados. Em nome da paz, as bombas assaltaram a tranquilidade dos animais.
A despeito do rastro de latinhas e ossos, os pássaros estão em festa.
O ano não é novo, o ano não existe, assim como as fronteiras espaciais que dividem os jardins, as cidades, os países, guardando retirantes de olhos fundos no limbo do tempo e do espaço.
O ano não é novo, é apenas um número qualquer que marca o início do círculo carcomido. A vida humana é uma cobra que devora o próprio rabo.
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Balanço na rede amarela, pra lá e prá cá, namorando o mar.
Resolvo visitar a outra rede, que se diz social. Antissocial. Segue a mesma, como nos últimos dias, todos esquizofrênicos. Tentamos pensar positivo mas desistimos, tentamos acreditar mas duvidamos, tentamos nos fortalecer mas nos divorciamos.
As notícias hoje – confesso que li por alto – são sobre as primeiras tragédias do ano. Prefeitos fantasiados assumem seus postos, cinismo, descrédito. Novas notícias sobre assassinatos no país em nome da intolerância e do extremismo.
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Antissocial, largo a rede e fico na rede amarela, o mar está verde, o mar está tanto, o mar está. Um rapaz se aproxima do portão:
- Oi, quer milho verde?
- Quanto? - Negocio o desconto. Ele conta uma receita que sua irmã inventou.
- Tchau, guria!
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Algum vizinho solta duas bombas, livrando-se do estoque que sobrou. Lembram tiros de canhão ou algo assim. Mais uma bomba.
Pensei em começar um movimento anti bombas nos festejos. Em nome das bombas que estão matando crianças nas guerras, em nome dos animais que não tem nada a ver com nossos valores doentios. Pensei... não sei. Vai que algumas pessoas aderem... Soltar bombas em festejos nos tempos de guerra (que são todos os tempos) me parece um deboche, um sarcasmo, algo de criança má, egoísta, mal educada.
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Mais tarde, se não chover, vou sair dessa rede e caminhar até a reserva Tupancy, encontrar as capivaras que este ano ainda não vi. O parque, agora, é uma espécie de zoo para divertir humanos e não um local para preservar as características nativas.
Hoje, os loteamentos oprimiram o Tupacy e o transformaram num intruso entre os carros de som e o exibicionismo. Já não se vêem mais os orgulhosos casais de marrecas desfilando com seus filhotes rumo ao mar. Não mais.
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Aproximam-se nuvens. Tomara que chova no final da tarde, daí eu vou lá na vendinha e compro farinha e faço bolinhos de chuva e começo a reler alguma biografia. Verão sem biografias foda pra gente comentar o ano todo, não é verão.
O bem te vi canta como se a vida fosse perfeita. As aves negras dão rasantes nas ondas. O casal de quero-queros ensinando o pequeno filhote a voar, o mar, o mar, o mar...


Um beijo.
biAhweRTher