sábado, 29 de abril de 2017

O Elo.

Todo mundo sabe que não acredito que pessoas adultas são as que tem mais poder de compra.
Acho que adultos são aquelas pessoas que já entenderam que gente grande é uma ponte, o elo entre os que estão nascendo e os que estão chegando ao fim.
Ando faz dias pensando
sobre nossos velhos pais e avós (pra quem ainda os tem).
Hoje mesmo, estive conversando com uma amiga sobre como cada velhinho está enfrentando essa fase da vida, quando se deparam com solidão, preconceito, dores...
Estou percebendo alguns idosos felizes e cheios de graça, outros ranzinzas e sem paciência... Mas todos nos deixam preocupados, sem dúvida, pois ficam mais a mercê das maldades do mundo.
Claro, cada pessoa é uma pessoa, mas estou começando a ver o quanto é fundamental nós sermos corajosos ao longo da vida. Sermos verdadeiros, não guardarmos nada, não fingirmos o que somos, não cedermos ao senso comum, não nos obrigarmos a um modelo, padrão de comportamento que nos sufoque, que nos faça guardar a verdade do que somos nas profundezas secretas.
Desavisados e egoístas, pensamos que ao ficarem velhinhas as pessoas, tal qual os bebês, não seguram apenas o xixi, os gases. Só se pensa nisso.
Mas tem outra coisa que pessoas mais velhas soltam. É a personalidade, que fica mais livre. Eles se mostram e a gente nem sempre percebe.
Se você passar a vida fingindo ser o que não é apenas pra agradar, você pode se tornar um velhinho ácido e com mais dificuldade de socializar.
Velhos não são apenas corpos delicados, são um infinito interior. Velhos são mais vida do que morte.
Então, me preocupo com nossos velhos porque nossa vida atual de adultos nos deixa sem tempo e não sei se estamos educando os mais novos a serem melhores do que nós em relação aos velhos.
E sobre nós mesmos, como faremos quando
somos uma geração quase sem filhos? Muitos com apenas um filho, outros optaram por não tê-los e outros por serem pais aos 40 anos.
Ou seja, já percebemos que quando for nossa vez nós talvez sejamos uma geração de solitários em milhões de apartamentos, viciados em remédios,
pois nós mesmos dividimos as pessoas em gerações e interesses excludentes como nos comerciais?
E me pergunto se não somos infantilizados demais numa sociedade que comercializa a eterna juventude, de modo que não saberemos ver as muitas belezas de histórias vividas pois só pensamos em bobagem. (Leio muitos textos de velhos azedos dizendo que não há nada de bom em ser velho).
Não consigo acreditar que não existe beleza na velhice, pois se você tiver coragem de sair por aí abrindo as portas e sabendo escolher os nãos e os sins que não trairão a sua transparência, você talvez se relacione com mais felicidade com o inevitável ponto final. Você entenderá sua utilidade.
Nada é mais lindo do que não se arrepender dos arrependimentos. Nada é mais tranquilo do que ver o tempo como uma parte de algo imenso e não um filme de terror. Deve ser triste passar a vida escondendo você de você mesmo e dos demais. A velhice das pessoas demasiadamente controladas e obedientes pode ser mais revoltada do que um adolescente.
 Sei lá... Ando pensando nisso tudo, pois muitos da minha geração estão levando um susto ao descobrirem que os pais estão velhos e a gente, muitas vezes ainda com reações adolescentes, não viu que agora está chegando uma outra fase, a de cuidar dos velhinhos, perdoá-los pelos erros, ter paciência para a troca de papeis, arranjar tempo pra ser a ponte. Nós no meio, no olho da pré e pós memória, o elo do qual depende a continuidade.
Um beijo, vou pra rua louquear enquanto é tempo. Tentar despir meu eu pra não perder tempo.

biAhweRTher

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Anorexia

Fazer greve é incomodar, paralisar o que não vai bem.
Sendo assim,
fazer greve hoje, no meu caso, é existir, insistir e trabalhar porque nossa existência incomoda mais existindo.
Sendo artista, a frente de uma startup que 90 por cento dos possíveis investidores (inclusive as instituições públicas) não entende pois é desconstruída, pensei... pensei...
e cheguei a esta conclusão.
É trabalhando que gente como nós incomoda uma sociedade que olha pra nossas obras, textos, ideias e confrontos e pergunta onde está o trabalho e nos tem por vagabundos.
Quem sentirá minha falta se eu hoje fizer greve e não escrever uma crítica sobre a superficialidade dos adultos brasileiros e um machismo que derruba as fronteiras entre direitistas e esquerdistas em ambientes de trabalho?
Se eu parasse hoje, no máximo, atrasaria ainda mais algumas contas que nem são minhas, mas da sociedade que troca cultura e arte por entretenimento e pouco apoia mas exige gratuidade.
Quem perderia com a minha parada? Alguém perdoará os trabalhos e pagamentos que estão atrasados.
Meu patrão são todos e quem quiser.
Greve contra os trabalhadores da cultura a esmagadora maioria da sociedade faz todo santo dia, nos esmagando contra os muros; nos escondendo nos sótão e porões de suas vidas; nos excluindo, tanto que muitos cidadãos tem raiva de greve pois incorporaram dóceis a cultura da submissão.
Greve, os trabalhadores da cultura e do auto retrato social fazem todo santo dia contra sua própria sanidade, para conseguirem levar projetos para um país que os desdenha. Independente da posição política, a política da maioria é consumir mais e mais produtos industrializados; mais e mais roteiros adivinhados.
A greve no mundo dos artistas - não marionetes da grande mídia e das majors, falo de artistas de fato - é a de fome.
Estou trabalhando hoje e esta é a minha greve. E não me importa o que os detentores do pensamento crítico com suas mãos macias, sentados sobre seus textos acadêmicos e títulos me digam a respeito de traição. Eu hoje estou trabalhando.

sábado, 15 de abril de 2017

Beco do Batman

Peguemos dois pontos a respeito da arte no mundo contemporâneo:

Peguemos dois pontos a respeito da arte no mundo contemporâneo:

1) Arte de rua é tão arte quanto a arte de museu. Não adianta o leigo ou parte dos entendidos espernearem que sua reprodução na sala, dividindo espaço com a tela gigante de tv é mais respeitável. Não pague mico, você lacrimeja diante da obra do Basquiat, se masturba por Nova Iorque, então caia na real. A arte escapuliu dos espaços sagrados, limitados à alguns entendidos e colecionadores com tacinha na mão e um dicionário de sinônimos.
2) Seja nas novíssimas e diversas expressões, seja na arte clássica, a obra se separa do autor, como um filho sai da casa do pai, leve consigo uma herança ou uma porta na cara.
Ou seja, não é de arte que falamos quando um senhor toca tinta cinza sobre obras de rua, inspirado em um prefeito playboy, colecionador de relógios de ouro.
Quando alguém se desentende com um artista arrogante e cobre sua obra com tinta cinza, estamos falando de política e ignorância.
Nem os piores fascistas desconsideram a arte, é só ver os espólios de guerra. Quem depreda a arte são os extremistas religiosos, com sua política de fingir que a história pode ser apagada.
Por exemplo, Monteiro Lobato era racista, porém os mais lúcidos não entendem que sua obra deva ser queimada em praça pública num Fahrenheit 451 às avessas. Na história da humanidade encontramos artistas que serviram aos piores fascistas, há mafiosos e líderes religiosos medievais; outros abusaram de mulheres ou foram até assassinos.
Ou seja, se alguns artistas de rua se tornaram invasivos, você não muda sua relação com a sociedade, matando suas obras.
Você não coloca em julgamento a obra, entende? Ela é para discutirmos nosso estado de vida, de morte, de direito, de opressão.
A arte é a parte boa. o resultado, o espelho. A parte a qualidade, o preço do pincel utilizado; se o suporte é o muro ou a tela; o tema ou não-tema, o local onde está exposta, o discurso, a possibilidade de ser levada no bolso ou modificada pela chuva.
A arte é a discussão em vida e depois da morte.
Um beijo.
biAhweRTher

quinta-feira, 6 de abril de 2017

S O L

Encontrei este texto, de 6 de abril de 2013, no meu segundo perfil do facebook.
Não é um material tão incrível, penso eu, como leitora. Contudo, me trás a memória de um momento importante da vida, de início de uma longa transição, o encontro comigo e a necessidade da solidão. Tomada de decisões que me levaram à atual fase profícua e entre muitas pessoas... Além do mais, algumas leitoras que admiram minha escrita se sentiram tocadas quando publiquei.
Assim, copio aqui no blog pra não perdê-lo.
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S O L

Solidão deveria ter outro nome. Deveria ser um palíndromo que começa e termina com sol.
Nunca parei antes a comparar as intensidades da solidão sozinha e da solidão acompanhada. 
Essa semana, nas passeatas, eu encontrava e me perdia dos amigos. Prender-se, perder-se. Su-bli-me! 
Até os 18 anos eu tinha uma coisa que um espírita chamou de desdobramento e a psicóloga chamou de: hum-hum. 
Era mágico. Muitas vezes, quando estava na minha cama, eu me via, fora do corpo. Queria pedir ajuda, claro. Mas quem diz que a voz saía? Minha consciência estava com o corpo de cima, que voava sobe mim, preso ao meu corpo real por feixes de luz multicolorida que saíam do meu umbigo. Um dia, vivo, meu segundo corpo quase saiu pela janela, flutuando. Pavor! E se eu nunca mais voltasse em mim?
Casualmente, quando eu saí da casa de meus pais pra descobrir o mundo, nunca mais vi os feixes de luz saindo do meu umbigo. O que não significa que não tenho mais de um corpo, um na terra, outro no céu, mas não consigo mais ver aquilo que os prende um ao outro. O certo é que, hoje, aprecio como se fosse um orgasmo quando me perco na multidão. O corpo que voa, saindo pela janela, deixando o outro ali a descansar seus medos.
A propósito, acho que já escrevi várias vezes sobre isso, de não saber nada sobre turmas e bandos. Distraio-me e traio (não confundir lealdade com fidelidade, por favor!).
É uma emoção sem limites falar com estranhos – que são todos - num diálogo contínuo, pela vida afora. Uma vez, as 6 da tarde, no meio da Cinelândia lá no Rio, eu e um amigo começamos a gritar coisas loucas de braços abertos, rodando e, ao nosso redor, todos estavam loucos, vendendo, tocando guitarra por moedas, falando de futebol, discutindo, se rindo, reclamando da chuva, correndo pra algum lugar. Ninguém nos via!!! Foi nesse dia que tive a certeza de que pode ser lindo quando ninguém me percebe.
Nesse mundo cheio de bengalas que nós inventamos pra fugir de nós mesmos, talvez o mais próximo do auge de liberdade que possamos conhecer, seja estarmos sós. De preferência, sem referências, mas daí é pedir demais. Fechar-se num pequeno grupo talvez dê uma sensação de confiança. Assim, você é sempre obrigado a ser muleta de alguém e, claro, exigir que outros se prestem ao mesmo papel.
Hoje, tirei a tarde de sábado pra esse silêncio da garganta, falação dos pensamentos. Algumas horas sem ninguém é tão ou mais incrível que as festas loucas entre vários amigos, bebendo, fumando, dançando.
Nunca perguntei se todos pensam como eu, se todos sentem essa mesma explosão luminosa, metafísica, quando tiram um tempo pra se sentirem sós, soltos no mundo, pequenos, uma gota, uma bolha, um micro ponto.
Não consigo lembrar-me quando foi a primeira vez que me escondi das outras pessoas a pensar, ler, fotografar, fazer nada, olhar as nuvens, sentir o cheiro dos jasmins lá no sítio. Desde que me conheço por gente, faço isso, eu fujo em direção a ninguém. Depois, já adolescente, veio essa mania de viajar sozinha, perder-me, falar com estranhos, sumir. Insegurança de não ter ninguém ao redor que saiba meu nome. Ninguém a me julgar, ninguém para me ajudar. 
Combustível. Substância. Solidão. 
Sol
Uns emprestam sua companhia, alguns se prestam, outros se dão.
Lua. Vou a uma festa!
biAhweRTher