terça-feira, 20 de junho de 2017

Unfocused Antenna

Me pergunto como se sentem os demais artistas que ousam a multi expressão quando a especialização, a exigência de "foco", a expectativa de que nossos corpos, dons e vidas estejam cada vez mais divididos em micro gavetas dentro de micro compartimentos.
Fico curiosa em saber como os outros multiartistas se resolvem na sua relação com a imprensa (é um dos maiores problemas pois releases exigem um modelo e nós não usamos moldes); como se entendem com a diversidade de clientes, parceiros, associados, fãs e até haters que não sabem bem o que odiar em você.
Ando faz horas querendo inventar uma discussão, um encontro mesmo, entre pessoas que, como eu, dizem a cada fase do ano uma profissão quando lhes perguntam. Tem dias que estou artista visual (confesso que gosto quando meu trabalho pode ser identificado como tal pois é uma definição bem genérica), há dias que sou fotógrafa, contista, cineasta, musicista, trilheira, designer, VJ..
Tenho DRT como diretora de arte e roteirista, mas nos meus filmes faço do argumento até a edição... O preconceito é horroroso. Já vi muitas pessoas técnicas dando um risinho sobre nós, "faz-tudo" que tiramos o trabalho de pessoas especializadas.
De fato, o processo de expressão do artista é muito mais subjetivo do que objetivo - ou deveria - e cada trabalho é um. Há momentos em que você percebe que precisa trabalhar com 40 pessoas, há outros em que assina tudo, não precisa mais do que a sua solidão.
Fácil não é. Você precisa dominar muitos softwares, linguagens, nomenclaturas, sensações, técnicas, conceitos, problemáticas, filosofias, especificidades, generalizações...
Um dos desafios é a parte humana. Isso de você não ter os tiques de uma turma específica.
Sabe? Não tem o churrasco da firma e não chega a saber as fofocas íntimas de ninguém. Ninguém perdoa uma pessoa que não faz parte, que não se identifica de cara com um grupo e suas piadas internas.
Há dias, em que sinto vontade de conversar com profissionais como eu, sobre as saídas pra sermos respeitados, mesmo não sendo entendidos, pois não é pra nos entender. Você entende aquele que responde, mas creio que somos pessoas que só fazem perguntas quando estão cuidando de suas atividades e tornando público o seu trabalho.
Há de tudo na minha não-rotina de trabalho, menos segurança, menos a concretude de uma profissão tradicional. Você se pergunta todos os dias sobre porque todos a sua volta sabem explicar em uma frase o que fazem profissionalmente.
Pra piorar, você sabe, sabe muito bem que você nunca mais vai tentar escolher entre todas as atividades que você ama, ainda que você tenha que morrer com 200 anos pra ver finalizados um terço dos seus planos. Se você decidir hoje que vai abandonar todo o resto e ser só fotógrafa, por exemplo, no meio da madrugada você vai acordar com uma poesia ou um vídeo na cabeça e quando o sol nascer tudo vai estar ao mesmo tempo mais uma vez.
De tudo isto, a única certeza que eu, pelo menos, tenho é que nada do que eu faço é um projeto sozinho. Todas as minhas obras são a continuidade de um trabalho só que os outros talvez entendam depois que eu estiver muito velha ou muito morta pra estar em atividade.
Talvez seja por isto que tanta gente não entende o que fazemos. Talvez seja porque nossos projetos sejam todos parte de um mosaico que nós não terminamos ainda e, assim, um dia, cada pessoa que participou de algum modo, que comprou, contratou, assistiu, entendeu ou odiou seja parte de uma obra única que a gente fez pela vida toda e talvez ninguém saberá pra que serviu exatamente isto mas conseguirá ver o seu todo, completinho.
Um beijo.
biAhweRTher

terça-feira, 6 de junho de 2017

PSEUDO ARROZ E PORTA RETRATOS

Há alguns dias,
uma professora de Educação Física, em Curitiba, percebendo que os seus alunos eram agressivos demais e humilhavam os menos fortes fisicamente, pesquisou um método para ajuda-los a repensarem suas atitudes.
Ela apresentou uma dinâmica com dois potes cheios de grãos de arroz para incentivar as crianças a pensarem nos danos causados pelas palavras de ódio entre si. Ao gritarem palavras de incentivo a um pote, o arroz ficava branquinho; ao dizerem impropérios ao outro, o arroz ganhava bolor.
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Ela poderia ter usado outra mágica, como um conto de fadas, mas preferiu a interatividade.
Não deu outra. Surgiram alguns certos de que ela tem um dom divino e outros muito revoltados.
Parte da internet gritava que a educadora estaria fazendo pseudo ciência e surgiu quem pedisse punição e "intervenção" da Secretaria de Educação, pois haveria uma fuga de conteúdos científicos, dos programas, temas que deveriam ser rigidamente definidos para serem tratados em aula. Pior, parece que ela tirou os alunos da sala e os levou para um ambiente mais ensolarado.
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Apesar de as matérias deixarem claro que se tratava de uma professora de Educação Física, li uma senhora preocupada sobre o que deseria um professor que leva alunos para o pátio, para algum parque, para longe do ambiente tradicional de aula para lhes incutir pseudociência?
Curioso é que a professora não falou em Deus, não pregou alguma religião. Ao que se sabe, ela quis aliar humanidade às rotinas. Era só uma aula alertando contra os males do bullying que, já no meu tempo, quando eu era atleta na escola, rolava muito pesado nas aulas de Educação Física por motivos óbvios, é onde se destacam as lindas e fortes.
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Entre os revoltados, muitos se apresentam orgulhosos estudantes de Direito ou Medicina e, portanto, sabem o que dizem. Adorei ver que as pessoas médias, no país, ainda sonham que Médicos, Engenheiros e Advogados estão acima dos demais. E achei lindo ver pessoas que, embora acadêmicas, claramente não tiveram muitos exercícios lógicos, argumentativos; nem uma mera dissertação básica nos tempos de escola. Sequer uma aulinha de pensamento, filosofia, matemática das ideias....
Essa notícia me lembrou que estamos querendo a todo o custo eliminar as disciplinas humanas das escolas e que universidades caça niqueis, vendedoras de diplomas estão chovendo aos montes no país com programas mais "enxutos".
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Lembrei ainda que fomos criados correndo atrás de canudos em branco e que os mais dignos de orgulho nas famílias são os que preferem ter um diploma em uma péssima faculdade propagandeada no camburão do Huck do que ter uma profissão - "superior" ou não - que os satisfaça intimamente (há postos técnicos carentes de profissionais no país, então muitas empresas buscam profissionais no exterior).
Lembrei ainda dessa notícia sobre os jovens de classe alta de ensino médio de duas escolas em Porto Alegre, que promovem festas onde se fantasiam de trabalhadores sem canudo, considerados como pessoas que não deram certo.
Mas se o trabalho que faz a base da sociedade onde vivem os príncipes e princesas é "sub profissão", o arroz bolorento da professorinha de Curitiba não é o suprassumo da verdade, o resumo mais fiel da sociedade brasileira?
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O pseudo ensino, no Brasil, é uma bagunça que começa anos antes, na pseudo família.
 Pessoalmente, frequentei 3 faculdades em 3 grandes universidades diferentes em períodos diferentes. Era sempre igual. Noventa por cento dos estudantes não quer pensar a instituição como um espaço social do qual faz parte ativa e não passiva; logo, ao passar por ele, você tem que criticá-lo, vivenciá-lo e deixá-lo diferente e melhor para os próximos, de modo que seja garantida uma continuidade evolutiva.
Nah! Tudo é sempre bobinho. Entre decorar textos ou fazer copy past do google, colar nas provas, fumar um baseado, ser o mais bem vestido ou o mais revolucionário de ocasião... a maioria escolhe alienar-se, aguentar o que for ruim, não olhar para os lados, fazer ou copiar os trabalhos, pegar logo o diploma e correr para o porta retratos.
É possível que boa parte dos universitários do país esteja com o pavio curto porque estuda o que não gosta ou faz o que gosta mas tem que enfrentar brigas com as pessoas que pagam seus estudos.
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Acho interessante pensar nesse ingênuo episódio da professorinha e os potes de arroz pra ver o quanto estamos afundando pra além do fundo do poço como sociedade.
E mais interessante ainda é pensar que, diante dessa caça aos diplomas, qualquer um que ame sua profissão precisa tomar muito cuidado na nova velha sociedade que o Brasil reinventou.
Só que, talvez, os professores precisem tomar mais cuidado ainda.
Mais do que jornalistas de fato, artistas críticos ou policiais honestos, talvez os professores sejam os profissionais mais oprimidos entre Religião e Ciência - onde uma pode ser a outra.
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Há outros pensamentos, claro. Em meio à intolerância, a ciência e a religião começam a convergir, identificar elos em seus buracos negros.
Será que o Brasil agora é uma país fundamentalista?
Não sei, só sei que eu não aguentaria lecionar para crianças e jovens neste nosso momento. Na minha memória de criança, criar estratégias para que seus alunos se humanizassem ou se interessassem pelos conteúdos, fazia um professor se destacar positivamente diante da maioria das famílias, escolas e estudantes. Esses foram os professores que a gente trouxe pela vida, nunca os que nos humilhavam ou incentivavam atos de preconceitos. Hoje, incentivar que alunos de classe média sintam vergonha de prováveis familiares sem diploma é motivo de festa; criar modos de despertar nos alunos um olhar menos bolorento e mais igual, já pode ser motivo de apedrejamento.
Um beijo.
biAhweRTher