segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Preciso falar mais um pouco sobre o Apanhador Só

Sinto necessidade de voltar ao tema.
Quando discuto machismo não consigo usar expressões como "macho" "escroto" "passar pano" "quero mais que morra" "banda nojenta" "otário". Talvez porque já sofri assédios, então se eu saísse chamando alguém de "macho escroto" me sentiria irmã gêmea do homem que ao receber o meu não às suas investidas aqui no inbox me chamou de "vaca mal comida". E olha, eu não quero mesmo ter qualquer semelhança com ele.
Se eu pudesse, diria para as pessoas mais novas que estão querendo levantar um debate, que se alimentem com bons textos feministas e também não específicos. Qualquer coisa que enriqueça a palavra e inspire o exercício do pensar e reproduzir pensamentos. Se peguem em referências e valorizem as ideias que saem das suas bocas e teclados.
Textão é bom, sim. Muito melhor do que "macho, você é um merda" (e muitos são mesmo, mas não nos igualemos, pulemos o óbvio), podemos contribuir com pensamentos bem mais ricos e ideias que colaborem a conscientizar homens e mulheres.
Conscientização é como uma conquista. Você come pelas beiradas, não adianta xingar. E a cada pessoa que olhar pra você e der sinal de que você a fez parar pra pensar, você teve uma vitória imensamente maior do que gritar pra um monte de caras que eles são escrotos (pessoalmente eu tenho um problema sério com esse vocábulo, começo a digitar e já me dá uma náusea, haahahah, ofenderia mais a mim do que a quem eu desejasse ofender).
No meu blog, para contribuir, já escrevi, do meu jeito todo rebuscado, sem dar os nomes e sem ofender ninguém, sobre pessoas próximas que foram estupradas, sobre assédios que sofri e sofro. Me parece... só parece, que as mulheres que de fato passaram por agressões, em geral não reduzem o assunto a uma mera troca de ofensas. Algumas esperam anos, se cuidam, se tratam. recomeçam a vida e só após superar tentam chamar uma reflexão sobre sua experiência. O perigoso é se nós, de fora, dermos uma dimensão de ódio para o desabafo dessas mulheres.
Assim, quem tem o que dividir, contribuir, irá se encolher, com medo da avalanche que poderá se tornar sua vida.
Melhorar o mundo não será possível com ódio, como guerra não pode salvaguardar a paz. Precisamos um diálogo entre todos, sem a sede de vingança.
Vingança é uma faca de dois gumes. Vingança é diferente de justiça e diferente de lutar por uma cultura de igualdade.


beijos
biAhweRTher

sábado, 19 de agosto de 2017

Está no ar, está nas nuvens, está em todxs nós.

A esta hora, hoje, no Theatro São Pedro, a Apanhador Só, banda que está lançando um trabalho de muita qualidade, estaria com borboletas no estômago, no lindo camarim de um dos teatros mais cobiçados pelos artistas do país inteiro.
O público, muita gente, estaria ocupando os lugares ansioso, naquele clima bonito de sábado a noite. O cenário delicado à espera. Os familiares orgulhosos, a imprensa presente, a postos para as críticas que, garanto, seriam lindas, pois o trabalho é ótimo.
Mas não haverá show, não acontecerão shows por um bom tempo.
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Até que ponto estamos todos, meninas e meninos, homens e mulheres, preparados pra fazer dessa perda um ganho?
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Não pode ser de graça que o palco hoje fique num triste e tenso silêncio como em silêncio ficam todos os dias mulheres artistas, mulheres DE artistas, groupies, donas de casa, arquitetas, jornalistas, desempregadas, faxineiras, menores de idade, velhas, mulheres drogadas ou contra as drogas, ateias e evangélicas, direitistas ou esquerdistas, petralhas ou coxinhas, lisas ou crespas.
Silenciosas diante de abusos.
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Como já fui mais de uma vez vítima de machismo entre quatro paredes (abra a primeira champanhe quem não foi!), sinto necessidade de debater mas não tenho coragem de expor agressores. E porque? Porque sou genuinamente feminista e feminismo para mim começa nessa raiz empática que não se aparta de mim. Quero mudar a sociedade, não quero matar meu algoz. Me preocupo com quem não foi um bom parceiro, o entendo como uma vitima da cultura machista. Não consigo me mover pelo ódio pois considero um tiro no pé. Nos vejo como dois lados de uma mesma moeda, reféns no mesmo quarto escuro.
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Me divido em duas, uma compreende a necessidade de uma discussão ampla na sociedade, tal qual o desabafo da Clara causou, como um grito geral, como um desabafo de muitas e o alerta a muitos. A outra é parte de milhões de mulheres em silêncio.
Sim, é crime rapazes. Vocês cometem crimes quando abusam e precisam libertar-se desse monstro que os habita.
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Quem também já foi vítima, quem um dia foi agressor, quem é filho de vítima, quem viu algo acontecer e não fez nada ou fez pouco, quem acha bonito homens passarem DST para suas mulheres, quem acha tranquilo bater na namorada...
Não importa o lado, todos estão no telefone, nas redes sociais, na rua, no bar, nos comentários que seguem os artigos de jornais.
Todos estamos falando sobre isto e assim devemos agradecer à Clara por abrir o debate com a coragem de falar de si e ser julgada.
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E, acreditem, precisamos agradecer ao músico em questão, que assumiu sua culpa, calando os que tentaram colocar em dúvida o desabafo da vítima.
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Precisamos conversar, todos nós, sem segredos, sem esconder o dedo quebrado, sem mentir que nunca passou por isso, sem ocultar o trauma numa garrafa de vinho, sem fingir que é normal ser taxada de louca, sem rivotril pra aguentar, sem mentir que o "meu carinha não, ele é feministo" - quando nenhum homem de fato é. Sem esconder até do próprio espelho que o cara que você ama já transou a força com você.
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A ideia que apoio não é demonizar ninguém, mas pensar e falar, a vontade.
O que apoio é aproveitarmos o momento pra refletir sobre um problema que é bastante sério, que em proporções maiores ou menores, mata mulheres no planeta inteiro, de todas as idades todos os dias. Seja as mantendo vivas mas sem o amor próprio, seja lhes tirando a voz e o direito de igualdade ou de sobrevivência, seja lhes levando pra um caixão.
O machismo mata.
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Essa é a única dor que não vê classe social, religião ou cor da pele. Une o silêncio, o medo e piedade que sentem quase todas pelo próprio abusador.
Me incomoda falar abertamente sobre o que provavelmente já sofri, pois sinto empatia por quem teria me machucado, não quero prejudicar carreira ou vida pessoal de ninguém. Mesmo se a pessoa deixou meu palco as escuras algumas vezes, não desejo impingir a ele tamanha dor.
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Assim, empáticas, quando temos filhos não queremos falar dos problemas fora de casa, mesmo sabendo que isto ajudaria a outras mulheres e filhos, porque não queremos prejudicar os abusadores.
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Somos mulheres, não vamos perder o cuidado até com quem é fruto da cultura machista e não se dispões a se modificar.
Porém, já que somos tão preocupadas com nossos machistas de estimação, precisamos perceber que ao debater e ao tirar-lhes o conforto dos melhores palcos, os estamos ajudando, melhorando nossos homens preparados desde pequenos para o machismo.
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Não acho que devemos nos deter no caso específico da Clara ou outros que temos lido mas não causaram tanto impacto. Entendo que precisamos ver a situação como um todo.
Não me sentiria a vontade pra falar sobre os detalhes do casamento da Clara em um bate papo e, de fato, noto que ninguém está. Estão todos numa roda de conversa que lida com a memória, coisas que vimos ou vivemos e que foram despertadas pela Clara.
Quero uma roda de conversa onde as presentes se dispam das vergonhas por serem vítimas e os presentes falem sobre seus ódios quando machucam suas mulheres.
Cada um de nós é como todos nós, ninguém sabe o porque.
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Eu estaria disponível para falar da sociedade dia e noite num encontro que permeasse cada relação com cada homem e mulher que encontro no dia a dia.
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Estou, faço parte dessa discussão de um modo amplo quando me expresso a partir do meu trabalho e quando me revolto em momentos específicos.
Como artista e produtora, estou com uma tristeza grande hoje por saber que o palco está vazio lá no teatro.
Me coloco no lugar da banda que cancelou seu momento mágico por perceber que é preciso pensar o machismo.
Deve ser um momento muito difícil. Mas é icônico e necessário. Há centenas de homens agora, repensando atitudes, outras centenas de homens com ódio da Clara mas sem coragem de comentar pois o assunto está quente e está feminista, ainda bem.
Há milhares de meninas detectando algo errado em relações abusivas.
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Me parece que já estamos além do desabafo da Clara. Não pode ser pessoal, entendem? Quando a banda denunciada posta um pedido de desculpas e assume que é preciso discutir amplamente, é porque estamos todos de acordo.
Não percamos a oportunidade.
Ocupemos o palco também com a igualdade, o mea culpa e rodas de conversa. O espetáculo não pode ser superficial, é preciso verdade.
Um beijo.
biAhweRTher

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Muito é Pouco.

Já aguentei muita coisa nesses 20 anos de carreira. Mas foi coisa séria. Como cineasta, cheguei a ficar doente e sem trabalhar todo o ano de 2004, pois sofri recorrentes difamações pesadas, machistas de outros jovens cineastas que faziam um festival que se considerava "concorrente" ao meu, embora o meu projeto fosse anterior.
Isso tudo a gente passa, acontece porque artistas tem umbigo gigante e esquecem a que viemos ao mundo. Nos colocamos demais em primeiro lugar, antes da nossa tarefa, antes dos motivos da lida.
Como atuo em várias artes, meus problemas se multiplicam nesse quesito. Pessoas plagiando fotos ou não dando créditos em músicas... Acontece de quando em vez. Ano passado tive um roteiro roubado, fotos e vídeos plagiados. Este ano está indo tranquilo.
Acabo desistindo de brigar porque o mundo gira. Por exemplo, os dois ex-colegas que roubaram meu roteiro não conseguiram levar adiante o projeto. Perderam mais do que eu, pois para eles a sensação de vitória era mais relevante. Eu não quero ganhar nada, faz anos que nem me inscrevo em festivais e eventos competitivos. Acho um saco esse glamour falacioso.
Enfim, nunca consegui processar ninguém. Sofro de início, depois resolvo meditar, superar, esquecer e seguir a vida criando minhas coisinhas.
Por exemplo, nessas brigas por direitos autorais, me parece sempre que a pessoa que plagia algo, plagia o que já nem somos mais, pois nos modificamos e, com sorte, melhoramos.
Tanto que, no mais das vezes, criticamos nosso próprio trabalho assim que o finalizamos, Ou ficamos paranoicos, revisando e reeditando com medo de levar a público, como se nunca estivesse pronto.
Não é raro você lançar uma obra nova e no dia seguinte achar que podia ser melhor pois teu olhar se aprimora com as experiências.
Então... sei lá, não entendo quando um artista entra na justiça e tira do ar um trabalho com milhões de visualizações por causa de uma discussão com seu parceiro criativo. Me parece que a fama rouba o dom do diálogo (ou bate boca) comum e humano.
Pra mim, é como matar o filho porque discutiu com o ex marido.
Ando certa de que ter apenas milhares de fãs seja meu segredo de felicidade. Milhões de gentes e dinheiros talvez faça o artista esquecer o que o levou até lá.
Um beijo.
biAhweRTher