terça-feira, 19 de setembro de 2017

17 anos

A censura pós democracia não é de agora. Os meninos comportados da classe média é que só a percebem agora.
Quando realizei, em 2000-2001, o "Suco de Tomate", passei por poucas e boas. Em cena, duas moças filmavam sem querer duas mulheres mais velhas que transavam e depois matavam um garoto de programa. As moças cineastas acabavam velando o filme e lavando as mãos. Eu canto com voz fofa na música do final.
Pagamos a produção com um prêmio Iecine. Para finalizar o filme, 35 mm, um trabalho caro, finalização em SP... tentamos os recursos via Fumproarte. Na última defesa, uma senhora da banca teve um piti e diante de todos os concorrentes, numa tarde traumática na sala PF Gastal, ela deu um parecer enojado, disse que meu filme era uma pornochanchada barata que não deveria ser paga por recursos públicos.
Envergonhada, me retirei segurando as lágrimas. Encontrei o Giba Assis Brasil ao sair da sala e fiquei constrangida por que ele me viu chorando e eu já estava ficando famosa por ter a sensibilidade exacerbada.
Vendemos um carro e terminamos o filme que passou por mais humilhações. Jurados e críticos odiavam ou amavam e, em algumas salas, quando eu chegava, era silêncio. Tudo bem, eu já tinha feito vários super8itos e um 16 mm e sempre fizeram silêncio para meus filmes em alguns festivais. Só que com este filme acontecia algo pior. Moralistas não gostavam porque tinha sexo, entendidos em cinema reclamavam que não tinha nudez absoluta... Reclamação não faltava.
Numa dessas sessões, como eu nunca assisto meus filmes com o público pois fico ansiosa, era o Festival de Curtas de SP, saí da sala e fui num buteco ao lado. Encontrei o Júpiter. A Cris Lisbôa se juntou a nós. Ficamos ali, bebendo cerveja barata e escutando o Júpiter, coisas que ele estava precisando contar e zangado porque a Cris tem um sotaque fortíssimo de Uruguaiana e ele achava que ela estava debochando por ele ser gaúcho...
Mas sobre o Suco de Tomate, se me trouxe lágrimas, me deu prazeres. Esteve em 13 países, ganhou um Curta nas Telas, abrindo pra um longa estrelado pela Juliette Binoche, o que me deixou nas nuvens. Exibi em canais de televisão no país todo e, a melhor experiência, foi selecionado para um festival em Manchester.
Ali, vendo o filme viajar, eu liguei o foda-se para a censura da sociedade brasileira e ali eu entendi que meu caminho não pode estar aprisionado aos critérios de quem decide qual de nós pode ter as facilidade de fazer arte com recursos públicos e qual de nós vai pedir esmola. (Essa já é a resposta para quem vive me perguntando porque ando relutante com os editais).
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Agora é 2017.
Sganzerla possivelmente levaria porrada de ambos os lados se fosse rodar, hoje, o Bandido da Luz Vermelha.
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A censura na arte não é só de uma via. "Direitistas" não querem arte e pronto, odeiam a liberdade dos sentidos e pronto. "Esquerdistas" querem arte, mas no mais das vezes, preferem orientar o olhar do artista para terem certeza de que está politicamente correto, representativo, engajado ou o escambau.
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Muitos me dizem: Até sou de acordo que você faça um filme sobre Júpiter Maçã, mas desde que mostre "tudo".
Bem, sim, meu roteiro está mostrando tudo, só que é um tudo pelo meu ponto de vista. É um filme autoral ou preciso abrir o roteiro para uma banca de censores numa sala enfumaçada?
Sabem, me parece que a esquerda e a direita das pessoas que tem grana pra consumir arte no Brasil são dois irmãos em uma mesma família, cada qual no seu quarto, dando opiniões a partir do mesmo wi-fi. O que difere é que o quarto da esquerda tem posters mais descolados e o quarto da direita uma decoração mais comportada.
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Obrigada a todos os que me mandaram bonitas mensagens que me fortalecem. Claro que não vou desistir deste filme, estou mergulhada nele. Mas como seria melhor se as pessoas fizessem seus próprios trabalhos e deixassem eu executar o filme sobre o Júpiter em paz. Depois de pronto, caso não gostem, é outra história. É gosto e pronto.
https://vimeo.com/87211593
Um beijo
biAhweRTher

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Em cada um de nós, um carrasco.

Linda manhã de chuva.
Finalmente dormi, e muito, umas 13 horas de sonhos inquietos, com essa sensação ruim no peito.
Ando preocupada com a censura que está se estabelecendo mais escancarada após o caso da exposição Queermuseu.
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Sinceramente, duvido que um só autor esteja agora tranquilo ao trazer a público sua obra. E digo mais, o escracho vem de vários lados em todos os grupos e sítios da sociedade digital. Já vi artistas sofrerem o diabo, sofrerem patrulha porque alguém "ouviu dizer" que seu clipe era racista ou machista. Já vimos todos vidas encerradas bem cedinho após bullying virtual.
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Todos nós temos esta tendência horrorosa e bagaceira de nos unirmos na internet pra massacrar alguém. De escutar uma fofoca e não perguntarmos para a vítima a sua versão ou nem nos preocuparmos com o bem estar de quem está sendo agredido coletivamente.
Todos nós temos um lado grotesco que adora tirar sangue, participar de um linchamento como quem vai a uma peça de teatro.
Note bem, quem participar de qualquer gritaria, a partir de agora, seja fofocas inbox, seja escracho público, que tenha consciência de que está sendo parte efetiva na organização da repressão no Brasil.
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Linda manhã de chuva.
Finalmente dormi, e muito, umas 13 horas de sonhos inquietos, com essa sensação ruim no peito.
Ando preocupada com a censura que está se estabelecendo mais escancarada após o caso da exposição Queermuseu.
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Sinceramente, duvido que um só autor esteja agora tranquilo ao trazer a público sua obra. E digo mais, o escracho vem de vários lados em todos os grupos e sítios da sociedade digital. Já vi artistas sofrerem o diabo, sofrerem patrulha porque alguém "ouviu dizer" que seu clipe era racista ou machista. Já vimos vidas encerradas bem cedinho após bullying virtual.
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Todos nós temos esta tendência horrorosa e bagaceira de nos unirmos na internet pra massacrar alguém. De escutar uma fofoca e não perguntarmos para a vítima a sua versão ou nem nos preocuparmos com o bem estar de quem está sendo agredido coletivamente.
Todos nós temos um lado grotesco que adora tirar sangue, participar de um linchamento como quem vai a uma peça de teatro.
Note bem, quem participar de qualquer gritaria, a partir de agora, seja fofocas inbox, seja escracho público, que tenha consciência de que está sendo parte efetiva na organização da repressão no Brasil.
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Noto xs amigsx que estão morando fora do país mais intranquilxs, intrigadxs, assustadxs do que nós com a intolerância que nos golpeia sem descanso.
Será que por estarmos submersos nesse processo de golpe e ditadura digital, estamos como as vacas a caminho do matadouro? Num pavor letárgico? Numa tácita aceitação, como se fosse inevitável vivermos agora um longo período de mórbida mordaça?
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Ok, seguimos em plena produção, cada qual com seus espetáculos, shows, filmes, exposições... Estamos firmes, criando. Olha a tua timeline e vê que hoje a noite, vários colegas estarão firmes em shows e estreias.
Todos eles correm o risco de aparecer horas depois apontados pelo dedo tecnológico do "boicote", uma expressão que falamos mais ao longo dos dias do que verbalizamos palavras como "amor" ou "pão".
Qualquer um pode ser o próximo a ser escrachado, abusado porque alguém viu uma entrelinha em sua obra que poderia denunciar um desvio de caráter. Aliás, todos já estamos com medo a cada opinião, a cada defesa da livre expressão. Ainda não me esqueci do rapaz de SP, que possivelmente nunca entrou num museu, a me chamar de vagabunda na página do Santander Cultural. As ofensas que vieram a seguir em caixa alta, aos berros, não li. Preferi respirar mais ao ver nomes de vários amigos a cada notificação, imaginei que haveriam várias pessoas assinando embaixo do meu ponto de vista e isto já me tranquilizou um pouco.
Mas se sucedeu uma avalanche revoltada comigo após minha avaliação na página. Lembro a cada um desses episódios sofridos por colegas, que em 2003 tive um surto de pânico após sérios ataques virtuais sucessivos e fiquei um ano sem coragem para trabalhar. Sim, não é de hoje que começamos a forjar este momento covarde. Há quanto tempo estamos sendo assediados pelo ódio muitas vezes sem rosto em nossos blogs e timelines?
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Bem, minha pergunta é sobre o que vamos fazer? Vocês sabem que vereadores de São Paulo entraram com pedido de "investigação" sobre os artistas e obras? Sabem que o político, falso líder religioso acusado de estupro, Feliciano, já está "inspecionando" os artistas da exposição?
Ficam várias perguntas:
O Santander Cultural tem consciência de que, ao ceder e encerrar a exposição com aquela carta pública, abriu um rasgo num limite e que por esse podem escapar fantasmas que comem cérebros?
A discussão que segue, com o curador da Queermuseu e outros artistas basta, sendo que está mais uma vez limitada a um público de arte e artistas?
Como faremos para debater mais amplamente, com a sociedade, os perigos da censura?
Um beijo.
biAhweRTher

terça-feira, 5 de setembro de 2017

TODAS AS ACADIMIAS DO MUNDO.

Eramos adolescentes, revoltados com a faculdade, debochávamos dos colegas riquinhos e fazíamos fanzines. As academias de puxação de ferro também nos pareciam uma ovação à futilidade.
Em resumo, a gente era do contra, tanto que fizemos uma banda que se chamava, por deboche, Academias Chiquérrimas.
A mim, parecia que toda a academia, fosse pra cabeça ou pro bíceps, guardava as mulheres num abatedouro.
Mais de 20 anos se passaram. A meu ver, poucas mudanças.
É noite e assisto uma entrevista, no programa "Conversa com Bial", com a Secretária Executiva da Academia Brasileira de Letras, que lá trabalha desde 1966. Mais de meio século...
Sobre mulheres e academias, segundo ela, houve muita resistência dos imortais quando nomes de mulheres passaram a ser cogitados para vestir o fardão. Relata que a esmagadora maioria dos homens não queria nem pensar em mulheres na casa (até hoje são ao todo 7 manas entre as centenas de acadêmicos em 120 anos).
Curiosamente, a senhora, muito simpática, conta alegre da marcante passagem em que uma mulher visitou a casa para tomar chá com os grandes homens das letras.
Leila Diniz, quando estrelou "Todas as Mulheres do Mundo" tornou-se objeto de desejo de todos os senhores da cultura, da TV, do cinema, das praias... então foi convidada especial para ornar um dia inesquecível na ABL. Um dia ricamente registrado em fotos.
Os imortais, colocaram seus babadores e fardões e a receberam para uma tarde na Acadimia de Cuidadores da Língua.
Hoje, na entrevista, quase 50 anos passados, a secretária da academia, folheava para a câmera uma revista da casa. Páginas e páginas de senhores pertinho dela, babando, abraçando, sorrindo, fazendo gracinhas ao pé do ouvido de Leila Diniz, que era uma mulher tão foda, mas ali nos retratos parecia tão infantilizada...
A secretária teria feito de propósito tal paralelo? Não... claro que não.
Mas o fato é que da entrevista se compreende que mulheres escritoras eles não queriam, a opinião de Leila sobre literatura não devia ser tão importante.
O que a casa queria, ao que parece, era colocar os dedos, os narizes e os olhos sobre o objeto que aparecia de lingerie na tela de cinema.
E as Academias Chiquérrimas?
Era só uma banda juvenil no underground dos anos 90 onde eu era vocalista, baixista e tecladista e tinha que ser meio Leila Diniz, meio foda, muito punk porque os garotos eram todos uns machistas e queriam que eu fosse só uma xícara de chá no meio do palco.
Ricas ou não, famosas ou não, velhas ou não, importantes ou não, fardadas ou não, parece que assim são todas as acadimias do mundo.
Um beijo.
biAhweRTher