terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O segredo está na curiosidade.

Ando preocupada com o ódio de algumas pessoas que estão beirando, ou já passaram dos 40, em relação aos mais novos.
Comecei cedo a dar oficinas de cinema desconstrução, vídeo instalação e fazendo mostra, palestra pelo Brasil todo e sempre havia essa relação com gente bem novinha no meio dos alunos ou platéia.
Encontro gente da mesma idade ou mais velha no papel de aprendizes, claro. Eu mesma sou sempre uma aprendiz.
Mas a maioria é de pessoas mais novas e com elas eu aprendo e me melhoro. Não é rara a vez que os acompanho e vejo se tornarem profissionais fantásticos em poucos anos.
Gente que tinha 15 anos e fez uma oficina comigo, 10 anos depois, premiada, qualificada. Me dá essa impressão de que um pedacinho daquilo tem a ver com algo que mostrei de novo em um pequeno momento de suas vidas.
Nunca sentiria coragem de competir com elxs, somente festejá-los e desejar que lembrem de mim e continuem gostando do meu trabalho, hoje como colega.
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Até hoje é uma emoção lembrar de alunos muito novos ou cineastas ainda estudantes que eu pude ajudar a abrindo janela para o público através do FLõ e outros projetos que dirijo.
lsso sem falar nas inúmeras bandas, escritores e artistas visuais que vou encontrando pelo caminho.
No FLõ 2017, pude montar exposição de uma artista que eu conheci em Natal, quando ela tinha uns 18 anos, em 2008, numa semana em que fui como convidada para elaborar um evento em uma semana acadêmica na UFRN.
Hoje ela mora em Madrid, já fez mestrado e é exatamente o que percebi que ela seria assim que trouxe sua primeira ideia para o trabalho que desenvolvemos naquela semana.
Então eu penso, como alguém pode invejar o brilho jovem de outra pessoa ao invés de não deixar seu próprio brilho se perder com sentimentos tolos?
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O segredo está na curiosidade.
Esse ano, dei um tempo nas férias, dia 25 de janeiro pra produzir um sarau em Porto Alegre onde a adesão foi de uma maioria mais jovem. Haviam poucas pessoas da minha idade pois muitos preferiram ficar na internet xingando Pablo Vittar e outrxs garotxs.
Quando li meu texto no sarau, notei uma maioria de olhos e ouvidos bem mais novos que os meus e havia neles vontade de conhecer um outro olhar, uma outra voz.
Das pessoas mais jovens a gente ganha a vontade que só perde quem se aparta da alma. E quando você se isola de quem está continuando o que você quis aos 20 anos, você fecha a porta para dar a sua parte.
Qual a minha parte, sendo mais velha?
Mostrar que é possível, que é preciso ter coragem, que temos que vencer o medo e que ligar o foda-se é muito importante.
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Se você não trabalha com criação, imagina o tempo que você perde andando pela internet a comentar com ódio, desdém e inveja jovens artistas apenas porque você não gosta do trabalho deles.
Não gostar é um direito, mas desejar que a pessoa desapareça, se sinta menor, se perceba perseguida e odiada é muito preocupante.
Você pode usar o mesmo tempo procurando seus pares, gente que você não sabe que existe e faz músicas, filmes, textos, pinturas que agradam seu gosto; que retratam melhor enquanto expressão de arte o seu modo de ver a vida.
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Se você é jornalista, imagina o tempo que está perdendo ao escrever crônicas e crônicas contra jovens músicos que não tocam guitarra, quando você poderia usar seu espaço como vitrine para quem toca, já que você acha que um mundo sem guitarra, um mundo com surdos e atabaques; um mundo com menos guitarras, mas também com beatbox; um mundo numa fase com menos guitarras e mais samplers, é horroroso (talvez para muitos não seja e você terá que respeitar).
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Tenho 20 anos de carreira, então me sentiria envergonhada por escrever textos de ódio dirigidos a um artista de 20 anos que precisa mais do meu incentivo do que da minha inveja.
Um jovem está crescendo e aprendendo, assim como nós estamos crescendo e aprendendo, pois a gente aprende a ser gente até o derradeiro segundo nesse lado da vida.
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Sim, as pessoas mais jovens estão erradas quando demonstram preconceito com os mais velhos, mas isso se dá porque pessoas mais velhas lhes dão o exemplo dessa divisão da humanidade em gavetas que só servem para um antropofágico mercado de gente.
Mais novo, mais branco, mais rico, mais roqueiro, mais isso, mais aquilo, mais homem, mais foda...
Nenhuma diferença vale se não for pra nos melhorar.
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Por isso, amores, vocês que passam o dia repetindo que no "seu tempo era melhor", quero apenas lembra-los que o seu tempo é AGORA e que há um mundo cheio de surpresas ao nosso redor.
Quando algo te parece estranho, ainda que não goste, dê vivas ao invés de rosnar, pois se há tanto que ainda não conhece nem entende é porque sua vida não ficou parada "naquele tempo" em que você era um adolescente sábio e, enquanto fumava um baseado e lia Watchmen, e descobria empolgado que
"o tempo não existe".

Um beijo
biAhweRTher