sábado, 29 de julho de 2017

SABÁ.

Antes de meu pai morrer, havia uma tradição nos sábados, quando eu não estava viajando ou trabalhando. Era almoçar com meu filho e depois entrar no carro e ir pra zona sul, na casa dos meus pais, escutar as histórias de família que ele contava. Gravei muitas, cheguei a colocar uma em um de meus filmes.
Depois minha vida mudou muito e agora, aqui em casa nos sábados bonitos as coisas tem um sabor mais silencioso. Um pouco como energizar-se para escrever as próprias histórias e reconhecer-se nas já escritas pelos antepassados.
Cuidar da casa, do conhecimento e do corpo é o que eu faço.
É curioso pois na verdade eu apenas voltei a ter sábados parecidos com os dos meus 18 anos. Entre fazer limpeza de pele e do quarto e adubar as plantinhas, gosto de ler biografias e assistir filmes sobre ídolos (hoje vou assistir um filme sobre Jeff Buckley).
Não sei quanto a vocês, mas as biografias fazem a gente pensar sobre nossas histórias pessoais. Humanizam nossos exemplos e de algum modo nos remetem à vida real. Rir e chorar com as misérias inevitáveis de grandes pessoas nos faz eliminar as ilusões sobre uns serem mais ou menos que outros.
Assim, antes de cair a noite, nos sábados, penso em como eu quero ser útil e nem melhor nem pior que os outros.
Pensar na responsabilidade de estar viva é como quando eu era criança e eu queimava as folhas secas na chácara e a fumaça ardia nos olhos até que algum adulto vinha gritando pra eu não brincar com fogo.
As pessoas vaidosas como eu deveriam aproveitar-se do espelho pra entender o quanto as histórias humanas individuais podem ser todas muito parecidas.
Na minha geração, crescemos dentro de centros de compras. Foi algo que se deu, não tivemos opção, uma voz acima de nossas cabeças indicava escadas rolantes, vitrines e portas de vidro. Talvez por isso a maioria de nós anda acreditando que crescer é ser melhor, mais bonito e mais jovem que os demais.
Porém, se a gente se aquieta algumas horas e pensamos sobre o que herdamos e o que deixaremos como herança, talvez seja possível ver que há pessoas mais novas aprendendo com a gente e não são os ensinamentos infantilizados e inseguros sobre uma eterna juventude que precisamos deixar.
Penso que, como adultos, temos o poder de mudar uma cultura inteira, coisa que crianças, adolescentes e idosos não tem.
Gente adulta, que toma as decisões nas famílias pode dizer que agora tudo vai mudar e o espelho de vidro pouco importa quando espelhos são a nossa função como elo e filtro entre gerações anteriores e posteriores. Não é pouca responsabilidade!
Não quero daqui há 30 anos ter ensinado sobre como e onde comprar coisas.
Daqui há 30 anos eu quero ter ensinado pessoas a me verem como igual, sendo eu mais velha e verem como iguais todos os seres que respiram ao nosso redor.
Mesmo eu gostando de me olhar no espelho e me sentir bonita com os meus cabelos molhados e negros, quero não esquecer de mergulhar nos meus olhos e ver neles mais do que a minha vaidade, mas as minhas vergonhas, as coisas que preciso mudar e os medos que preciso superar. E tentar entender o que viveu, pensou e me deixou a minha vó, de quem herdei a beleza dos meus cabelos e olhos negros. Ser o que somos, fomos e seremos ao invés de tentar burlar o tempo e ofuscar minhas semelhanças como quem queima as memórias no fundo do pátio.
Na verdade, ando percebendo que a marca da minha geração não deveria ser a necessidade de beleza e eterna juventude; posses e competição; trancas eletrônicas e terceiras pessoas.
Minha conclusão é que nossa função como adultos é muito simples. Não temos que provar que hoje em dia todos são jovens, não temos que provar que a nossa é a era digital nem que somos uma geração gourmetizada na mesa, na cama, nas férias, no sábado, no instagram.
Nada disso. A única coisa que precisamos alcançar e deixar para os mais novos é o equilíbrio. Acho que é isto o que nos cabe nesta nossa vez de tatuar alguma
coisa no tempo. O ... e q u i l i b r i o ...
A harmonia que virá apenas através do nosso conhecimento, perdas, vitórias, vergonhas e orgulhos pessoais e únicos. Sem tutorial, sem fórmula, sem dica, sem palestra, sem nada que se compre com o cartão de crédito.
Um beijo
biAhweRTher

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