terça-feira, 1 de abril de 2014

Borboletas no Estômago



A noite cai cedo no outono e isso muda tudo, não caibo em mim, me sufoco em idéias, me escondo aqui inventando, produzindo, ansiosa. Trabalho nas madrugadas, acordo ao meio dia...

De tempos em tempos não consigo respirar, então entendo que é o momento de organizar. Mas isso dura pouco. É outono, época de deixar um trabalho pela metade e ir pro outro computador, não sair do ateliê nem pra pegar um café. Música pra inspirar? Não, agora vou resolver um áudio para a vídeo arte de apresentação do novo portfólio Cler.i.Cot... Essa sou eu, 5 da tarde, pó de guaraná e camisola.

Abro uma pequena fresta da janela, lindas nuvens cinzas, brisa fresca, preciso tirar do armário minhas cortinas transparentes pra que dancem com o vento. Mas que saudade insuportável do por do sol as 9 da noite no verão! Que vontade de tudo ao mesmo tempo.
É assim mesmo - consigo respirar de novo -, os outonos são uma revolução interna.

Retorno ao meu esconderijo e fico pensando bobagens. Morrem pessoas, nascem outras, morro uma, nasço outra. Comecei o ano com alguns desejos que já esqueci. Me deixo levar, me apaixono, sou de leão. Cada novo trabalho tem suas próprias vontades. Porém, como faço sempre muitos trabalhos ao mesmo tempo... sim, eu sou uma esquizofrênica. Há vários anos escrevi a respeito num blog antigo que perdi e devia andar por aí, no universo paralelo esperando pra me voltar agora. Mas né... quem diz que devo ser apenas uma? Uma.

Sabe, há um projeto que criei e fiz acontecer por anos e foi muito importante na minha vida. Me levou pra outras cidades e outros idiomas, me aproximou de ídolos, me ensinou sobre poder, me mostrou o céu e o inferno, amigos eternos, pessoas maravilhosas, outras sem escrúpulos, inveja, risos, dança e lágrimas. Sem mais nem menos, pra surpresa de todos, parei com ele por uns anos. Nem comentava, como se não existisse. Tirei o site e tudo o mais do ar. Silêncio. Até que nesse ano ele voltou e me disse: - Vamos?
É disso que falo quando asseguro que cada trabalho tem sua própria personalidade, ego, manias, vícios.
Alguns, como o recente "A Goldfish" (ainda bem jovem), querem ser discretos, mansos, pequenos, dulces, nuvem, outonos. Outros são exibicionistas, problemáticos, explosivos, descontrolados, dominadores, insuportáveis sóis de meio dia no verão mais cálido.

Então é isso que sou e faço?
Sim, trabalhos que não servem oficialmente pra nada. Não há hora, dia ou ano pra iniciá-los e podem nunca ter um fim. Não salvam vidas, não constroem casas, não resolvem a falta de água no planeta. São apenas antenas, códigos e mensagens sobre o olhar de alguém que nada é e não soube fazer algo mais útil na vida do que interpretar o que vê através de fotos, filmes, música, sons guturais, sexo, gestos, efemeridades, vocábulos, nadas.

Voltando ao meu plano adormecido que voltou esse ano. Ontem tive uma reunião a noite no Centro (onde me sinto uma turista tonta achando tudo digno de um filme) e lembrei como é o trabalho com esse projeto que se me apareceu do nada, após hibernar por uns 4 anos. Torná-lo real é sentar em gabinetes, fazer orçamentos, liderar equipes, expor-se, falar no telefone sobre cronogramas com voz de gente chata, ficar íntima de aeroportos... Ai, que quase desisto, mas ele é mais forte que eu. Ele é uma multidão, esse projeto que tem alma de revolução e quando homenageados davam entrevistas a seu respeito, falavam como se fosse um ser vivo, uma pessoa cheia de certezas. Me orgulhava.

Mas tenho os pequenos planos, aqueles como voltar a ter um blog sem me preocupar se alguém lê meu diário que não é diário. Assim, comecei a escrever esse post numa crise de ansiedade e agora já me sinto leve como quando era pequena, descansando no alto da minha figueira gigante por tardes inteiras, escutando cigarras e inventando a minha vida. O Transtorno de Ansiedade Generalizada acho que vem desde aqueles tempos, por isso meu mundo é a copa de uma imensa árvore, ou um porão cheio de livros ou uma plantação de flores onde posso deitar, oculta por cores e perfumes a decifrar desenhos nas nuvens.

Vai ser difícil esse ano de editais porque significam desengavetar projetos maiores, mais gente, mais rua, mais olhares ferinos, mais exposição e a coisa que mais considero doentia: a competição. Meus inimigos gostam muito de usar contra mim o fato de eu ter medo de gente. De fato, é uma carta na manga nesse jogo de viver e tentar convencer que arte não é maquiagem. Na verdade, sempre tive colegas e até professores que me odiaram desde o primeiro minuto apenas porque nunca tive qualquer problema em me apresentar como uma artista e dizer com naturalidade que o que eu faço pra viver é arte. Curiosamente, isso incomoda muita gente. Se você disser que é bancário, economista ou dentista, todo mundo achará normal. Mas se diz que é artista... Eu já deveria ter feito um filme com as múltiplas reações que vão do deboche ao ar de dúvida, sempre passando pelo: "que chique!"
Sim, sofro de certos medos, mas a minha opção por trabalhar com arte me livra dos temores. Inventar coisas, deixar que elas tomem forma, que me tirem o sono e a fome, que fiquem tão vivas em mim a ponto de me roubar a razão. Essa é a minha escolha. Dizem que não se deve deixar levar pelo coração. Ah, vá!

E sobre esse papo todo as respeito de dúvidas, conceitos, motivos, paixão, desejos e necessidades,
mais uma vez tranquei minha matrícula no Istituto de Artes. Mas isso, de eu ver a academia como uma âncora, como um redondo não, como uma água de poço, como se eu fosse um salmão correndo contra as corredeiras rasas, desafiando os ursos para conseguir procriar.... Isso merece ainda muita observação, crítica e auto-crítica.

Assim, na superfície, achei inteligente essa opção de trancar o curso porque estaria hoje em meio a 8 créditos de aprender o básico de um determinado programa deixando parados aqui no estúdio inúmeros projetos de arte já reconhecidos onde utilizo, entre vários, esse mesmo software por motivos absolutamente conceituais. Sei lá, me senti numa aula de jogar Atari quando tenho um 3DS em casa... meio isso. E olha que eu gosto de misturar as tecnologias e no resumo prefiro mesmo o Atari, o Super 8 e uma Pinhole. Só que questiono regras, cartilhas, não poder falar em aula. Não gosto quando temos que fingir que não sabemos as coisas e alguns dizem: "Puxa, que interessante isso, fessor!". Prefiro aprofundar já  de cara e quem não entendeu que acelere o passo. Inclusive eu, claro, que muitas vezes me distraio. Queria um curso que nos enchesse de dúvidas e não nos quisesse quietos, sentados a entender as regras para sermos aceitos. Não acredito em artistas bem comportados e alunos nota 10.

Por tamanho desconforto, em tese, me pareceu melhor trancar o curso porque poderei fazer 4 viagens importantes nesse semestre. Vou a BsAs, Montevideo, SP e Rio e isso será fundamental pra todos os projetos continuados, iniciados ou finalizados nesse ano.
Mas não é só isso. Minhas dificuldades com os métodos, sistemas, relações no curso de artes que escolhi e tanto quis, são um assunto bem mais profundo e não sei com quem levar. Por enquanto, não encontrei qualquer eco. Sinto-me só nessa mania de achar que não se ensina, antes instiga-se alguém a ser artista; que um curso é uma porta e não a boca estreita de um funil; que nunca uma obra pode se resumir a um tema de casa; que não se cria artistas em série, feito arremedos; que não se pode dar nota para um artista em formação e que a redoma das academias é fina demais para se pretender intocada; que não se faz arte quando a maioria cala, não questiona, apenas decora e o ambiente está com preguiça de discussão.

Então, por hora, quero apenas ser feliz e flutuar no meu ateliê ao longo desse ano de Copa do Mundo, quando as oportunidades para os produtores independentes de cultura andam magras, então os caminhos levam aos editais (odeio!), questionamentos, viagens, coragem e uma explosão interna, profusão de desejos, chuvas, sóis, noites e dias, tudo ao mesmo tempo. Agora!

Gentilezas \o/


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