sexta-feira, 29 de agosto de 2014

MOSCAS VOLANTES 25

NOVO episódio da saga de Rita, aquela que sofre de moscas volantes.
Publico aqui, mas pra acompanhar, segue a página :)
http://biahwerther.blogspot.com.br/p/moscas-volantes.html

MOSCAS VOLANTES 25

Tarde morna.
Rita está preocupada com o menino cego vegetariano, que ficou esquecido na floresta.

Hoje saio a sua procura, pensa ela arrependida. Sem demora, junta seus apetrechos. Cantil, maçãs, um livro do Ernesto Sabato, o diário, canivete, lanterna e saco de dormir. Bate a porta e sai decidida, segue para o Morro da Gloria, caminhos estreitos, final dos caminhos, mata fechada.

De repente, a clareira. Ela para cansada, senta em uma grande pedra no meio do nada e se distrai com os pássaros. O sol poente encarando Rita. Um vulto se aproxima.
- Oi Rita!
É ele, o ex-marido que gostava de bifes e Rita assassinou quando moravam no bairro Partenon.
- Te matei?, ela pergunta.
- Não completamente, pelo que vejo.
- Quanto tempo faz?
Ele gargalha debochado:
- Tempo? Tu nunca soubeste nada sobre isso.
- Sei sim... Quantas vezes contei os dias? Quantas vezes contei os minutos? Quantas vezes senti a maior felicidade de todas, ao escutar a chave na porta ou a campainha e eu sabia quem era ali do outro lado, quase colado e em um segundo te veria, teus olhos, finalmente sentir teu abraço?
- Nunca fui de abraços, Rita!

Rita fala, fala, aumenta o tom.
- E quantas vezes te esperei e não vieste? Quanto aguardei, tanto me enganei...

Ele ronrona como um gato, acende um cigarro:
- A tua matemática é a das loucas.
- Na nossa aritmética, mais vezes sofri do que fui feliz na eterna espera que foi nossa vida e a tua morte.
- Meu assassinato, queres dizer? Tu me cortaste à faca, sua bandida!
- Mais vezes chorei sozinha do que te senti dentro de mim. Mais vezes humilhada do que amada. Menos carinho, mais raiva.
- Era isto que eu achava ridículo em ti. A dramaticidade do século passado. Pensei que tinhas mudado.

Pausa.
Rita se acalma, olha a grama, acompanha as formigas.

- Sabes, é meu quarto dia aqui na floresta, procurando o menino cego vegetariano. Que venha logo o quinto dia, o sexto, o sétimo, o centésimo, o milésimo... até que eu esqueça a dor e o amor. Que venha o tempo e leve tudo o que tenho de ti na minha pele, tuas meias da gaveta, a camisa que te dei, o perfume, papéis esquecidos, tua xícara de café com um cachorrinho preto pintado nela...

- Falas como se o passado fosse hoje. Quase sinto pena. Pra ser sincero, nunca gostei do teu café. Muito forte!

- Que o tempo se encarregue das marcas, te carregue de dentro do meu coração. Dias passem voando, meses, anos, até que eu não lembre a maciez dos teus lábios, o cheiro dos teus cabelos, o tom da tua voz, o calor da tua mão, som do riso, teu corpo dormindo no meu, calor...
- Calor, balbucia ele.
- Até o dia em que eu não lembre do formato dos teus dentes, das mordidas, os defeitos, o perfeito, o teu rosto, o teu nome.

- Qual é o meu nome, Rita? Acaso sabes o meu nome?!
- É isto de dizer adeus soletrando, separando as sílabas, aceitando aos poucos. Esta é uma triste história sem fim, a dor que vira pedra e a gente tem que lapidar. Teu nome é Adeus. Vai te foder, eu tenho mais o que fazer!

Rita se recosta toda torta, deitada no desconforto da pedra gelada na clareira, a lua alta, um morcego sobrevoa seu corpo, ela adormece.

Pela manhã, dói tudo, Rita não consegue se mover. Mexe apenas os olhos, da esquerda para a direita, diverte-se com suas moscas volantes, velhas amigas da retina.

Esquecida do que foi fazer na floresta, Rita espera o sol quente do meio dia, levanta-se alquebrada da pedra e atravessa a clareira, começa o caminho de volta.

- Preciso chegar em casa antes do anoitecer.

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