domingo, 24 de maio de 2015

Goldfish 3

Tenho diários de todos os tempos da minha vida, muitos são gravações em áudio ou vídeo. Entre livrinhos de garota fechados com pequenos cadeados, há caixinhas  bonitas com coisinhas, embalagens, pétalas, bilhetes de viagem, tickets de shows, cartões, corações... que medo disto!
Resolvi queimar todos porque acho meio pesado ficar com passados aprisionados em fundos de armários.
Antes de rasgar as páginas, passo os olhos nesse ou naquele desabafo. De fato, sou a pessoa mais esquecida que conheço, se é que me conheço. Não lembro de pessoas que amei, de gente que me magoou, de telefonemas, nomes, festas, prêmios, desejos, esperanças, tolices, viagens, ingenuidades e decepções.
Lembro de sensações boas em centenas de lugares, vento, a fumacinha que sai da boca no inverno indo pra escola, natureza, avenidas, hotéis, cheiros, águas correntes, cantos de pássaros, sons do mar, cheiro de fogueira, fumaça nos olhos, o acordar e sair pela neblina diante de uma cachoeira, o gosto do sangue num mergulho em que dei de cara numa pedra, uma nota musical... coisas que não precisam de um diário pra que me lembre....
Mas tudo se mistura e fica mesmo uma estrela que está sempre no mesmo lugar, perto da lua no cair da tarde, me olhando em qualquer tempo ou espaço. Sempre as estrelas, a via láctea, as três marias e o cruzeiro do sul no natal na casa de infância, no céu de alguma praia...
Quanto a pessoas, não sei de nada sobre o meu passado porque esqueço seus nomes e rostos e as vozes e as declarações, gostos, gestos e motivos.
Lembro das minhas pernas, as pernas.
Nesta faxina, lendo uma frase ou outra, triste ou feliz, meio tola citando nomes   em situações que desconheço, entendi tudo e evito invadir-me.
Se não me é íntimo o momento, não sinto qualquer curiosidade de saber dos desfechos pois aquela é outra e não me sinto bem em ler o diário de outra pessoa, aquela eu que ficou no tempo  em lugares onde nunca mais pisarei ou se pisar também serão outros assim como eu.
O que se vive, penso, não morre mas não precisa ser lembrado, comentado.
Que fique incólume em seu momento nunca mais possível. Sentimentos e segredos mais íntimos, fiquem em seu estado pra sempre, a ocupar a sua dimensão.  Não acho justo devassar a vida de outras meninas e mulheres que fui ou serei.

Como imaginava, meu nome é presente. O passado é de outra, o futuro não me interessa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário