terça-feira, 6 de junho de 2017

PSEUDO ARROZ E PORTA RETRATOS

Há alguns dias,
uma professora de Educação Física, em Curitiba, percebendo que os seus alunos eram agressivos demais e humilhavam os menos fortes fisicamente, pesquisou um método para ajuda-los a repensarem suas atitudes.
Ela apresentou uma dinâmica com dois potes cheios de grãos de arroz para incentivar as crianças a pensarem nos danos causados pelas palavras de ódio entre si. Ao gritarem palavras de incentivo a um pote, o arroz ficava branquinho; ao dizerem impropérios ao outro, o arroz ganhava bolor.
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Ela poderia ter usado outra mágica, como um conto de fadas, mas preferiu a interatividade.
Não deu outra. Surgiram alguns certos de que ela tem um dom divino e outros muito revoltados.
Parte da internet gritava que a educadora estaria fazendo pseudo ciência e surgiu quem pedisse punição e "intervenção" da Secretaria de Educação, pois haveria uma fuga de conteúdos científicos, dos programas, temas que deveriam ser rigidamente definidos para serem tratados em aula. Pior, parece que ela tirou os alunos da sala e os levou para um ambiente mais ensolarado.
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Apesar de as matérias deixarem claro que se tratava de uma professora de Educação Física, li uma senhora preocupada sobre o que deseria um professor que leva alunos para o pátio, para algum parque, para longe do ambiente tradicional de aula para lhes incutir pseudociência?
Curioso é que a professora não falou em Deus, não pregou alguma religião. Ao que se sabe, ela quis aliar humanidade às rotinas. Era só uma aula alertando contra os males do bullying que, já no meu tempo, quando eu era atleta na escola, rolava muito pesado nas aulas de Educação Física por motivos óbvios, é onde se destacam as lindas e fortes.
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Entre os revoltados, muitos se apresentam orgulhosos estudantes de Direito ou Medicina e, portanto, sabem o que dizem. Adorei ver que as pessoas médias, no país, ainda sonham que Médicos, Engenheiros e Advogados estão acima dos demais. E achei lindo ver pessoas que, embora acadêmicas, claramente não tiveram muitos exercícios lógicos, argumentativos; nem uma mera dissertação básica nos tempos de escola. Sequer uma aulinha de pensamento, filosofia, matemática das ideias....
Essa notícia me lembrou que estamos querendo a todo o custo eliminar as disciplinas humanas das escolas e que universidades caça niqueis, vendedoras de diplomas estão chovendo aos montes no país com programas mais "enxutos".
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Lembrei ainda que fomos criados correndo atrás de canudos em branco e que os mais dignos de orgulho nas famílias são os que preferem ter um diploma em uma péssima faculdade propagandeada no camburão do Huck do que ter uma profissão - "superior" ou não - que os satisfaça intimamente (há postos técnicos carentes de profissionais no país, então muitas empresas buscam profissionais no exterior).
Lembrei ainda dessa notícia sobre os jovens de classe alta de ensino médio de duas escolas em Porto Alegre, que promovem festas onde se fantasiam de trabalhadores sem canudo, considerados como pessoas que não deram certo.
Mas se o trabalho que faz a base da sociedade onde vivem os príncipes e princesas é "sub profissão", o arroz bolorento da professorinha de Curitiba não é o suprassumo da verdade, o resumo mais fiel da sociedade brasileira?
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O pseudo ensino, no Brasil, é uma bagunça que começa anos antes, na pseudo família.
 Pessoalmente, frequentei 3 faculdades em 3 grandes universidades diferentes em períodos diferentes. Era sempre igual. Noventa por cento dos estudantes não quer pensar a instituição como um espaço social do qual faz parte ativa e não passiva; logo, ao passar por ele, você tem que criticá-lo, vivenciá-lo e deixá-lo diferente e melhor para os próximos, de modo que seja garantida uma continuidade evolutiva.
Nah! Tudo é sempre bobinho. Entre decorar textos ou fazer copy past do google, colar nas provas, fumar um baseado, ser o mais bem vestido ou o mais revolucionário de ocasião... a maioria escolhe alienar-se, aguentar o que for ruim, não olhar para os lados, fazer ou copiar os trabalhos, pegar logo o diploma e correr para o porta retratos.
É possível que boa parte dos universitários do país esteja com o pavio curto porque estuda o que não gosta ou faz o que gosta mas tem que enfrentar brigas com as pessoas que pagam seus estudos.
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Acho interessante pensar nesse ingênuo episódio da professorinha e os potes de arroz pra ver o quanto estamos afundando pra além do fundo do poço como sociedade.
E mais interessante ainda é pensar que, diante dessa caça aos diplomas, qualquer um que ame sua profissão precisa tomar muito cuidado na nova velha sociedade que o Brasil reinventou.
Só que, talvez, os professores precisem tomar mais cuidado ainda.
Mais do que jornalistas de fato, artistas críticos ou policiais honestos, talvez os professores sejam os profissionais mais oprimidos entre Religião e Ciência - onde uma pode ser a outra.
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Há outros pensamentos, claro. Em meio à intolerância, a ciência e a religião começam a convergir, identificar elos em seus buracos negros.
Será que o Brasil agora é uma país fundamentalista?
Não sei, só sei que eu não aguentaria lecionar para crianças e jovens neste nosso momento. Na minha memória de criança, criar estratégias para que seus alunos se humanizassem ou se interessassem pelos conteúdos, fazia um professor se destacar positivamente diante da maioria das famílias, escolas e estudantes. Esses foram os professores que a gente trouxe pela vida, nunca os que nos humilhavam ou incentivavam atos de preconceitos. Hoje, incentivar que alunos de classe média sintam vergonha de prováveis familiares sem diploma é motivo de festa; criar modos de despertar nos alunos um olhar menos bolorento e mais igual, já pode ser motivo de apedrejamento.
Um beijo.
biAhweRTher

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