sexta-feira, 7 de março de 2014

Dia internacional de cortar o dedo.

Eu tenho um filho homem. Mas homem sou também, todos somos, assim como todos somos mulheres e isso é fundamental.

Quando ele era pequeno tivemos todas as experiências de uma família jovem e livre dessas preocupações. Homens lavavam a louça, claro, hehe. Sempre me cuidaram tanto, como se eu fosse uma princesa. Contudo, eu era meio sapata mandando nos dois. Se é que me entende, quero dizer que seres que amam não tem um sexo definido.

A vida corria leve nos anos 90. Ninguém no meu mundo preocupava-se com gênero porque eramos todos de paz, filhos e netos de um senhor ateu, comunista que teve a sorte de estudar latim na infância e leu várias vezes a bíblia como quem lê filosofia, literatura e política.

Já no início do novo milênio, meu irmão mais novo se descobriu homossexual.
Meu pai tinha uma mania de chamar em separado cada um de nós para dar uma volta de carro e ter conversas secretas que nos faziam pensar que ele tinha um grande pacto com cada qual. Na noite em que o velávamos rimos muito descobrindo que, de fato, ele apenas nos enrolava, como quando minha mãe mandava ele nos dar um corretivo e ele se trancava no quarto e, geminiano, dava palmadas na cama pra fingir que nos dava tapas na bunda. Minha mãe fingia acreditar, pois a fodona mesmo era ela. Para ele eramos todos iguais, mas queria que cada um se sentisse especial. Aquele homem forte que lutava como uma fera para sustentar todos nós, era o mesmo que nas madrugadas antes de páscoa e natal, mesmo desacreditando dos santos, organizava nossos sonhos decorando ninhos e pacotes iguaizinhos pra não destruir nossas fantasias. Um homem mulher.

Foi nesse clima que ele saiu de carro com meu irmão e conversaram sobre sua opção de (não)gênero. Meu pai o abraçou, como abraçou minha irmã quando lá pelos 16 anos ela sumiu de casa por quase 3 dias e ficou numa comunidade de malucos que moravam numa casa toda pichada. A polícia procurando, a mãe chorando e meu pai vai buscá-la no tal coletivo. Ao invés de castigá-la ou arrancá-la daquele antro pelos cabelos, ele a abraçou, chorou e a levou pra casa, conversando baixinho sobre a vida e a liberdade. Foi assim que ele agiu com meu irmão homossexual.
Mas nem tudo são flores. Ele passou a preocupar-se imensamente com as perseguições aos gays. Lia notícias de jornais sobre jovens espancados, via matérias de tv sobre homossexuais sofridos. Meu irmão não aguentava mais meu pai ligando pro celular as duas da manhã preocupado em saber se estava tudo bem, quando ele estava apenas divertindo-se na Cidade Baixa como todos os jovens normais.

Essa é a minha família de um pai ateu que já morreu mas deixou tantos rebeldes soltos nesse mundo a defender o respeito ao indivíduo em nome de um coletivo saudável.

Sobre o dia da mulher, coisa que acho estapafúrdia mas sei que muitas organizações sérias aproveitam pra belas campanhas, tenho um relato bem atual, informal, pequeno.

Hoje meu filho me visitou pra me ajudar com umas coisas no ateliê. 
Em certo momento estávamos na cozinha. Eu fazia os sanduíches que ele mais gosta, pois como mãe que não faz o trivial todo o santo dia, sempre que alimento meu filho sinto como se a vida valesse a pena.
Minha cozinha é como da minha mãe, de conversês filosóficos
De repente, cortei um dedo como sempre e meu filho começou a me dar conselhos e refletir sobre minha mania de machucar o tempo todo as minhas mãos que são a minha principal ferramenta de sobrevivência.
Respondi a ele que isso se dá apenas porque mulheres fazem muitas coisas ao mesmo tempo e se distraem e trololó.
Eu lhe disse:
- Mas filhinho, embora as meninas que convives e namoras sejam da tua idade e muito jovens, com certeza já devem dar sinais do que é uma mulher. Nós fazemos muitas coisas ao mesmo tempo, pensamos mil assuntos no mesmo instante, é de nossa natureza. Por isso às vezes acabo me machucando.

Então ele me respondeu com ar de mestre capricorniano:
- Mãe, eu sou homem mas nisso sou tri mulher. Também tenho a mania de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Homens são mulheres também, mãe. Sei exatamente do que estás falando.

Para mim, mulher, e para as pessoas que me amam, o mundo é tudo e todos, assim como o corpo de cada alma humana tem todas as cores, sexos, todos os sabores e gerações. Pra nós, é assim que se salva um planeta. 

Defendo que não é um dia, é a eternidade.

Gentilezas \o/

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