quarta-feira, 5 de março de 2014

Jean Vigo e eu.

 biAh weRTher para Gesto Submerso. Self Portrait
Vivi um pequeno desconforto tentando publicar o texto de apresentação do meu projeto underwater, o Gesto Submerso  em seu novo site. É sempre assim comigo, quero tudo quente, nada acadêmico. Portanto, me deixo demorar a vontade e foda-se.
Mas precisava seguir atualizando o site do projeto, então hoje tomei coragem e mergulhei.
Sabem o que?
Descobri nas profundezas do passado que minha inspiração está numa cena de Jean Vigo!
São motivos complexos e emocionais, momentos de início de carreira a beber com amigos dissecando os surrealistas madrugadas a fio.

Quem me lê sabe que não escrevo críticas ou resenhas. Escrevo diários, relatos, memórias, ficções e desejos, portanto não vou aqui dar aula de Vigo, esse cara que me remete aos sentidos na intenção mais subjetiva. Mas afinal, se não for assim o mundo fica mudérno e chato.

Já organizei e programei cerca de 300 mostras aqui no Brasil e também em outros países, já fui convidada a debater outras dezenas e, por fazer parte de redes onde pensar os trabalhos é fundamental, em muitas ocasiões fui convidada também a escrever sobre esse cinema que habito e não está na tv ou no xópin.
É um processo de vida onde, direta ou indiretamente, vivo as décadas de 1930 e 60. Referências fundamentais.
Em tempo, apesar de amar o ambiente dos meus textos até o momento da publicação, costumo  nem mesmo ler novamente depois que se tornam públicos (pretendo superar a auto-crítica e postar nos repertórios do meu site novo).
Mas enfim, quem conhece meus textos sobre cinema por algum outro meio ou porque me segue, sabe que nunca faço críticas. Nunca escrevo aquela avaliação com começo meio e fim e impressões que pouco importam (com todo o respeito aos blogs de cinema, claro). Talvez porque os cinemas que faço e os cinemas que me inspiram não  tem esses formalismos explicativos ou porque tenho preguiça de análises óbvias.

E o Gesto?
É que os cineastas chatos, odiados pelos consumidores de cinema pipoca, os escritores malditos, os fotógrafos cabeça, os artistas insuportáveis, os músicos incompreensíveis são meus heróis. Todas as vezes que me encontro em processo criativo, eles tomam conta, feito orixás, sem que eu perceba e me ajudam a forjar conceitos e imagens, como se suas sombras, vocábulos e sinais fossem o mosaico que me formou como artista e mulher. Os gênios que me movem são como pais. Sinto-me íntima a ponto de almoçarmos juntos às cinco da tarde, como se viajassem comigo a discordar das minhas impressões acerca do vasto mundo. É como se abrissem o meu espumante de madrugada porque estou sempre com as mãos muito machucadas e me doem. E daí, esses meus ídolos ficam me observando bebericar e trabalhar no meu estúdio em dez projetos ao mesmo tempo. Eles estão em filmes, sonhos e recortes e também nas fotos que eu faço.
Isso são coisas da minha geração.
Quem da minha idade já não fez sessões Truffaut com os amigos, já não programou os surrealistas em mostras, já não os bebeu noites a fio?

Assim, descobri de onde tirei meu Gesto Submerso.

Exibimos L"Atalante, de Jean Vigo, pela primeira vez em 2001, na Mostra do Filme Livre, do Cinema8ito e do carioca "Incinerasta" no CCBB do Rio de Janeiro. Era um evento de uma semana que tinha dezenas de filmes livres, nossos e dos nossos heróis e oficina de cinema desconstrução. Momento fundamental pra muitos coletivos de cinema de todo o país. A MFL virou um festival incrível, levado pelo seu idealizador e é, a meu ver e depois que deixamos de fazer o Festival do Livre Olhar que era do mesmo naipe, o evento mais honesto e livre do cinema brasileiro.

Outro dia, assistindo novamente L'Atalante, percebi que esse filme nos inspirou duas vezes. A primeira quando fizemos uma música que se chamava Underwater, lá por 1996. Depois, muito mais diretamente, quando comecei em 2010 meu projeto underwater com câmera lomo e caixa estanque (agora estou em fase de câmera digital), o tal Gesto Submerso.

Vejam só como justificativas são tolices e conceitos não são sinônimo de início. No meu caso, os temas podem ser tão casuais que necessito discutir os trabalhos e dissecá-los ao invés de escrever resenhas sobre minhas referências. Há inclusive meras cenas que me inspiram, tão imensas suas almas. Por exemplo, certa sequencia do filme  Zorba the Greek que me levou a escrever um roteiro de curta ainda não filmado.

É por isso que discordo de quem não gosta de discutir e aprofundar-se, mas isso já é outra história.

E não vou aqui falar sobre Jean Vigo, porque seria tendenciosamente apaixonada e porque meu nome não é google. Um mínimo de curiosidade, por favor. Nem vou escrever textos duros e professorais sobre a obra prima L'Atalante, mas quero dar o link do momento do filme que me parece ter sido a inspiração do meu Gesto Submerso, não deixando de salientar que é um dos 50 filmes da minha vida. Sim, eu faço listas dos melhores isso e aquilo!


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