sábado, 5 de julho de 2014

Eu suponho, Tu supões, Ele supõe.



O problema não é apenas termos trocado os livros das estantes por lembrancinhas baratas dos pacotes rápidos de viagem. Porque desaprender coisas como ler e escrever não seria necessariamente um motivo pra perdermos o caráter e a empatia que eram ensinados em casa nos tempos idos, quando a maior parte da população só sabia escrever o nome.
Claro que ler ajudaria mas não sei se evitaria a malícia que as crianças estão decorando antes mesmo de ir pra escola. A maioria de nós abusa da desonestidade, da falta de educação e do ódio e assim treinamos quem nos cerca, Seja pobre, seja rico, seja a exibicionista classe média, seja marginal, o pai de família, a moça de bolsa de marca, a dona de casa evangélica, somos todos muito mal educados, não apenas ignorantes (são coisas diferentes).
Mais do que ignorância, a marca da moderna luta de classes é a falta do exercício da lógica e a falta de mais filosofia no café da manhã, no colégio, até na missa.
Nossos avós diriam que estamos esquecendo de usar a cabeça pra pensar antes de sairmos repetindo bobagem boca a fora.
Curtas frases ferinas estão na moda, tanto quanto os selfies de ladinho e ninguém para pra pensar que talvez não seja engraçadinho, mas apenas idiota.
Vejo vários raivosos latindo que é um absurdo os condenados do mensalão poderem trabalhar, sem acordarem para a verdade de que todos os condenados deveriam trabalhar!
A parte o signo de ódio que tomou conta dos emergentes (a vida empilhada em cidades consumistas causa mesmo a síndrome da raiva), o pior é a vazies das cabeças.
Vejamos: se você é a favor de cadeias viradas em depósitos humanos, se você é contra a reeducação, a ressocialização, se você entende o "castigo" como a solução para os dramas sociais do mundo, será que você não está apelando para a ignorância?
Será que é tão difícil pensar um tantinho mais e perceber que você está apenas sendo o elo para o ciclo de ódio? É tão difícil compreendermos que não somos vítimas, mas parte atuante? Não estamos num feudo, frágeis consumistas de bem pagando nossos impostos e esperando o milagre. Não se iluda! Somos tão responsáveis pelos erros e acertos quanto o assaltante, o milionário, o político, o vendedor de crack e é ridículo o discurso do homem de bem isento de responsabilidades apenas porque usa roupa limpa, engorda um patrão, faz suas orações e vai todos os dias no supermercado!
Numa sociedade corrupta, todos são corruptos de algum modo e basta pensar uns dois minutos pra entender esta obviedade.
E quando você chama de vagabundos os poucos indígenas que ainda não embranqueceram, você não está exigindo que todos se adaptem com naturalidade ao nosso sistema de jogo de poder e desigualdade como se nosso modo de vida, só porque somos maioria, fosse a única verdade?
E quando você acha que direitos humanos são sinônimo de defesa à marginalidade, você não está tentando preservar o desrespeito às leis conquistadas em nome de uma harmonia social?
E quando você acha que prostitutas, sem teto e drogados devem ser mantidos ocultos sob os tapetes para fingirmos que a sociedade está limpinha, você não está perpetuando uma sociedade podre e injusta como nos tempos das perucas com talco a esconder os piolhos?
E se você crê que é bonito alcançar o status de elite (tem gente que acha que isso é qualidade), você não está dando um tiro no pé já que pra existir a elite é preciso que existam oprimidos e revoltados ou você não teria como ser superior a alguém?
E quando você generaliza todos os sindicatos a uma reunião de vagabundos, você não assina o atestado mais retrógrado por desconhecer que ao longo de séculos trabalhadores morreram para que a escravidão fosse banida e para que leis trabalhistas lhe garantissem a segurança que tem hoje de poder pagar a prestação do seu apartamento no condomínio com vista para o outro condomínio?
Será que pensar, elaborar, fazer perguntas, procurar respostas e conhecimento antes de repetir bobagem não deveria ser um exercício desde que aprendemos a falar?
Você redige pessimamente seus perdigotos, pululando os dedinhos nas teclas do celular e tudo bem, é sua única diversão na praça de alimentação do xópin! Afinal, há muita gente sábia que tem cem anos, mal sabe escrever, mas sabe contar histórias vividas mais verídicas que as dos livros. Então, siga escrevendo garranchos digitais, mas ao menos pense antes. Quem sabe desabrocham poemas surrealistas de alma crítica e sátira.
O problema não é essa mania feiosa de adultos não saberem mais que existem vírgulas e, com isto, não conseguirem escrever algo que faça sentido. O que realmente faz mal ao mundo é o que acontece antes do escrever. O problema do nosso tempo é o que nós deixamos de pensar, cuidar, combinar as idéias, conversar, esquecidos de que, na verdade, raciocinar pode ser tão bom e libertador quanto tomar um banho de sal grosso. Quem pensa, no mínimo, se expõe menos ao ridículo de abrir a boca pra dizer besteira 
e espernear como criança na loja de brinquedos.

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