terça-feira, 21 de abril de 2015

Goldfish e a Mulher Gavetas

Goldfish e a Mulher Gavetas.

Goldfish e a Mulher Gavetas.

Estava aqui tentando voltar pra o meu projeto Goldfish e entender onde ele se mistura ou não com um outro que se chama Gavetas, um plano de quase música... Não consigo dividi-los, embora o primeiro seja de fotos e vídeo, objetos enterrados e figurinos e o segundo apenas de sons e vozes.
Mas quanto ao tema, não tenho como distingui-las, as duas atividades da memória, essas lembranças sobre gente que passou e nunca mais. Começo romântica mas como não sou saudosista ou porque minha vida não é fácil surge apenas um "ufa! sobrevivi mais um dia". Porque tudo é muito lindo, só que não é. Há muitos perigos, ameaças, humilhações que as meninas não machistas correm e vivências que elas vão levar consigo pro além, secretos guardados em gavetinhas da ínfima existência.
Solta sozinha na vida desde a adolescência, eu vi homens tirando máscaras e algumas delas escondiam mulheres que educam esses homens, todas nós.
Com seis anos eu vi um primeiro olhar de homem sobre mim. Eu era muito pequena, sempre fui, parecia sempre mais nova. Estava com um vestido lindo que eu amava e minha mãe costurou pra mim. Ia a pé pra o sítio de um amigo com uma moça que cuidava de mim. Meu amigo era o Nico e eles plantavam mares de flores onde nós dois brincávamos nas tardes de outono. A minha babá parou a conversar com um rapaz que estava em seu carro vermelho e no meio do papo ele me olhava e comentava que eu ficaria muito gostosa quando crescesse.  Eu só torcia pra sair logo da frente do olhar sinistro daquele jovem playboy.
Quando o primeiro homem me agrediu na rua eu tinha 13 anos, voltando da escola. Era quieta e tímida, adorava ler Garcia Marquez e Erico Veríssimo. Meus seios estavam crescendo, doíam as glândulas, era muito ruim. Ele era um senhor numa conversa animada com um amigo, passou por mim e com a mão enorme apertou-os e disse algo que prefiro esquecer. Me ajoelhei e solucei de dor, os dois se foram rindo muito. Talvez ele tivesse uma filha da minha idade, quem sabe... Isto é um homem, muito prazer.
Mais altos, mais fortes, com as vozes mais graves. Homens, quando resolvem ser o que lhes impõe a educação que trazem de casa, sobre sua superioridade e virilidade - seja lá o que isto quer dizer - podem ir da cordialidade criada nos laboratórios das fábricas de desodorante à frieza de um robô gigante que esmaga um passarinho e olha o líquido que escorre pelos seus dedos de lata. E não estou falando de jogos e DRs entre casais marionetes educados em tutoriais. Falo das profundezas nas nossas relações com irmãos, pais, filhos, maridos, entregadores de pizza, empregados, chefes, motoristas de táxi, porteiros, professores, vizinhos cretinos, médicos e senhores de bengala. Nada nunca está relax quando uma mulher e um homem estão a sós e ela leva no olhar um aviso de que ele não é nada mais naquele momento do que um irmão ou um pai ou um filho, um marido, um entregador de pizza.....
Aprendi que as mulheres que não escolheram ser o passarinho frágil sempre entre a gaiola segura e o esmagamento, passam a ser pisoteadas não por um robô social, mas por uma frente de batalha com quem não se dialoga, porque não há um líder a quem reportar-se mas apenas um milhão de máscaras, um baile de carnaval interminável através do tempo e do espaço. Uns mais estratégicos outros mais selvagens, quando você confronta o estabelecido, você precisa passar de passarinho a fênix sem aviso prévio. E se você quer ter o direito de se distrair com as borboletas pelo caminho, além de anjos da guarda, precisará exercitar a terceira visão.
É aí que eu levo de um modo estanque alguns projetos profundos, porque ainda estou lutando e acabo no meio da confusão apenas tirando uma tola conclusão:
Creio que nunca tive um anjo da guarda, mas um batalhão de anjos que me protegem na dureza que é voltar sempre ao ponto de declinar solenemente disso que chamam conquista, mas é apenas uma competição pela dominação em nome da vaidade. Diante de concursos e da pressa sinto muita preguiça.

www.biahwerther.art/goldfish.html





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