sábado, 27 de junho de 2015

Nos falaremos em cem anos.

Toda a vez que começo a me reaproximar do cinema gaúcho porque preciso rodar algum trabalho mais complexo tecnicamente, tenho dificuldades em me fazer entender. O processo passa por árduas tarefas no sentido de não declinar do meu conceito, de não seguir modelos que circulam de filme em filme, de imprimir particularidades nem sempre escravas da ânsia por popularidade... principalmente por ser respeitada do alto da minha vivência nada pequena em várias artes, especialmente no cinema experimental.
Passo por decepções que vão de tons irônicos até a insistência para que eu me renda ao "possível" e "prático".
Me vem essa sensação de estar desembarcando numa conversa de produtores de comerciais para a televisão. Claro, obvio que você tem todo o direito de querer passar a vida produzindo curtas para a RBS e brigando sobre qual a melhor câmera da moda e como o seu filme precisou de mais geradores e sobre quem corre mais... Mas o que me surpreende é que, muito provavelmente, a grande maioria não optou por fazer um cinema contido, quadrado, agradável aos olhos dos jurados, professores, produtores, empregadores, exibidores... A meu ver, fica claro que muitos desconhecem arte porque sõ tiveram tempo de decorar planilhas e correr com um celular em punho pra mostrar que são bons.
Mas conhecimento sobre o que acontece fora da turma, a contravenção, história, modernidade, aquilo o que o mundo anda fazendo, o que é uma vídeo arte e onde ela encontra o cinema, a possibilidade mágica de misturar, tirar o cinema dessa prisão da cultura televisiva e libertar, dar a ele o direito de voltar a ser arte, expandir a mente, sair das panelinhas de fofoca, parar de competir sobre quem tem mais gente e equipamentos a se debater dentro de um set... isso parece que poucos puderam ver.
Certa vez me magoei quando uma professora do IA me disse em aula que cinema não é arte, mas outra coisa. Hoje entendo que ela não falava do meu cinema e, muito certamente, nem teve tantas oportunidades de saber que o cinema gaúcho tem sim, como todos os cinemas do mundo, gente que o desconstruiu pra reencontra-lo, autores que experimentam num campo livre.
Nunca vou entender o que acontece com o cinema gaúcho. Entra ano e sai ano e ele fica mais sob controle, menos de peito aberto, mais ensimesmado no bom mocismo dos roteiros coerentes.
Que seja, mas ao menos estudem, vivam as ruas dos cinemas livres do mundo, para que os cinemas que não correm prá lá e prá cá entre os editais, os festivais, os comerciais e a tv, possam também ser produzidos. É importante que todos os envolvidos neste "mercado" saibam a importância daquele que confronta, que nao se rende, que questiona e inventa outras alternativas (será que eu já não disse isto em 1998,2002,2007?)
Será que só chegaremos a um diálogo daqui cem anos, amores, quando meu trabalho estiver sendo observado por ser diferente no nosso tempo e o seu curta de tv premiado for mais um entre milhares esquecidos? Será que só então, você que tentou me convencer a tornar meu trabalho mais óbvio ou riu da minha cara diante da impossibilidade das minhas ideias, vai então me olhar e dizer:
- Ahhh, finalmente entendi!
A primeira lição, queridos, é ver que tudo pode, que todos podem, que sempre haverá mais do que aquilo que sabemos de cor e sempre existirão muitos outros mundos, interpretações, valores e conhecimentos. É importante perceber que as conquistas de uma categoria, os representantes dela e as conhecimentos técnicos tem que ser oferecidos a todos, não só aos bem comportados (acho que isso eu também jã disse em 1998, 2002, 2005, 2007, 2009..).
As diferenças são soluções e não trincheiras.

]bw[

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