quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A menina que desenhava poemas.

Eu guardo bilhetes, e-mails, cartas, poemas, desenhos que me oferecem, porque eu só vivo o presente, então preciso da memória externa...
Daí, hoje eu tava jogando umas coisas no lixo e encontrei os poemas de uma menina que era minha colega quando tinha 12 anos. Ela gostava de mim e me escrevia poesias de amor. Eu escrevia poemas políticos e achava os dela mais foda, até porque ela os ilustrava lindamente. Por certo nunca disse isso a ela porque eu falo como uma papagaia sobre coisas genéricas, mas essas coisas de duas pessoas conversando, essas eu esqueço de falar.
Ela sofria porque já sabia que sempre gostaria de meninas e rolava preconceito na sua família... creio que na escola também, mas eu sempre fui muito distraída pra perceber isso.  E ela era triste porque eu nem percebia que ela queria ser minha namorada pois eu era muito abobada pra entender o que a fazia ser assim, uma pessoa grave. 
Eu queria ter sabido dizer pra ela que não era porque eu não queria ficar com meninas, nunca acreditei nessas separações e não tinha qualquer preconceito. Era que eu ainda nem pensava sobre isso. Não queria meninas nem meninos. Queria era ficar sozinha no meu canto, lendo e sentindo as coisas da natureza. Vai ver era por isso ela gostava de mim, porque eu era meio louca e não entendia nada que fosse imediato e cotidiano e tátil, de modo que tudo para mim parecia um acontecimento por trás de uma cortina transparente e leve. O mundo real eram vultos (se é que ainda não vejo assim...)
Chegaram as férias e eu não senti saudade.
No ano seguinte, cheguei na escola pensando em dizer pra ela que tinha entendido um dos poemas mais sofridos que escrevera pra mim, mas ela não estava mais lá. Nunca mais a vi, nunca mais escutei...
Anos mais tarde, soube que ela se matou. A vida deve ter sido ingrata com ela e, sei lá porque, senti muita culpa de não ter sido uma amiga mais falante.
Curioso é que lá pelos 8 anos eu também tinha um melhor amigo, com quem eu brincava num dos lugares mais incríveis que já visitei na vida. Era uma fazendola onde sua família cultivava flores. 
Ele era mais velho que eu, me ensinava as coisas mais fantásticas da vida de meninos do campo. Uma babá me levava pra lá depois das aulas e ele sempre me esperava com surpresas, como o carrinho de lomba mais maravilhoso que eu já vi. Há alguns anos, soube que ele também se matou.
Me parece que o meu modo de ser, de gostar tanto da companhia da solidão, era tão vital que só conseguia ser amiga de pessoas que só eu via. Meninos tristes que não tinham carinho.
E eles talvez me amassem porque eu era assim, uma menina louca que não falava nada, que perdia o foco. Era só uma boa companhia pra correr na chuva, se esconder dos adultos, deitar na terra fofa e contar as estrelas. Nunca prestei pra muito mais do isto.
]bw[

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