domingo, 27 de setembro de 2015

A ponte reúne enquanto passagem que atravessa.

Não vejo as pessoas do dia a dia - tão revoltadas com a crise dos juros - raciocinando sobre a história presente que grita nas fronteiras. Talvez porque a nova ordem mundial seja de uma globalização contraditória que divide tudo e todos em um picadinho desconexo.
O nosso presente é uma cobra mordendo o rabo, onde cremos que a história da humanidade deve ser interrompida, entrecortada e descontinuada a cada novo dia num processo de lobotomia festiva, conforme ordenam as propagandas de carros, comida industrializada e pastas de dentes - de roteiros e estética iguais em todas as línguas - enquanto nas fronteiras se espremem os hiatos, iguais em todos os tempos.
Desprovidos de olhar periférico, temos uma memória que dura os 30 segundos da propaganda que nos resolve foréver young como se o presente fosse separado de uma homogeneidade e todo o conhecimento e conquistas estivessem resumidos a descobertas de design.
A grande contradição nesse processo é que a mesma submissão ao super mudérno nega o que haveria de valioso no presente, como o fato de ser parte, caminhada e não início, final , muito menos único.
Na mesma corrida pelo imediato global, também nos rendemos aos conceitos arcaicos de espaço - como um sinônimo da propriedade e do poder - e guardamos com louvor doenças que cansamos de tentar curar no passado - como o extremismo patriótico e as guerras santas. Acreditamos num futuro de ódio, competições por notas de dinheiros e servilismo cultural, mantendo as tantas formas de escravidão como um item necessário.
Me parece que a história do agora está sendo escrita, de verdade, nas fronteiras. É ali que num futuro distante alguns tentarão decifrar o nosso tempo.
Nisso, estava aqui relendo um texto de espectro bem amplo a respeito dos conceitos de pós-modernidade; da sensação que alguns médios tem de que representam o "além" numa sociedade da estética; e do mundo paralelo nas fronteiras.
Olha que interessante:
"O além não é um novo horizonte nem o abandono do passado...
(...)
"Além" significa distância espacial, marca um progresso, promete um futuro; no entanto, nossas sugestões para alcançar a barreira ou o limite - o próprio ato de ir além - são incogniscíveis, irrepresentáveis, sem o retorno ao "presente" que no processo de repetição torna-se desconexo e deslocado. O imaginário da distância espacial - viver de algum modo além da fronteira de nossos tempos - dá relevo à diferenças sociais, temporais , que interrompem nossa noção conspiratória da contemporaneidade cultural.
(...)
Se o jargão dos nossos tempos - pós-modernidade, pós colonialidade, pós-feminismo - tem algum significado, este não está no uso popular do "pós" pra indicar sequencialidade - feminismo posterior - ou polaridade - anti-modernismo. Esses termos que apontam insistentemente para o além só poderão incorporar uma energia inquieta e revisionária se eles transformarem o presente em um lugar expandido e ex-cêntrico de experiência e aquisição de poder. Por exemplo, se o interesse no pós-modernismo limitar-se a uma celebração da fragmentação das "grandes narrativas" do racionalismo pós-iluminista, então, apesar de toda a sua efervescência intelectual, ele permanecerá um empreendimento profundamente provinciano.
A significação mais ampla da condição pós-moderna reside na consciência de que os "limites" epistemológicos daquelas idéias etnocêntricas são também as fronteiras enunciativas de uma gama de outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes - mulheres, colonizados, grupos minoritários, os portadores de sexualidades policiadas. Isto porque a demografia do novo internacionalismo é a história da migração pós-colonial, as narrativas da diáspora cultural e politica, os grandes deslocamentos sociais de comunidades camponesas e aborígenes, a poética do exílio, a prosa austera dos refugiados políticos e econômicos. É nesse sentido que a fronteira se torna um lugar a partir do qual algo começa a se fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação ambulante, ambivalente, do "além" que venho traçando: 'Sempre, e sempre de modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos e apressados dos homens prá lá e prá cá, de modo que eles possam alcançar outras margens... A ponte reúne enquanto passagem que atravessa' (Foucault & Lacan)"
do livro "O Local da Cultura", Homi K. Bhaba.
]bw[

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