quarta-feira, 11 de maio de 2016

A mulher e a câmera.

Não sou daquelas pessoas que fala muito sobre as opções técnicas do trabalho. Atualizações dos softwares, micro diferenças entre uma câmera e outra, a guerra das tecnologias, plataformas e marcas... Bá, prefiro pensar na luz. 
Tenho fases... Depende da estação do ano, de como vai o sol, se está nublado, se é um surfista no mar, uma foto de moda, a natureza, o velhinho distraído no centro da cidade, a formiga invisível ou uma banda num palco com uma péssima iluminação vermelha.
Admito que me apaixono por lentes, isto é verdade. Mas não falo muito delas, durmo com elas. E isto é sério, quem dorme comigo sabe que não é raro dividirmos a cama com uma câmera. Tanto que, há alguns anos, numa oficina de cine desconstrução em alguma capital qualquer do país, eu mandei um garoto nervoso dormir com a super 8. Dito e feito, no outro dia ele estava super relaxado e do seu olhar saíram lindas imagens em movimento.
Nessa confusão toda que fica na cabeça, no coração, no estômago e no sexo, fazer imagens - ao menos no meu entendimento - é muito mais sensibilidade do que foco, do que a fita métrica, do que escolher o Iso, O olho sabe, é orgânico... desculpa dizer esta bobagem, mas é talento e não há decoreba na subjetividade.
Comecei um álbum na minha fanpage com as fotos que considero incríveis mas foram rejeitadas solenemente pelos clientes. Felizmente é um fato tão novo pra mim que só há fotos de um cliente e tomara que fique nisto por um bom tempo
Em abril fiz uma sessão de fotos
barata e improvisada como eu gosto porque exige criatividade. Sem recursos pra produção, sem maquiador, assistente, veículo de produção, equipamento de luz.
Só tinha grana pra nós, eu e as lentes.
Fomos. Temos.
Apesar de reunião prévia, de um estudo de referências e de eu ter feito uma pré produção, a sessão que pra mim resultara em 4 séries fantásticas em locações dentro do Hospital Psiquiátrico São Pedro, desagradou imensamente o cliente. Faz parte, não gostar acontece, desrespeitar o profissional é proibido.
Bastante satisfeita com o resultado, sob pressão de um deadline mortal do cliente, optei por uma metodologia. Enviei primeiramente uma série de fotos artísticas para ele ir aprovando enquanto eu ia trabalhando fotos mais naturalistas e uma boa diversidade estética. Agi sem pensar no cachê pois quando eu aceito um trabalho não penso nisto e não trabalho com menor ou maior dedicação, Compro a ideia.
Para minha surpresa, com apenas dez por cento dos retratos enviados, o cliente já um pouco irritado e apressado, me enviou uma print com uma análise fria e meio humilhante que continha riscos e setas sobre as imagens avaliando micro pontos de meia dúzia de fotos que, me pareceu, eu deveria corrigir. Junto vinha uma observação em caixa alta: As outras não gostei. Ponto.
O cliente era muito jovem e talvez nunca tivesse se relacionado com um profissional, então eu respirei, me mantive muito afável e pedi que ele ficasse calmo, larguei o trabalho de um outro cliente bem mais relevante e passei a madrugada enviando fotos em uma outra estética, começando uma tentativa de contemplado e segura de que conseguiria porque foram centenas de disparos com isos, lentes, cenários, luz variados,
Não cheguei a enviar nem metade das opções e descobri que o cliente nem fizera download das fotos, cortando relações e me deixando feito boba por dias a trabalhar para tentar agradá-lo.
Acendi meu incenso, meditei e retornei aos outros trabalhos de relação mais normal.
No dia seguinte, ainda meio sem entender o que tinha se passado, recebo o contato de uma banda de Berlim, pra qual já trabalhei como VJ, pedindo fotos pra uma capa e encarte de CD.
Ora, o trabalho para o jovem cliente que não fora legal comigo era semelhante a este, então pensei: Será que existe um Deus e isto é uma compensação por eu ter sofrido um belo alijamento ainda ontem?
Não sei nada sobre isto!
Quero dizer, não me apetece ficar exultando a câmera nova, o paranauê caro e apenas os sucessos. Eu gosto de falar sobre conceito, sobre autoria, sobre o respeito, sobre a tentativa de fazer os clientes entenderem que "eu to pagando" não pode pautar as relações de trabalho. Gosto de falar sobre erro, sensibilidade e aquilo que a gente aprende na faculdade, sobre esconder a humanidade no ambiente de trabalho..
Eu conheci um fotógrafo que me disse: Se eu sinto que vai ser desconfortável ou se vou ser maltratado, cobro 4 vezes mais.
Pode ser uma boa... Mas há momentos que a gente não pode prever. A única certeza que eu tenho é que eu, além de criar esta vitrine das imagens não aprovadas que, apesar disto, me dão orgulho, vou inventar uma outra redação para contratos de trabalho.
Meus contratantes, a partir de agora, tem que me
assegurar que amam o que fazem, que gostam de olhar nos olhos de quem contratam, que sabem que estão contratando pessoas e não robôs ou escravos e que conversar, respeitar, viver com felicidade e honestidade todos os momentos, profissionais ou pessoais é estar pleno e isto vale mais do que mil notas de dinheiros.
Paz, Amor e Gentileza \o/

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