quinta-feira, 12 de maio de 2016

A autora é uma sogra?

Acontece de tudo nessa louca relação entre quem cria, a cria e quem se apropria. 
Há pouco eu postei no meu twitter: "Nada me deixa mais magoada que as pessoas divulgarem imagens do meu trabalho e não darem os créditos. Talvez porque eu me dedico demais..."
Sim, pode ser por que a gente se dedica muito e há segredos e uma relação íntima ao extremo entre nós e a nossa criatividade, mas deve ser mais porque a gente se sente mãe daquilo que criamos... o que dá no mesmo, talvez. Sei lá, com a obra, um artista divide coisas que nunca com uma pessoa mesmo que durma junto por 50 anos.
Me perco pensando nisto porque é contraditória a situação de artistas como que eu passam a vida querendo criticar a propriedade em várias circunstâncias mas defendem a autoria.
A ver, a gente se constrange em colocar o nome na frente, em bater demais no peito, mas a gente espera que as pessoas sejam éticas ou atentas, cuidadosas por assim dizer.
É tudo delicadíssimo e em sintonias muito finas isto da propriedade intelectual.
Só sei que acontece o tempo todo, muitas vezes as pessoas fazem sem querer, por distração, mas machuca e é mais forte que a nossa crítica ao ego do artista.
Quando acontece comigo - e eu deveria já estar habituada - me dá uma dor engraçada e me prova que a propriedade intelectual é algo que transcende a razão. Sinto uma coisa quente no estômago, uma certa náusea, susto e uma decepção com a vida quando algo que saiu das minhas entranhas estranhas aparece como se fosse gerado por outra. Sabe quando tu é assaltada e te levam algo que tu demorou muito pra conseguir; ou quando o teu filho pequeno some no meio do super mercado e te dá uma dor e o teu corpo se curva? É assim a sensação quando não me dão os créditos. Parece exagero, mas tenha certeza que é assim com muitos artistas.
Então a gente poderia dizer que essa necessidade que o criativo tem de assinar seu trabalho em contradição com a vergonha de fazê-lo por parecer excesso de vaidade é um sentimento maternal.
Como não querer deixar o filho ir.
Fico entre as duas vias tentando ser racional.
Primeiramente, creio que a pessoa que inventa, cria, se dedica, passa anos até fazendo um projeto artístico (eles são sempre mais complexos de criar do que parece), precisam se desprender e deixá-los ir.
Segundamente, enquanto o autor de uma obra tem o direito de se desprender, as outras pessoas que fazem parte dela em algum momento ou apenas espraiam por gostar, tem o dever de desenvolver uma natureza sensível ao fato de que a obra que lhe dá prazer veio do ventre de alguém (o artista seria a sogra?) e, portanto, antes de usar e abusar da criação do outro é necessário entender qual é a relação do artista com aquela arte.
Há obras que a gente quer dividir (como no meu projeto FBI, em que enviamos o copião do nosso filme pra outros cineastas reeditarem à seu prazer); há obras que você deixa fazerem download mas não gostaria que remixassem; há trabalhos que você não mostra nem pra pessoa mais próxima e se alguém mexer nas suas gavetas e a encontrar você vai sofrer tanto que talvez não sobreviva.
Você quer entregar para o mundo aquilo que inventa e quando chegar no mundo vai virar outra coisa e não há o que você possa fazer a respeito. Só que esta outra coisa, como um filho, sempre fará parte de você lá no princípio do seu caráter.
Tenho uma certeza de que nesta complicada matemática da autoria o segredo está na delicadeza, na sutileza de uma cultura que não veja as coisas aos pedaços e sim os elos e continuidades.
Há coloridos cordões que nos ligam eternamente ao que sai de dentro de nós e eles precisam ser solenemente respeitados.
Só com menos ansiedade e menos consumismo a gente consegue perceber estas linhas que abraçam a tudo e todos enquanto sociedade, e nisto entra a arte.
biAhweRTher

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