quarta-feira, 8 de junho de 2016

|O FILME SOBRE JÚPITER APPLE|

|||diário da diretora|||

"O GAROTO DE JÚPITER"
Lá pelos 10 anos, Flávio já tinha um violão. Segundo a mãe, dona Iara, ele não dava tanta atenção para o instrumento quanto para os vinis de rock que começou a colecionar cedo como todo o menino de classe média em Porto Alegre no final dos anos 70. Nessa época, parece que a família ainda não percebia que aquele não era um garoto comum.
Por volta dos 12 anos, percebendo um maior interesse pelo violão, sua avó resolveu pagar um curso para que aprendesse música, mas após a quarta aula o menino chegou em casa insatisfeito e declarou:
- Mãe, não quero aprender a tocar "Parabéns a Você", eu quero é tocar Beatles!!!
E assim foi. Após abandonar as aulas, ele logo estaria compondo. O pai, um professor de Física meio distante dos gestos de carinho, já então divorciado da mãe, percebendo o dom ou pela insistência do filho, o presenteou com uma guitarra. 
No colégio Rosário, as notas do menino que amava os 4 garotos de Liverpool despencaram para o subsolo do prédio onde morou toda a infância na rua Cauduro, enquanto sua alma flutuava em direção a um planeta que um dia ele chamou de Júpiter, onde aprendeu sozinho a cantar e tocar vários instrumentos; passou por São Paulo, todo o país, Londres e Paris entre muitas mulheres e grandes parceiros de hits radiofônicos; cambaleando em becos sujos, pulsando em palcos, embriagado em lugares do caralho e quartos de hotel.... O garoto por vezes vinha visitar a Terra para homenagear este planeta, até que, numa tarde, nunca mais aterrissou deixando todos aguardando o seu último show.
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DIÁRIO, 07 de junho de 2016
Aniversário do meu pai que também não mora mais aqui. 
Muito frio na tarde de sol, meu lindo chapéu de brechó - sou uma porto alegrense! . Saio ansiosa, prestes a começar mais um trabalho que talvez um dia faça parte do mosaico histórico do pólo criativo mais provinciano do país.
Meu encontro é com a mãe de Flávio Basso no Ateliê Bestiário, um dos lugares da cidade onde sou artista residente. O ateliê fica dentro da Marquise 51, nada menos que seu selo e um dos últimos lugares onde Júpiter Maçã tocou. Pocket show antes da falência múltipla de seus órgãos.
Eu e dona Iara namoramos por cerca de dois meses pelo telefone e redes sociais até nos encontrarmos pessoalmente. Queria eu que nada fosse às pressas, tudo mais sensorial do que obrigatório.
Cheguei a comentar o projeto superficialmente com amigos meus e de Flávio, mas não queria começar nada oficial antes de criar uma intimidade com sua mãe pois algo me dizia
que ali estava o meu argumento, o elo perdido entre a minha dúvida e o meu próprio olhar definitivo. O que conheci do Júpiter é algo entre nós e parcial, assim como foi com cada uma das outras centenas de pessoas que passaram por sua tumultuada vida, a maioria bem mais íntima dele do que eu. Sua mãe sabe do começo e do fim, onde se fez muito presente por iniciativa dele nos derradeiros dois anos. O miolo da história somos todos nós e seu público, como numa lenda.
Desde a noite de sua morte eu sabia que iria fazer o filme mas não entendia ainda como isto se daria. Um documentário? Uma ficção? 
Nada certo dentro de mim além da incerteza. 
Eu só sabia que não queria contar um conto sobre uma lenda urbana, mas sobre uma alma inquieta e criativa, mais humana do que célebre.
A conversa de horas foi esclarecedora como uma luz no final do túnel onde um menino-homem está sentado em um piano e sonha que vai fazer um filme.
Entendi que farei um documentário ficcional. Depois de meses com uma profusão de ideias feito a hora do rush, relaxei. Percebi os tons, os sons, a primeira cena, a cena final. Visualizei o tempo correndo nos 47 anos do menino Júpiter.
Cheguei em casa, sentei no computador, fiz alguns contatos para primeiras entrevistas e em duas horas rascunhei 3 cenas, direto, sem tomar água, sem fazer xixi, sem tirar as botas, sem ligar o ar condicionado neste outono invernal a 7 graus sendo que odeio frio. Aqueceram-me as ideias.
O nome do filme é: "O Garoto de Júpiter"
Me parece fácil de entender. mas caso alguém não compreenda, ao longo do processo todos terão oportunidade.
biAh weRTher

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