sábado, 17 de setembro de 2016

O Retrato das Costas

Tenho uma teoria de que o cinema gaúcho não se reinventa porque as pessoas se fecham demais em seus grupos e não se disponibilizam a conhecer aqueles que vivem aqui mas experimentam. Por que sim, você não precisa ser gringo para experimentar.
Por exemplo, as pessoas que fazem o cinema tradicional costumam me encontrar e perguntar o que eu ando fazendo. Em geral, pelo fato de eu ter deixado de participar dos festivais tradicionais, de tapete vermelho, alguns acham que devo estar vivendo de rendas (rolava até uma lenda de que eu sou rica e só por isso brincava de desconstruir os cerimoniais).
Sinto, por experiência e por me espraiar sem turma fixa, que por estar fora de um "circuito", na verdade posso até estar mais ativa do que as pessoas que se aprisionam ao tempo-espaço dos festivais onde um filme perde o prazo de validade em dois anos e você não tem mais tantas oportunidades para ele.
Sendo que eu misturo artes visuais e... enfim, 8ito artes no meu projeto de vida, consigo fazer do meu trabalho algo atemporal em muitos sentidos.
Primeiramente, todos os anos consigo me expor em projetos no exterior sem precisar provar nada para as bancas dXs senhorXs entendidXs com sua pompa, ordens e clichês.
Segundamente, sou livre para levar o tempo que me parecer melhor para terminar um trabalho ou mesmo levar a público em forma de work in progress sem que isto soe subversivo demais.
Dando uma entrevista nesta semana, cheguei a me deter nesta parte, que talvez seja a mais incrível pra mim, de eu poder usar sem preconceito nem medo tanto a internet, como rua, como espaços de arte ou eventos de multiexpressão na busca pelo público e, deste modo, encontrar pessoas de idades e pensamentos até opostos que me acompanham como persona ou a projetos meus em especial, entendo as transformações, processoss e o meu crescimento.
Vejam, colegas, vocês precisam sair do casulo e olhar o mundo e perceber que existem diferentes conceitos, metodologias, entendimentos no modo de expressar uma obra audiovisual.
O fato de um profissional não participar da corrida pelo pódium dos festivais glamourosos, bem como o fato de este profissional desconstruir os modelos de roteiro, produção e pós produção não leva o mesmo a ficar parado. Muito pelo contrário. O nome disto é coragem, me parece... talvez...
Quando estudo meu público, noto que estou conseguindo o que quero, que é renegar a busca pelo "público alvo". Pois né, eu não sou atleta do tiro com arco!
Para me conhecer, gostando ou não, seguindo ou abandonando, tenho visto pessoas de 18 a 70 anos, de variadas cidades, culturas e gêneros. Bem, amores, se batesse no peito abandonando a minha vida sem foco e me assinasse cineasta gaúcha.. hum, acho que eu seria infeliz e teria um público homogêneo demais.
Eu diria que toda a vez que alguém - em especial pessoas que lideram entidades de cinema e tomam pra si atividades como mapeamento, difusão, fomento, diversidade e inclusão - me encontra e pergunta o que ando fazendo, quando eu estou entre as pessoas do meio que mais tem seguidores, links produtivos e incessante atividade, fico pensando que o mundo do cinema tradicional realmente preferiu acomodar-se e não vale a pena nem tentar colaborar para que enlouqueça um pouco.
Se você é do "meio" e não sabe o que ando fazendo é porque não sabe o que os fazedores de arte independente andam fazendo. Se você dirige uma entidade e só está inteirado dos trabalhos de festival, diria que o fato fica preocupante, pois, em tese, você deveria saber muito bem o que ando fazendo e como me viro para buscar recursos para o meu trabalho.
Conhecer os diferentes olhares, mesmo os incomodativos, contribui enormemente no trabalho de todos, então me parece meio ruim para o público quando a maioria das pessoas que preparam as obras que nos retratam só acompanha o trabalho dos adeptos obedientes, da corrida glamourosa, das fichas de inscrição, dos prazos, dos jurados-sempre-os-mesmos e das cerimonias sob controle.
Por tudo isso (e vou tentar postar esta crônica nas páginas de entidades de cinema), na próxima vez que você me encontrar, não pergunte o que ando fazendo ou, pior, se parei de filmar, simplesmente pelo fato de não ter saído uma matéria na ZH sobre meu mais recente trabalho. Para não ficar mal, faça de conta que se interessa pelo mundo fora da casta e já venha me dando os parabéns. Prometo que eu vou ser legal e fingir que acredito que você sabe o que acontece na vida aqui fora.
Gentilezas
biAhweRTher

Nenhum comentário:

Postar um comentário