quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Mãe Artista

Sempre fui a mãe menina, amiga, companheira, baixista, parceira de pular na cama até quebrar as molas do colchão tri caro e ficar um sábado todo assistindo maratona da Hora de Aventura. 
Nunca mandei nada, tudo decidido democraticamente. Não creio em organismos verticais.
Quando ele estava na barriga eu era o auge do grunge. Minha banda até nem tanto, mas eu sim. A MTV era massa naquela época. Jimmi Hendrix e Nirvana nas madrugas. Eu tocava violão e tinha certeza que a acústica devia ser ótima dentro da barriga.
Até os 3 anos eu o amamentei e andávamos pelados pela casa. Lá pelos 6 anos, achei que não era mais legal ele me ver pelada e comecei a mudar um pouco esse comportamento. E seguimos felizes, especialmente quando íamos para o mar.
Mas os colegas não o compreendiam muito bem. Nesta mesma fase, ele estava em seu quarto com amiguinhos e, emocionado, quis mostrar uma música nova que conhecera: Geni e o Zeppelin, do Chico. Quando terminou de cantar junto, todo emocionado, encontrou os amigos meio chocados sem entender sua língua. Ele tentou explicar a letra, não funcionou muito bem.
Mas ele não desistia, dias depois levou um amigo pra escutar Joquin, do Vitor Ramil. 
Um dia, estávamos dando carona pra um coleguinha e ele comentou animado que adorava o Jean Wyllys, que era um BBB naquele ano. O coleguinha ficou entre chocado e debochado e disse: - Que nojo, ele é gay!
Olhei pelo retrovisor e o sorriso do meu filho foi se desfazendo, parecia envergonhado.
Pela primeira vez na vida fiz a mãe:
- Também adoro o Jean Wyllys.
Meu filho parecia mais seguro quando me escutou e voltou ao assunto animado.
O menino insistiu:
- Mas ele é gay.
Silêncio. Encostei o carro. Olhei pra o banco de trás e falei para o meu filho.
- Filhinho, você pode gostar de qualquer pessoa que seu coração mandar. Debochar de alguém por ele ser gay é preconceito, e preconceito contra gays além de feio é contra as leis do nosso país.
Pode confiar em mim, é bonito gostar de quem a gente quiser e horrível se preocupar em saber se o outro é gay ou hetero.
Fomos levar o outro pirralho em casa. Meu filho se sentiu muito bem, notei que estava agradecido, mas não entramos de novo no assunto. A mãe do outro menino nunca mais me cumprimentou e achei muito bom, pois usava marcas de roupas feitas por mão de obra escrava, logo não tínhamos mesmo nada em comum. 
Lá pelos 15, a psicóloga me chama assustada pois a vó lhe contou que o guri andava lendo a biografia do Kurt Cobain e escrevendo músicas tétricas. Fomos eu e o pai dele. Eu ri e disse que ele escutara isso desde o meu ventre, que estavam fazendo tempestade em copo d'água. 
Escutei por todos esses anos, de parentes, amigas e psicólogos que meu filho deseja, um dia, ver em mim a mãe. Aquela que invade, que manda colocar o casaquinho, que não o traumatiza viajando a trabalho por dois meses como fiz tantas vezes, que não chora copiosamente porque ele foi pros steitis num compromisso com a escola. 
Acho que até ele mesmo, muitas vezes gostaria de me ver no papel da mãe de tutorial, da mãe normal. E sei que por vezes queria que eu não perguntasse mas desse ordens, fosse entrando sem pedir licença, reclamasse da bagunça e tivesse uns pitis lamentando "dei minha vida, abandonei meus sonhos por você, mimimi!".
Não digo que é fácil não querer ser a mãe santa, a mãe voz de mãe, a mãe assexuada, aquela que vive batendo no peito e querendo morar num relicário. Não digo que não tenho mil dúvidas e as eternas culpas. 
Mas nunca, nunca mesmo acreditei nessa bobagem de que "mãe não é amiga". Que frase horrorosa de se dizer. Se eu pensasse que ,como mãe, meu papel não é o de amiga, eu teria vergonha de mim. Serei o quê? Inimiga, dona de pensão, generala, madre superiora, fiscal?
Um beijo
biAhweRTher

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